Não são poucas as razões para que Lula seja comumente comparado a Nelson Mandela. À margem das particularidades na trajetória de cada um, é notório como tanto o brasileiro quanto o sul-africano conseguiram fazer da política um campo fértil para o diálogo.
Enquanto o ícone do apartheid apaziguava os ânimos e conseguia a adesão do mundo todo à sua luta, por aqui Lula fazia história ao conciliar crescimento econômico (em todas as camadas) com justiça social. Tudo isso com enorme apreço para o diálogo constante com quem quer que seja.
Mas vivemos tempos de extrema obscuridade e intolerância e aceitar opiniões distintas parece uma saga inatingível diante da falta de incentivo ao debate público e do domínio do discurso de ódio alimentado por setores conservadores da nossa grande e miscigenada população.
Não há outro caminho, no entanto, para a construção de uma nova era de crescimento no Brasil se não houver diálogo. Parece óbvio. Só parece. Porque no mais singelo contraponto as máscaras caem e cada um volta para a própria bolha sem ao menos tentar ouvir o que o interlocutor tinha a dizer – mesmo que não saiba o que está dizendo.
Diante disso, chega a ser espantosa a iniciativa dos integrantes da Caravana do Semiárido de sair às ruas para tentar dialogar com pessoas que jamais viram ou sequer pensam como eles. Em Brasília, espalhados pela enorme e movimentada Rodoviária do Plano Piloto, dezenas de militantes assumiram a ingrata missão de tentar convencer o povo de que algo está fora da ordem por aqui – ou a volta da miséria extrema é algo corriqueiro a ponto de não servir de tema para as nossas conversas cotidianas?
Mesmo que muitos deles tenham sido esnobados, ridicularizados e até ameaçados (uma senhora retirou um jornal-denúncia das mãos de uma das militantes e o rasgou com violência), nenhum deles desistiu. E em pouco tempo o que se via era uma porção de rodas de conversa, pessoas em busca de novas informações, a construção prática e eficaz do que chamamos de diálogo.
Prestes a chegar ao seu final, a Caravana tem de ser o exemplo de como é possível construir frentes de debate em praça pública. O trabalho é duro, os desaforos estão sempre à espreita, mas não há solução mais prática e eficaz. Lula e Mandela sabiam disso e alteraram o rumo da história.
Sobre a caravana
O Brasil deixou o Mapa da Fome da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) apenas em 2014, mas com as políticas nefastas de Temer, já corre o risco de retornar para esse inglório patamar.
Diante desse cenário, organizações, redes e movimentos sociais do campo popular e democrático do Semiárido vão cruzar o país para chamar a atenção da sociedade e dos agentes públicos do Estado sobre os riscos da volta da fome e ao mesmo anunciar os avanços e conquistas que milhares de famílias tiveram a partir do acesso à água, ao crédito, a assistência técnica nos últimos anos.
O projeto está percorrendo mais de 4.300 quilômetros do sertão de Pernambuco até a capital federal. O comboio começou no dia 27 de julho, em Caetés (PE), com paradas estratégicas em Feira de Santana (BA), Guararema (SP), Curitiba (PR) até o destino final Brasília (DF), no dia 07 de agosto, onde a caravana pretende denunciar ao Supremo Tribunal Federal (STF) a situação de fome que atinge o país.
Por Henrique Nunes, enviado especial à Caravana do Semiárido contra a Fome, para a Agência PT de notícias