Presa sem provas, Preta Ferreira questiona: “Onde está a Justiça?”
Em entrevista exclusiva, liderança do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC) afirma que sua prisão injusta é uma tentativa de criminalizar a luta por moradia
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“Eu fui presa por combater a injustiça. Isso sempre esteve em minhas veias. Agora bato de frente com ela diariamente”. É assim que Preta Ferreira, como é conhecida Jacine Ferreira da Silva, uma das lideranças do movimento por moradia em São Paulo, define o que sente após mais de 70 dias de prisão.
Detida na Penitenciária Feminina de Santana, ela é acusada de extorsão e associação criminosa por supostamente coagir moradores a pagarem taxas nas ocupações do centro da cidade de São Paulo. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, ela conta que foi chamada a prestar um depoimento e não voltou mais para casa.
A denúncia que baseia a investigação foi feita a partir de uma carta anônima e é um desdobramento da apuração do incêndio no edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandú, em 1º de maio de 2018. Com a coordenadora do MSTC, outras três lideranças também foram detidas. Treze, no total, tiveram prisão decretada.
Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Preta Ferreira defende sua inocência e denuncia a ausência de provas. “Eu pergunto aos governantes, a quem me colocou aqui: Cadê as provas? Qual foi a extorsão que eu pratiquei? É uma prisão política. A sociedade está vendo o que está acontecendo”.
A militante explica que existe um acordo entre os moradores da ocupação para que todos contribuam mensalmente com R$ 200,00 para a manutenção dos prédios. É esse pacto – tratado pelos investigadores como “extorsão” – que garante, por exemplo, a segurança e a limpeza do local, evitando que tragédias como a do Largo do Paissandú se repitam.
Em agosto, Carmen Ferreira, liderança do MSTC e mãe de Preta, foi absolvida por unanimidade pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) com acusações semelhantes às que recaem sobre a filha.
Na opinião da jovem militante, que também é publicitária e produtora cultural, o objetivo desse processo é criminalizar os movimentos populares: “A nossa detenção e essa perseguição toda ao movimento de moradia faz parte de uma ameaça, faz parte de um plano para acabar com os movimentos de moradia. Prendem as lideranças, amedrontam quem não tem moradia, e aí acaba”.
Durante a entrevista, ela também fala sobre seu cotidiano na Penitenciária, onde estão outras 2.056 mil presas. “Assim como eu, inocente, estou aqui presa, existem outras mulheres, em sua grande maioria negras, presas injustamente. Jogaram a gente em um navio negreiro”, compara.
Sobre a campanha que os movimentos populares fazem por sua liberdade, Preta reforça que a luta não se resume a ela. “Não é só ‘Preta Livre’. São ‘Pretas Livres’”.
A entrevista foi concedida na tarde do dia 4 de setembro, quando completaram-se 72 dias de prisão. Confira destaques da entrevista:
Brasil de Fato: Como você começou a se envolver com a luta do movimento de moradia aqui em São Paulo?
Preta Ferreira: Meu histórico com o movimento de moradia é de infância, quando minha mãe, uma retirante, veio de Salvador [Bahia] fugida de violência doméstica do meu pai. Ela deixa seus filhos para trás e vem pra São Paulo em busca de uma vida melhor – e até mesmo para garantir sua sobrevivência.
Ela passa a dormir na rua, depois em albergues, e então conhece o movimento de moradia. Depois de alguns anos, ela retorna para Salvador para buscar seus filhos. Eu vim nessa leva. Passamos a morar em uma ocupação, que hoje se chama Ocupação 9 de julho, em meados dos anos 1990.
Aí começa minha história no movimento social, onde eu aprendi que tenho direitos, onde aprendi que não nasci apenas para ser uma mulher negra para ter o “resto”, como o 1% da população que detém a riqueza o país me ofereceu. Foi no movimento de moradia que eu aprendi a lutar, que aprendi que, além de ter deveres que devem ser cumpridos, tenho direitos constitucionais.
BdF: Quais são as questões do processo em que você é acusada de extorsão?
Preta: A verdade é que essa prisão é totalmente irregular. Eu fui convidada a depor na delegacia, não tinha nenhuma prisão decretada. Fui convidada a depor no dia 24 de junho, e estou presa até hoje. E eu pergunto para os governantes, para quem me colocou aqui: Cadê as provas? Qual foi a extorsão que eu pratiquei? Já sabemos muito bem que não estou presa por extorsão. Não pratiquei nenhum crime. Isso é mentira e eles sabem disso.
Estamos vivendo em um momento do país em que todos sabem que a perseguição política existe. A minha prisão é uma prisão política. Eu não estou só afirmando, a sociedade está vendo o que está acontecendo. A minha prisão e a prisão dos demais [militantes de movimentos de moradia] são prisões políticas. Não existe nenhuma prova contra a gente.
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Por Brasil de Fato