Em meio a um novo reajuste no preço dos combustíveis, Bolsonaro declara que “a Petrobrás pode mergulhar o Brasil num caos”. “Seu presidente, diretores e conselheiros bem sabem do que aconteceu com a greve dos caminhoneiros em 2018 e as consequências nefastas para a economia do Brasil e a vida do nosso povo”, prossegue. No mesmo sentido, o ministro-chefe da Casa Civil afirma que: “A Petrobrás não é de seus diretores. É do Brasil”.
Em ambos os casos, o que se vê é a velha estratégia de tentar blindar o governo das tragédias social e econômica que assolam o Brasil. Estamos chegando ao fim do governo e eles são responsáveis diretos por nomear o conselho e a diretoria da Petrobrás, bem como por manter a política de paridade internacional de preços que começou logo depois do golpe e que eles nunca enfrentaram.
A Petrobrás que descobriu o pré-sal, que estava substituindo importações, que investiu em refino e na construção de fábricas de fertilizantes e que estava se preparando para se tornar uma grande exportadora de derivados foi esquartejada. O resultado é essa tragédia que aí está: uma empresa refém dos interesses de grandes importadores de derivados e dos acionistas minoritários. Uma empresa que teve o maior lucro entre todas as petroleiras do mundo enquanto o povo brasileiro sofre com o preço abusivo dos combustíveis.
Sem propostas estruturantes para o setor, o governo Bolsonaro aposta na redução da alíquota de ICMS sobre os combustíveis, que pode gerar, segundo governadores e prefeitos, uma perda de até R$ 90 bilhões em receitas. Sem contar que se trata de uma medida que não tem impacto sobre o óleo diesel, pois ele já está na média com uma alíquota abaixo dos 17%. O que temos, na prática, é uma proposta insustentável, que promove um estelionato eleitoral e deixa mais uma bomba fiscal para o futuro governo.
Bolsonaro também avança com a privatização da Eletrobrás, uma empresa com 60 anos de história. A Eletrobrás é indispensável para o planejamento estratégico do setor e tem peso importante na geração de energia em um país continental que tem um sistema elétrico integrado e grandes linhas de transmissão. A Petrobrás e a Eletrobrás estatais, juntas, são decisivas para a transição ecológica de uma economia sustentável, de baixo carbono e para a transição de energia que o Brasil precisa impulsionar.
Ao mesmo tempo, a inadimplência bate recorde e atinge 66,1 milhões de brasileiros em abril, uma ascensão vertiginosa. O Banco Central que vê a inflação descontrolada, pressionada pelo custo dos alimentos, da energia e do petróleo, aumenta a taxa de juros para 13,25% ao ano. É evidente que a nova taxa da Selic agrava a fragilidade financeira do Estado. Os juros da dívida eram de R$ 312 bilhões em 2020 e a projeção para este ano pode chegar a R$ 750 bilhões, a depender da evolução dos juros.
O custo da cesta básica cresceu mais que o dobro da inflação e atingiu a desesperadora marca de 26,75%, esmagando os pobres e espalhando a fome, a carestia e a insegurança alimentar. Dados publicados recentemente apontam que mais de 125 milhões de brasileiros vivem em situação em insegurança alimentar. Ou seja, não têm comida garantida todos os dias, nem em quantidade, nem em qualidade. Desse total, 33,1 milhões passam fome.
Há universidades ameaçando paralisar atividades por falta de orçamento para custeio. O mesmo no SUS. As demandas de saúde no pós-pandemia cresceram muito e, com a crise, há uma parcela da classe média que está migrando dos planos de saúde para o SUS. Com a falta de recursos, o país caminha para uma situação dramática.
Não bastasse toda essa tragédia, vivenciamos estarrecidos, a barbárie do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips. Já houve outros homicídios de grande repercussão internacional na Amazônia, como as mortes de Chico Mendes ou da missionária Dorothy Stang, mas nunca com o governo ao lado dos madeireiros, pescadores e caçadores ilegais, mineradores e grileiros de terra.
Há na região um sistema extremamente complexo em que o governo da milícia urbana é também o da milícia rural a serviço de um agronegócio atrasado e predatório. Isso, em uma região dominada pelo tráfico de drogas, notadamente de cocaína.
Não bastasse a brutalidade e a omissão que chocaram todo o mundo civilizado e ampliaram a condição de pária internacional de Bolsonaro, Bruno e Dom tiveram suas honras e suas memórias agredidas. Bolsonaro declarou que o indigenista e o jornalista estavam em uma “aventura não recomendada” e que Dom “era malvisto na região” por fazer reportagens contra garimpeiros. A mesma postura sem escrúpulos com que tratou os mortos pela pandemia de covid-19 quando chegou a dizer que não era coveiro e chegou até mesmo a imitar pessoas morrendo asfixiadas.
Para além do fracasso econômico, social e institucional, Bolsonaro vai deixando, a cada dia, um rastro de agressões ao processo civilizatório do país. A prova cabal é que, em meio às mortes de Bruno e Dom, chega ao absurdo de programar uma “motociata” em Manaus. Nada mais desrespeitoso, com a dor das famílias e do povo brasileiro.
Desesperado, Bolsonaro segue com o único recurso que ele sempre defendeu: a ameaça de golpe. É o único presidente da história que defende a tortura e o assassinato político à luz do dia. Mesmo quando as instituições norte-americanas estão desvendando a gravidade da tentativa de golpe de Trump, que foi acompanhada de perto pela família Bolsonaro, ele tenta reproduzir a armadilha golpista da extrema direita mundial aqui no Brasil.
Portanto, o caos não é só o reajuste do preço de combustíveis patrocinado pela omissão irresponsável de Bolsonaro. O caos é sobretudo causado pelo presidente que não trabalha, que não se dedica e que não resolve os problemas fundamentais do país. O caos é Bolsonaro.
Aloizio Mercadante é presidente da Fundação Perseu Abramo
Publicado na revista Focus Brasil