Como se não bastasse o tarifaço com a nova “bandeira da escassez hídrica”, as mudanças inseridas na Medida Provisória (MP) nº 1.055, da crise energética, podem gerar um custo adicional de R$ 46,5 bilhões nas contas de luz dos consumidores brasileiros. A estimativa é da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace).
A votação no plenário da Câmara do relatório do deputado Adolfo Viana (PSDB-BA), que estava prevista para terça-feira (5), foi suspensa. O texto que cria a Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (Creg), publicado por Jair Bolsonaro no final de junho, está valendo, mas para virar lei a MP precisa ser aprovada pelo Congresso.
A MP concede à Creg poderes para acelerar decisões envolvendo a contratação emergencial de energia. O comitê poderia decidir, por exemplo, sobre o nível de vazão de água nos reservatórios das hidrelétricas, tipo de medida que depende do aval de agências como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA).
Desde que foi apresentado, na última sexta-feira (1), o relatório de Viana sofre críticas. A acusação é de que os “jabutis” (matérias estranhas ao texto original) incluídos no texto se alinham a propostas derrotadas durante a tramitação da Lei do Gás, em 2020, quando parlamentares governistas defenderam a inclusão de medidas para viabilizar a contratação de térmicas e a construção de gasodutos.
Os governistas toram derrotados, mas retomaram o tema durante a votação da privatização da Eletrobras, neste ano. A Lei 14.120, resultante da MP da Eletrobras, sancionada em julho por Jair Bolsonaro, inclui a contratação de usinas termoelétricas no interior do país, em regiões não atendidas por gasodutos, mas não explicita a origem dos recursos para as obras.
Agora, o relator da MP da crise energética quer usar os leilões em que serão contratadas as térmicas da MP da Eletrobras para incluir na tarifa de transmissão a “integração do sistema de gasodutos associados à contratação de reserva de capacidade”. A medida transferiria os custos para a tarifa de energia elétrica paga pelos consumidores.
Decisões políticas
Dez associações da área de energia se uniram em uma carta pública contra as mudanças. Segundo as entidades, a inclusão de emendas relacionadas a termelétricas e pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), além da prorrogação dos contratos das usinas do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia (Proinfa), vão gerar custos extras bilionários na já inflada conta de luz.
“Primeiro, aumenta a conta de energia. Segundo, aumenta o preço dos produtos brasileiros que usam energia. Terceiro, perturba o equilíbrio do setor elétrico”, atacou Paulo Pedrosa, presidente da Abrace, em entrevista ao Jornal Nacional.
Segundo Pedrosa, as mudanças são tão significativas que elas exigiriam meses de estudos e avaliações pelos especialistas da área. “É o que deveria acontecer no viés normal do setor elétrico: decisões dessa natureza serem conduzidas pelo planejamento do setor, e não transformadas em decisões de natureza política”, criticou o dirigente.
Às custas do consumidor
A Abrace estima que apenas os gastos com a construção de gasodutos e sua incorporação ao custo do sistema de transmissão de energia vão gerar um prejuízo de R$ 33,2 bilhões para geradores e consumidores, em 15 anos de operação.
“O consumidor vai pagar, além do consumo da energia, a construção de gasodutos que abastecem as termelétricas por meio de tarifa. Isso tende a distorcer a matriz de recursos”, disse à Folha de São Paulo Edvaldo Santana, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e especialista em energia.
No Correio Braziliense, Daniel Ito, gerente de Monitoramento Estratégico da Esfera Energia, afirmou que a inclusão dos gasodutos no texto não faz sentido. “Apesar de o setor elétrico utilizar o gás como fonte de energia para algumas usinas, não acho correto incluir na conta de luz um subsídio para criação de gasodutos, principalmente quando as usinas podem ser construídas onde já há a infraestrutura e inclusive estão próximas aos grandes centros de consumo de energia elétrica”, argumentou.
O relatório também prevê que a concessão de subsídio para carvão, que acabaria em 2027, seja prorrogada até 2035 para térmicas que, a partir de 2028, substituam pelo menos metade do combustível por biomassa. Isso criaria um encargo extra de R$ 2,8 bilhões na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
Com o aumento do prazo dos contratos de reserva de mercado de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) de 20 para 25 anos, haveria mais R$ 700 milhões, considerando encargos e tributos, em custos extras.
Já a extensão do Proinfa por 20 anos geraria um impacto de R$ 8 bilhões. Como será possível elevar a entrega de energia a preços fixados, sem competição, para cada 10% de aumento da entrega de energia, o custo do Proinfa aumentaria em R$ 1,9 bilhão.
Lobby e falta de transparência
“As medidas trazem custos ao consumidor que não são necessários”, diz o presidente da Associação das Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Madureira. Segundo ele, há projetos de geração de energia que poderiam ser construídos sem a necessidade de obras com gasodutos, por exemplo. Além disso, as inclusões não têm relação com o comitê de monitoramento do sistema elétrico, ponto principal da MP.
“É impressionante a perspectiva de um parecer que traz tantos custos para a sociedade ser votado sem transparência e sem debate. Com o debate, vai ficar evidente que essas novas inclusões são péssimas para consumidores e para a sociedade”, acrescentou o presidente da Abrace. “Mais da metade da nossa energia já está atribuída a custos adicionais que não fazem parte da cadeia da energia. Isso tira desenvolvimento do país.”
“Você está aprovando uma série de medidas importantes num quadro institucional fragilizado. Qual o resultado disso? Você tem uma série de aberrações”, apontou Ronaldo Bicalho, do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico (Ilumina). “A questão dos gasodutos apareceu na MP da Eletrobras e agora de novo nesse texto. Há uma série de lobbies e interesses que começam a colocar penduricalhos, é uma zona completa”, finalizou.
Da Redação