Focos de incêndio em terras indígenas aumentaram 88% em 2019
Entre janeiro e agosto, aumento dos focos de incêndio em terras indígenas supera crescimento em nível nacional
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Entre janeiro e agosto deste ano houve um aumento de 88% em focos de incêndio nas terras indígenas do Brasil, se comparado com o mesmo período de 2018. O aumento de focos de calor em terras indígenas, levantado a partir de dados do Instituto de Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), é ainda maior que o crescimento total de focos de calor registrados no país, que nesse mesmo período subiu 71%.
Foram registrados, entre janeiro e agosto de 2019, 9078 focos de incêndio em 274 terras indígenas. No mesmo período de 2018, os focos de calor registrados em terras indígenas chegaram a 4827. Além do aumento no número total de focos, o número de terras afetadas também aumentou, passando de 231 terras indígenas, em 2018, para 274, em 2019 – um aumento de 18,6%.
Só neste mês de agosto de 2019, foram 4754 focos de incêndio em terras indígenas – 52,4% do identificado em todo o ano até aqui. A comparação com o mesmo mês de 2018 é ainda mais assustadora: em agosto daquele ano, foram 2036 focos de incêndio em terras indígenas – ou seja, houve um aumento de 133,5% nos focos deste mês de um ano para o outro.
As análises foram realizadas a partir dos dados registrados pelo satélite Aqua/Tarde, da Nasa, cujas medições são a referência utilizado pelo Programa Queimadas, do INPE.
Enquanto os registros de focos de incêndio por satélites aumentam, diversos povos indígenas mobilizam-se para combater, muitas vezes sem ajuda do poder público, as queimadas em seus territórios.
Lideranças da Terra Indígena Krahô Kanela, localizada no município de Lagoa da Confusão (TO), relatam que cerca de 40% do seu território foi consumido pela queimada. A situação agravou-se nas últimas semanas: 31 focos foram registrados na terra indígena, apenas entre os dias 1º e 9 de setembro.
“Ainda não acabou. Uma situação muito triste, destruição e animais mortos”
“Combatemos 22 km de fogo, que chegou a 2 km da aldeia. Ainda não acabou. Uma situação muito triste, destruição e animais mortos”, diz Wagner Krahô Kanela. Brigadas Javaé, Karajá e Xerente se dirigiram à Terra Indígena para ajudar no combate às chamas, que agora está a 12 km da aldeia.
A TI Krahô Kanela fica próxima às TIs Inawebohona e Utaria Wyhyna/Iròdu Iràna, que registraram em 2019, respectivamente, 215 e 89 focos de incêndio até o final do mês de agosto. Ambas, também no Tocantins, são sobrepostas pelo Parque Nacional do Araguaia, unidade de conservação gerida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Os incêndios no interior destas terras afeta a Mata do Mamão, local de perambulação de indígenas em situação de isolamento voluntário. “Aqui temos as brigadas treinadas, mas esses parentes não têm nada”, preocupa-se a liderança Krahô Kanela.
A Mata do Mamão estende-se até a TI Parque do Araguaia, também no Tocantins, território que registrou o maior número de queimadas ano de 2019: foram 1256 focos de incêndio registrados. É mais que o dobro do número de focos identificados na segunda terra mais afetada por incêndios até agosto, a TI Kadiwéu, no Mato Grosso do Sul, na qual o satélite da Nasa registrou 613 focos.
No Mato Grosso, na região dos municípios de Brasnorte e Juara, as queimadas também afetaram as terras indígenas Myky, Kayabi e Manoki. Nestes territórios, o satélite de referência do INPE registrou, respectivamente, 7, 19 e 29 focos de incêndio de janeiro a agosto.
“Todos os dias os Myky vão para lá (lugares do fogo) controlar, mas não dão conta. Esse foco fica a uns 17 km da aldeia, entre duas fazendas, mas na área reivindicada está bem sério. O fogo vem e vai”, explica a missionária Elizabeth Amarante Rondon, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O Ibama, a pedido da Funai, enviou brigadistas e o incêndio finalmente foi controlado.
No mês de agosto, o aumento de queimadas na Amazônia colocou o Brasil no centro do debate mundial. Em documento divulgado durante a Cúpula do G7, na França, diversas organizações da sociedade civil afirmam que os discursos públicos do presidente Jair Bolsonaro emitem um “claro sinal de impunidade para a prática de crimes ambientais”, ao passo que o “aparelhamento” e o “desmonte sistemático e deliberado da capacidade operacional” dos órgãos de fiscalização contribui para a intensificação da crise.
O sociólogo e integrante da coordenação do Movimento Nacional de Fé e Política, Pedro A. Ribeiro de Oliveira, aponta que a questão climática afeta a Amazônia e os demais biomas, mas a crise das queimadas é resultado, sobretudo, de uma política deliberada.
“O capitalismo está em crise, se transformando em capital financeiro para valorizar o capital, se apropriando dos bens comuns para transformá-los em mercadoria. E aí a Amazônia e demais biomas são uma mina de bens comuns. Então a ambição do capital hoje é transformar esses bens, água, biodiversidade, madeira, terras, em bens que se compra e vende no mercado”, explica.
Na sua avaliação, é uma estratégia de curto prazo do capitalismo e “uma estratégia desesperada, mas ele precisa disso e não vê a médio e longo prazo os danos que vai causar. Conta ainda com a cumplicidade do governo brasileiro e das Forças Armadas brasileiras, que acham que isso não é internacionalizar a Amazônia”. No entanto, o sociólogo considera que, para o grande capital, seria melhor um plano de médio prazo para a derrubada gradual da Amazônia, a privatização dos biomas.
“Ninguém permitiria um desmatamento legal da Amazônia. A pressão contrária seria enorme. O capitalismo recorre à doutrina do choque: vamos fazer um desastre e todo mundo vai ter que aceitar as soluções. Vamos trazer os capitais para dar um jeito nisso. É uma crueldade muito grande com os povos indígenas, com as populações que vivem da floresta e com a própria natureza. Não quero nem pensar o que isso significa para os povos indígenas isolados”, encerra.
Por Conselho Indigenista Missionário