Os debates do segundo dia do “Seminário Nacional Política Nacional de Cuidados: caminhos para a garantia da autonomia econômica das mulheres”, realizado pelo Ministério das Mulheres, com apoio da Universidade de Brasília (UnB), abordou temas como trabalho reprodutivo, cotidiano das mulheres e desafios para uma política nacional de cuidados. Para saber como foi o primeiro dia, clique aqui.
A primeira mesa “O Trabalho reprodutivo: impacto e significados na vida das mulheres”, teve moderação de Luana Simões Pinheiro, diretora de Economia de Cuidado do MDS e participação de Maria Betânia D’Avila, socióloga, doutora em Sociologia, e Letícia Péret, servidora pública, pesquisadora mestra em Sociologia.
D’Avila abordou o ponto de vista da relação e da dimensão simbólica e ideológica do trabalho doméstico como um atributo das mulheres. Para ela, a cultura patriarcal e capitalista naturalizou como exclusivo às mulheres o trabalho de cuidado: “Por que produzir coisas tem mais valor do que produzir gente? Estamos numa sociedade patriarcal, capitalista e racista, onde as coisas valem o lucro e a acumulação. Estamos em um momento, inclusive, do mundo, não só do Brasil, onde as vidas contam cada vez menos.”
Ela defende que, com a ascensão do fundamentalismo religioso e de outros setores do conservadorismo, essa dimensão simbólica e ideológica ganhou força: “Nós estamos vindo de seis anos de fundamentalismo e de discursos patriarcais terríveis, tenebrosos e o centro desses últimos seis anos era justamente uma ‘renaturalização’ das mulheres e das suas funções naturais de dona-de-casa, como centro da família e sustentadora da família como cuidadoras”, explicou.
“E aí o cuidado também é retomado como atributo natural. Estamos, neste momento, numa luta de reestruturação de direitos sociais, de políticas públicas, justamente no campo dos cuidados e da reprodução social. Defendo, inclusive, que a gente precisa começar a falar não do trabalho das mulheres, mas do trabalho realizado pelas mulheres”, observou D’Avila.
“Eu queria destacar uma questão que eu acho que é de fundamental importância debater o tempo do cuidado. Porque o tempo do capitalismo é uma fonte de lucro e acumulação. A ‘capturação’ do tempo das pessoas é a base e o núcleo da acumulação dessa sociedade que a gente vive Capitalista”, finalizou.
Péret iniciou sua fala abordou os números apresentados pelo IBGE na Síntese de Indicadores Sociais 2023, que revelou que mais de 2,5 milhões de mulheres não trabalharam e nem estudaram em 2022 para cuidar de parentes ou de tarefas domésticas. O número, segundo ela, de mulheres que cuidam de outras pessoas é muito maior, tendo em vista que o recorte apresentado pelo órgão foi apenas o das mulheres jovens.
Sob a ótica das mulheres que são mães e buscam oportunidades de inserção no mercado de trabalho, a painelista afirmou que as mulheres que precisam cuidar de um filho em idade pré-escolar tinham 52,2% menos chance de estarem no mercado de trabalho do que aquelas sem filhos, e as mulheres com dois ou mais filhos, apresentavam 73,% menos chances. E uma vez no mercado de trabalho, elas vivenciam maiores chances de trabalho precário, de jornada parcial e de trabalho autônomo.
Outro ponto apresentado por Péret foi o conceito de ‘circuitos de cuidado’, defendido pela pesquisadora Nadya Guimarães, que recorre à categoria de ‘circuitos’ para pensar as relações sociais e suas interfaces de cuidado como obrigação, ajuda e profissão. “Se pretendemos repensar a maneira como as responsabilidades pelo cuidado têm sido distribuídas e como incidem sobre a vida de uns e outros, é fundamental que analisemos os vínculos que se estabelecem para sua realização e suas complexidades – daí podemos avançar também na compreensão dessa sobrecarga e dos efeitos do trabalho de cuidados sobre a vida das mulheres.”
Painel da tarde
“Demandas por Cuidado: Desafios na Elaboração de uma Política Nacional” foi a última mesa do evento, com moderação de Analine Almeida, Chefe de Gabinete (Senaec/MMulheres). Vilênia Venâncio, assessora da Secretaria de Mulheres da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, revelou que o trabalho de cuidado é uma demanda antiga da Marcha das Margaridas, e que foi apresentada na ação deste ano. Para ela, um dos maiores desafios que envolve a construção da Política Nacional de Cuidados é garantir a intersetorialidade da política.
Ela parabenizou o governo Lula e o Ministério das Mulheres por criar espaços institucionais que fomentem o debate com foco na construção e consolidação de uma política temática: “Estarmos aqui discutindo cuidado expressa avanços na pauta. Isso é uma novidade no país.”
Assim como a representante da Contag, Karla Hora, doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR, mestra em Geografia pela UFG e atualmente professora na UFG, que destacou o ineditismo da iniciativa do MMulheres em tocar a pauta de cuidado: “Esta é uma agenda inovadora. Acho que o Ministério está desafiando a sociedade civil e a gente fica muito, muito, muito feliz e agradecida. Nós, do outro lado, aqui da sociedade, estamos juntas com vocês e ficamos muito felizes em auxiliar nesta construção, já que foram seis anos de desconstrução de políticas para mulheres.”
Já Luiza Batista, coordenadora nacional da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, apontou que a luta das trabalhadoras domésticas é anterior à CLT e que isso evidencia como a categoria foi desde sempre invisibilizada, e os direitos conquistados hoje não são respeitados pelos empregadores.
Por fim, Givânia Maria da Silva, educadora quilombola, doutora em Sociologia pela UNB, foi vereadora por dois mandatos e é uma das fundadoras da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, reforçou o cuidado possui sentidos diferentes, que devem ser considerados: “O cuidado deve possuir um olhar plural, para que a gente pense esse cuidado de formas variadas e não pareça único. Eu acho que essa é a grande questão. É a forma do cuidado com essas mulheres do ponto de vista das mulheres quilombolas, por exemplo.”
Encerramento
“A gente está no processo de recondução de todas as políticas públicas do nosso país. A gente viveu um período de seis anos de desconstrução das políticas públicas em todas as áreas, mas, em especial, na área de política para as mulheres, uma ausência total do Estado. Estamos avançando e propondo novos desafios”, revelou Rosane Silva, secretária Nacional de Autonomia Econômica do Ministério das Mulheres, ao encerrar a atividade.
Segundo ela, o presidente Lula, ao apresentar para a sociedade duas Secretarias exclusivas para tratar do tema do cuidado, deixa claro que este é um tema central para o governo: “E, sim, nós queremos, em maio do ano que vem, entregar uma política necessária para sociedade brasileira, em particular para mulheres, sobre o tema do trabalho de cuidado”, concluiu.
Da Redação do Elas por Elas