Sem governo, apagão de energia ameaça produção e bolso do povo

Para o ministro da Economia, Paulo Guedes, “não adianta ficar sentado chorando” por causa das abusivas altas das tarifas de energia elétrica

Enquanto Jair Bolsonaro e o ministro-banqueiro Paulo Guedes tripudiam sobre a catástrofe sanitária e socioeconômica que é seu desgoverno, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estuda mais uma alta da bandeira 2 vermelha. Em reunião programada para terça-feira (31), a agência poderá dobrar o valor dessa tarifa em setembro, gerando um reajuste de 15,2% sobre as já escorchantes contas de luz.

E mesmo que a Aneel decida por um reajuste menor ou não aumente a bandeira tarifária, a conta de luz no Brasil ainda irá subir. Por absoluta falta de gestão do Executivo – exceto a gana para entregar a Eletrobrás o mais rapidamente possível ao “mercado” –, as usinas térmicas foram acionadas para fazer frente à maior crise hídrica dos últimos 91 anos, evento sazonal já previsto pelos cientistas em 2020.

Como a fonte das térmicas é combustível de origem fóssil, cujos preços são reajustados conforme cotações internacionais, o custo continuará subindo, e será repassado ao consumidor. Com o impacto consequente sobre preços de alimentação, transporte, combustíveis, serviços e comércio.

“Na atual conjuntura, esses custos estão aumentando. Os custos adicionais ou serão considerados na bandeira ou serão considerados na tarifa”, decretou o almirante de esquadra Bento Albuquerque, ministro das Minas e Energia, à Folha de São Paulo. Na quarta-feira (25), Albuquerque lançou um programa de redução de consumo residencial, mas omitiu os detalhes e, negacionista, afastou a possibilidade de um racionamento cada vez mais iminente.

Nesta semana, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) alertou mais uma vez para o risco de apagões a partir de outubro, caso a produção energética adicional não aumente, pelo menos, em 7,5%. O órgão recomendou ao governo que aumente o uso das termelétricas e considere importar energia de países vizinhos. No primeiro semestre, o consumo de energia subiu 7,7%, e a previsão é que continue a subir.

Já o posto Ipiranga – “um ser desprezível”, qualificou a presidenta nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR) – preferiu uma abordagem debochada sobre o assunto. “Qual o problema de a energia ficar um pouco mais cara porque choveu menos?”, perguntou Guedes em evento da Câmara dos Deputados, na quarta. No dia seguinte, em audiência pública no Senado Federal, voltou ao tema, afirmando que “não adianta ficar sentado chorando” por causa das abusivas altas das tarifas de energia elétrica.

“A conta de luz vai subir, não adianta chorar. Essas são palavras do ministro da economia Paulo Guedes”, lamentou o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) em postagem em seu perfil no Twitter.

Ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu resumiu: “Ao menos uma coisa é preciso reconhecer: Paulo Guedes é o melhor porta-voz desse governo. É assim mesmo que eles pensam e agem – e Paulo Guedes, sem o menor pudor, revela. Ódio ao pobre e completa insensibilidade à situação das famílias brasileiras”.

Energia elétrica é o carro-chefe da inflação descontrolada

Com aumento de 5%, a energia elétrica exerceu o maior impacto individual no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), considerado a prévia da inflação, de agosto (0,89%). O resultado é o maior para o mês desde 2002, quando atingiu 1%, puxado pelas fake news de “efeito Lula na economia” durante a campanha eleitoral.

Em 2021, o indicador acumula alta de 5,81%, aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre janeiro e agosto, o IBGE mediu reajuste acumulado de 16,07% no custo da energia elétrica residencial, quase três vezes mais que o IPCA-15.

“A energia elétrica se manifesta na inflação de forma direta, encarecendo a tarifa de energia, e aparece indiretamente no preço de muita coisa que a gente consome e nem sabe”, apontou o coordenador de Índice de Preços ao Consumidor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Ibre), André Braz. É por essa relevância, disse ao portal G1, que ocorre o “espalhamento (da alta de preços) e a pressão inflacionária que a gente vê agora”.

“Apesar de as famílias de baixa renda terem casas menores e menos equipadas, tendo consumo elétrico proporcional, a energia pesa mais para eles que para as famílias mais ricas”, acrescentou o pesquisador. Ele explica que a energia elétrica compromete cerca de 4,5% do orçamento familiar em geral, mas entre as famílias mais pobres o comprometimento chega a 7%.

“Desde que começou esse ciclo de alta de energia elétrica, a inflação das famílias mais pobres é maior do que a inflação das famílias mais ricas”, apontou ainda Maria Andreia Parente, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “No ano passado, esse quadro ocorria por causa do alimento, mas, agora, se dá pela energia elétrica”, pontuou.

Na quinta-feira (26), o líder da minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN), voltou a ressaltar a importância do debate sobre a crise hidroenergética. No final de julho, o Senado aprovou requerimento dele para criar uma comissão temporária sobre o tema.

“Não podemos adiar a instalação da comissão. Além de lidarmos com a pandemia e a crise econômica, temos mais esse desafio pela frente. Água e luz são necessidades básicas de uma família e é dever do Estado garantir pelo menos isso. Mas, infelizmente, o governo Bolsonaro é um governo de crises. O povo não aguenta mais sofrer”, afirmou.

A instalação da comissão aguarda apenas as indicações dos integrantes pelos líderes partidários para iniciar os trabalhos. Ela vai sugerir medidas para garantir a segurança energética e evitar aumentos da conta de luz.

Na noite de quinta, visivelmente incomodado com a influência da carestia sobre sua já escassa popularidade, Bolsonaro suplicou, na live semanal: “Vou fazer um apelo para você que está em casa. Tenho certeza de que você pode apagar um ponto de luz na sua casa agora. Peço esse favor a você, apague um ponto de luz agora”.

Bolsonaro também baixou decreto determinando que os órgãos públicos federais deverão reduzir o consumo de energia de 10% a 20% entre setembro de 2021 e abril de 2022. Mas o racionamento já é uma questão de “quando”, e não de “se”, pois não se trata de uma crise passageira, nem está relacionado apenas à falta de chuvas.

Modelo de gestão equivocado exauriu os reservatórios

A crise ocorre, principalmente, devido a um modelo de gestão que levou os reservatórios das usinas hidrelétricas à exaustão. E demandará muito tempo para eles se recuperarem.

Esses problemas são típicos de governos que promovem o desmonte de empresas como a Eletrobrás, a exemplo do que Bolsonaro e Guedes vem fazendo. Essa é a avaliação do diretor da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobrás (Aesel), Ikaro Chaves, no site da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

O dirigente lembra o apagão do governo Fernando Henrique Cardoso, em 2001. Os brasileiros reduziram o consumo de energia em casa, mas o país sofreu um prejuízo econômico de R$ 42,5 bilhões. Para Chaves, o possível apagão da era bolsonarista têm o mesmo DNA do apagão da era tucana: falta de planejamento e de investimentos.

“Naquela época se esperava que o mercado privado investisse no sistema elétrico. Não investiram, como não vão investir agora também. Toda crise hídrica é sazonal, de tempos em tempos, e o setor não está preparado para responder”, avalia.

O engenheiro elétrico também rebate o negacionismo do ministro almirante. “Existe a possibilidade real de racionamento, por falta de planejamento, monitoramento e investimento do governo federal desde o governo de Michel Temer. E Bolsonaro segue na mesma linha”, garantiu.

“Se não fossem os investimentos feitos pelos governos Lula e Dilma, o Brasil nem teria energias renováveis nem a construção de diversas hidrelétricas no país”, disse Chaves durante audiência pública na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, em maio. “Os governos do PT investiram R$ 100 bilhões na construção de novas hidrelétricas, nas energias renováveis e na ligação de todo o sistema brasileiro. O Brasil acrescentou 70% à sua capacidade energética. Foram esses investimentos que evitaram um apagão.”

Integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), Gilberto Cervinski, disse que Guedes tenta “falsear a realidade”. O mestre em Energia pela Universidade Federal do ABC (UFABC) também criticou as medidas para redução do consumo de energia anunciadas pelo Ministério de Minas e Energia.

Enquanto os consumidores residenciais sofrem com a segunda tarifa mais cara do mundo, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), os grandes consumidores recebem energia a preço de custo. Além disso, foi anunciado um bônus a grandes consumidores que reduzirem as demandas energéticas.

O que Guedes falou é que os trabalhadores vão pagar mais caro ainda. Mas os grandes, a classe dos ricaços, não. Estes ainda vão receber subsídios, que nós vamos ter que pagar. Essa é política energética que está em curso, o que é lamentável”, disse Cervinski em entrevista ao Jornal Brasil Atual na quinta-feira.

Segundo dados do ONS, os reservatórios para a geração de energia elétrica estão neste momento com apenas 30% da capacidade. As chuvas, no entanto, devem ser mais intensas apenas a partir de novembro, agravando ainda mais o estresse hídrico. Em função da gravidade do quadro, Cervinski acredita que serão necessários vários anos e muita chuva para que os reservatórios voltem a operar em níveis satisfatórios.

No entanto, esse esvaziamento dos reservatórios não foi causado apenas pela escassez de chuvas. “Por exemplo, no ano passado, quando se reduziu o consumo em função da pandemia, só produziram energia à base de água, secaram os reservatórios. E sabiam das previsões de estiagem para este ano”, finaliza.

Da Redação, com PT no Senado e CUT

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