Gilney Viana: “O tsunami da juventude”
“Bolsonaro está sob forte pressão dos grupos hegemônicos da classe dominante sob a tutela da burguesia financeira que exige a aprovação da Reforma”
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A tendência dominante da conjuntura política nacional desde a vitória do capitão Bolsonaro para presidente da República em 2018 tem sido determinada pela ofensiva visando desconstituir o Estado enquanto agente do desenvolvimento nacional, promotor de direitos sociais e protetor do meio ambiente; alinhar o Brasil à política global dos Estados Unidos; combater direitos humanos e direitos identitários duramente conquistados; e desmoralizar as ideias, forças políticas e sociais que a ele se opõem identificando-as como responsáveis pela crise econômica, beneficiárias da corrupção e do clientelismo, e até mesmo defensoras do comunismo.
A ofensiva foi tão avassaladora que calou as divergências internas das forças econômicas, sociais e políticas que sustentam o governo e seu projeto ultraneoliberal e conservador e tão agressiva que acuou as forças sociais e políticas opositoras. A correlação de forças não mudou, nem houve reversão estratégica, mas a ofensiva perdeu potência porque o exercício do governo expôs as diferenças entre as forças da sua base social e política e, no outro polo, as forças sociais atingidas e as forças políticas opositoras se moveram.
Os sinais mais evidentes das dificuldades do governo são as investigações do Ministério Público sobre as atividades financeiras do senador Bolsonaro, que o próprio presidente chamou a sí; a disputa interna entre facções bolsonaristas que parece não ter fim; e as dificuldades de operação da maioria parlamentar, com a perigosa rearticulação do Centrão, força parlamentar principal para o impedimento da presidente Dilma.
Bolsonaro está sob forte pressão dos grupos hegemônicos da classe dominante sob a tutela da burguesia financeira que exige a aprovação da Reforma da Previdência, o ajuste fiscal e a continuidade das restrições aos direitos dos trabalhadores e que se incomoda com a dispersão de forças da estratégia bolsonariana de atacar em todas as frentes. Nesta mesma toada está a Rede Globo, importante agente do golpe parlamentar-judiciário-midiático de 2016, quando exerce o poder de fustigar o governo em sua pauta não econômica. Monitora o governo, critica, orienta e alternativamente apoia as articulações com o presidente da Câmara dos Deputados, como fizeram no primeiro ano do governo Temer, para aprovar a Reforma da Previdência.
O divisor de águas, contudo, está no binômio: opinião pública e manifestação popular. Sobre a opinião pública, valho-me das pesquisas de opinião. A única série de pesquisas sucessivas é a do IPESPE contratado pela XP, que mostra estabilização do bom/ótimo entre abril e maio (35%) e uma elevação do ruim/péssimo (de 26 para 31%), sendo 31% também para regular. Acendeu a luz amarela. Na batalha internética os bolsonaristas já encontram contraposição à altura nas redes sociais.
O terreno mais importante dessa luta são as ruas. Desde a posse de Bolsonaro, ocorreram manifestações setoriais, segmentadas e pouco massivas, sendo a mais representativa a do dia 1º de maio em São Paulo. A manifestação do dia 15 de maio, contudo, foi a mais abrangente, consistente e contundente manifestação de oposição social ao governo Bolsonaro. Convocada pelos sindicatos dos professores das redes publicas estaduais, foi reformatada com a adesão de estudantes e professores de universidades e escolas de segundo grau publicas e particulares.
Massiva, atingiram um milhão de manifestantes. Abrangente, somou centenas de cidades, grandes, médias e até pequenas. Consistente, não se limitou às redes sociais, as mobilizações partiram de dentro das universidades, institutos federais, e escolas públicas, quase todas aprovadas em assembleias. Contundente, porque não obstante tenha contado com as presenças de lideranças sindicais e políticas, manteve o foco na crítica ao corte de verbas e ao desmonte do ensino público. Surpreendente, conseguiu uma cobertura não desfavorável da Rede Globo e provocou editoriais críticos ao governo, na grande imprensa.
Bolsonaro piscou com a ameaça do Centrão de não aprovar a PEC da reforma administrativa; tremeu com as investigações do Ministério Público sobre as transações financeiras do seu filho, o Senador Bolsonaro; mas não teve sensibilidade para prever nem condições de barrar o tsunami da juventude que lhe impôs a sua maior derrota.
Gilney Viana é membro do núcleo do PT na UNB
ATENÇÃO: ideias e opiniões emitidas nos artigos da Tribuna de Debates do PT são de exclusiva responsabilidade dos autores, não representando oficialmente a visão do Partido dos Trabalhadores