A vereadora Edna Sampaio (PT-MT) teve o mandato restabelecido pela justiça, na quarta-feira (22), pelo juiz Agamenon Alcântara Moreno Júnior, da Terceira Vara Especializada da Fazenda Pública de Cuiabá (MT). Agamenon anulou a cassação da vereadora atendendo a mandado de segurança impetrado pela defesa da parlamentar, que é a única vereadora negra da Câmara Municipal de Cuiabá.
Sampaio é mais uma parlamentar progressista que enfrenta o lawfare de gênero, prática que consiste na perseguição por vias jurídica que, a priori, são legais, mas que buscam deslegitimar as mulheres em seus espaços de poder conquistados democraticamente.
“Acredito que a decisão judicial, que retorna o nosso mandato à Câmara, e cancela o processo de cassação, é uma decisão fundamental que abre muita esperança para as mulheres que ocupam a política, e que estão sendo violentadas Brasil afora por parlamentos absolutamente machistas, onde muitas vezes nossas companheiras são as únicas, como eu aqui em Cuiabá, a ocupar esse espaço”, apontou a vereadora.
“Tem sido muito difícil para nós, mulheres negras, ocuparmos esse espaço. Então essa decisão judicial é um refrigério, é uma forma da gente dar uma respirada porque é muito absurda a violência que nós temos que enfrentar nesses espaços”, desabafou Sampaio.
Segundo o advogado Julier Sebastião da Silva, que defende a parlamentar, a Justiça anulou o processo no qual a vereadora era ré, e agora será necessária a notificação da presidência da Câmara e da presidência da Comissão de Ética da Casa.
Sobre a denúncia apresentada pelo Ministério Público em relação ao mesmo tema, o defensor afirmou que não há base para a condenação: “A Câmara tem que alegar em juízo, e ela perdeu o mandado de segurança. É assim que funcionam as coisas. No Brasil, há leis. O processo na Comissão de Ética foi pilotado como se estivesse no volante um motorista embriagado. É evidente que este tipo de tropeço e de abusividade, a Constituição e as leis brasileiras não autorizam“, disse.
Chamamento à segurança jurídica para mulheres com mandato
A vereadora afirmou que tem dialogado com outras mulheres eleitas, e que também foram vítimas dessa situação de perseguição, para apresentar proposta ao Congresso Nacional para que se criem mecanismos mais consistentes para preservar os mandatos das mulheres. Esta é uma forma de combate ao lawfare de gênero, prática que também foi adotada na câmara de São Miguel do Oeste (SC), onde a vereadora Maria Tereza Capra (PT-SC), também teve, em fevereiro deste ano, o mandato cassado por ter denunciado saudações nazistas em atos bolsonaristas. Entretanto, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ/SC) concedeu uma liminar permitindo a Capra o retorno ao cargo.
“Acho que esses mecanismos, que já estão postos, inclusive na lei de Violência Política de Gênero – 14.192/21 – , são insuficientes para que, por exemplo, o que aconteceu comigo não volte a acontecer, o que aconteceu com a Maria Tereza Capra, lá no Paraná, também não aconteça. Quer dizer, você tem uma mulher dentro do Parlamento, é a única de esquerda e a maioria absoluta maioria de direita, simplesmente inventa argumento pra poder retirar aquela mulher e eles conseguem fazer isso, caçam nosso mandato simplesmente porque são maioria”, argumentou.
“Então precisa ter mais dificuldade, nível maior de dificuldade para cassar a representação das mulheres, que é mínima nos nos parlamentos do Brasil. Por isso, a gente precisa aperfeiçoar a legislação para impedir que a maioria de homens possa destruir a representação das mulheres”, defendeu.
Infelizmente, 2023 está ficando marcado como o ano que conta com inúmeros casos de mulheres eleitas que têm sofrido com perseguição política, incluindo na Câmara Federal. No final de maio, o Conselho de ética da Câmara dos Deputados recebeu o pedido de cassação do mandato de seis deputadas de esquerda: Érika Kokay (PT-DF) e Juliana Cardoso (PT-SP), Sâmia Bomfim (PSOL-SP), Talíria Petrone (PSOL-RJ), Célia Xakriabá (PSOL-MG), Fernanda Melchionna (PSOL-RS).
Já em outubro, a Secretaria Nacional de Mulheres do PT e a Secretaria Estadual de Mulheres de Minas Gerais manifestaram solidariedade e apoio às deputadas estaduais de Minas Gerais, que vêm sofrendo constantes ataques e provocações no exercício de seus mandatos, muitas vezes cometidas no interior da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), por deputados da extrema direita; quatro deputadas estaduais andam com escolta policial.
A dor de enfrentar a violência política de gênero e raça sozinha
Sampaio conta que as ações de violência de gênero e racial cometidas pelos demais vereadores da Câmara Municipal de Cuiabá a fizeram se sentir como se estivesse sendo combatida. Para ela, “os adversários políticos deixaram de ser adversários políticos e passaram a ser inimigos ferozes. Com toda a sua ferocidade, tentando nos destruir, não apenas da perspectiva da narrativa política, mas também enquanto corpo, enquanto saúde mental, enquanto família, enquanto direito à identidade, direito à reputação, direito à honra.”
“Ter sido vítima de forma tão ostensiva, e com todo o aparato midiático e institucional, com os colegas de Casa determinados a praticar essa violência como se fosse legítima e legal, a fim de combater o mal, e o mal para eles estava personificado na figura de uma mulher preta de esquerda, é muito triste e muito impactante sobre a nossa percepção da realidade. Fiquei abalada com tudo isso, porque me senti como uma escrava, fujona, da senzala, do cativeiro, que foi caçada impiedosa e implacavelmente pelo pelos senhores, através dos seus jagunços, através dos seus capitães do mato”, relata.
De acordo com a vereadora, boa parte do apoio veio dos demais colegas que integram o mandato coletivo: “É muito importante que a gente tenha pessoas ao nosso redor que possam nos fortalecer, que possam nos amparar porque, obviamente, uma situação como essa, faz com que a gente tenha medo. É um enfrentamento publicamente solitário, mas que é importante que a gente tenha aliados, dos afetos nossos, pessoas importantes na construção!”, exclama.
“Não dá pra uma pessoa preta, para uma mulher preta, especialmente, e para as mulheres em geral, fazer política sozinhas. Nós precisamos ter amparo da coletividade, por isso, o que me reforçou ainda mais a ideia do acerto nosso de fazer mandato coletivo, ou seja, mandato construído a muitas mãos, mandato onde as pessoas estão no entorno dessa construção, estão dentro dessa construção e sustentam politicamente a nossa atuação. Sem isso, não sei se eu teria suportado”, entrega.
“O racismo é algo terrível, que nos desumaniza, que nos leva como se a gente não tivesse muita força a questionar sobre quem somos e nos colocarmos naquela velha questão da impostora e a gente começa a duvidar: será que eu sou isso mesmo que estão dizendo? Será que eles estão certos a meu respeito? Será que eu sou uma farsa? Eu acho que essa síndrome da impostora que acomete as mulheres negras, tão violentadas desde cedo, pela condição que nós temos nessa sociedade tão racista, ela é algo que nos desafia muito num momento como esse. É preciso de amparo para as mulheres nos parlamentos, é preciso que a gente tenha condições de sobreviver a tudo isso”, revela.
Ampliar a visibilidade e o apoio para as candidaturas negras
Provocada a deixar um recado para as mulheres que queiram participar da política, Sampaio afirma: “Participe. É muito importante, porque, enquanto formos tão poucas, enquanto tiver, por exemplo, num parlamento como o daqui de Cuiabá, com 25 cadeiras e apenas uma mulher negra e de esquerda, nós estaremos sujeitas a essas violências todas. É preciso que o parlamento seja mais diverso porque hoje não há diversidade, não há representatividade”, lamenta.
“Nós temos uma crise gigantesca na política, uma crise de representatividade, que a maioria do povo não se vê nesses espaços, e não se vê justamente por conta dos bloqueios que são feitos pelo racismo estrutural que impede as pessoas pretas de ascensão social, de progressão, de prosperidade, que lhes permita desenvolver uma atividade muito exigente em todos os tipos de recursos, que é a atividade política.”
Ela lembra que os negros são a base da política, do voto e são quem sustenta todo o sistema político brasileiro, obviamente, “porque somos a maioria, mas somos completamente invisibilizados quando a questão é ocupar efetivamente esses espaços com poder de decisão, com poder de participação, com o poder de colocar a sua visão sobre a sociedade, sobre o mundo, sobre as políticas públicas. Então, não dá pra nós mulheres participarmos da política enquanto indivíduos. Nós precisamos, antes, construir uma coletividade que dialogue sobre essa importância de construir um papel, uma função política que sustente esse mandato.”
Da Redação do Elas por Elas, com informações do Jusbrasil e Assessoria da vereadora