O Brasil passa por uma significativa inflexão histórica que ilumina as escolhas nacionais em direção ao seu horizonte de futuro. O disparo da mudança de época nacional transcorreu com os sinais crescentes de esgotamento do projeto de modernidade ocidental liderado pelos Estados Unidos ao longo do século 20.
A leitura precipitada de parte da elite brasileira a respeito da mudança de época ocorreu na virada dos anos 1980 para 1990, quando o desmoronamento da União Soviética e o fim da Guerra Fria (1947-1991) embalaram a versão neoliberal-conservadora do novo século americano. Isso porque a ausência no mundo de oposição aos Estados Unidos permitiria impor o unilateralismo na governança da globalização propagada pela hipótese do fim da história de Francis Fukuyama (O fim da história e o último homem, 1989).
No passado recente, a experiência do desenvolvimento esteve fortemente conectada às oportunidades abertas por disputas dos EUA com a URSS e suas consequências ao Terceiro Mundo. Sem mais os confrontos da Guerra Fria, o mundo teria um novo salto expansionista comandado pelos EUA, assim como teria acontecido durante os trinta anos gloriosos do capitalismo no segundo pós-guerra mundial como decorrência da destruição nazifascista.
Em função disso, a aposta da elite dirigente confirmada pela vitória eleitoral de Collor de Melo (1990-1992) na eleição presidencial de 1989 foi a da colagem do futuro do Brasil aos rumos definidos pelos Estados Unidos. Guardada a devida proporção, foi uma aposta equivocada tanto quanto a realizada pela elite argentina que continuou a colar o futuro da nação aos rumos da Inglaterra em plena Depressão de 1929.
Destaca-se que a Argentina do início do século 20 se destacou pela raridade democrática e grande riqueza, que inspirava o ditado popular francês de ser “riche comme un argentin”. Com a decadência inglesa, a Argentina perdeu o rumo.
Algo equivalente tem acontecido com o Brasil ao continuar a seguir o projeto de modernidade Ocidental orientado pelo decadente Estados Unidos. Ao trocar o seu sistema produtivo, complexo e integrado, pela especialização produtiva voltada à reprimarização das exportações, decresceu o seu peso relativo no mundo e passou a conviver com a estagnação secular.
Assim como teria ocorrido com a Independência nacional na década de 1820, o agronegócio da época rapidamente redirecionou o comércio externo do decadente império lusitano para a potência inglesa. Um século depois, o comércio externo brasileiro havia novamente se deslocado para os Estados Unidos, antecipando-se ao declínio britânico.
Neste primeiro quarto do século 21, ocorre algo idêntico no comércio externo do Brasil. Em plena onda do deslocamento do centro dinâmico do Ocidente para o Oriente, o país substituiu os Estados Unidos pela liderança da China nas transações comerciais, conforme ressaltado por André Gunder Frank (Reoriente: a economia global na era asiática, 1998).
No mesmo sentido e sob a emergência do Sul Global, o Brasil pode ter a oportunidade negada durante a integração ao projeto de modernidade Ocidental de enfrentar o subdesenvolvimento em bases sustentáveis no tempo e no espaço. Isso requer, no entanto, superar a mentalidade neocolonial atrelada à defesa do ideário de modernidade do Norte Global.
Uma chacoalhada no pensamento social crítico nacional implicaria repensar o Brasil a partir da nova época que se abre diante da abertura do desenvolvimento em torno da Era Digital que transcorre mediada pelo deslocamento da centralidade dinâmica mundial para a Ásia. Do contrário, persistirá a mesmice empobrecida do debate político e da superficialidade das alternativas nacionais, quase sempre emolduradas pelo horizonte de expectativas canceladoras do futuro comum.
Marcio Pochmann é economista, professor e presidente do Instituto Lula
Publicado originalmente no site Outras Palavras