Por intermédio do pai de Mauro Cid, Bolsonaro recebeu dinheiro de jóias, diz PF

Polícia fez buscas nos endereços do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e de seu pai, o general Mauro Lourena Cid. PF vê esquema “ligado ao eixo de uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens”

Divulgação

Envolvidos até o pescoço: general Mauro Lourena teria atuado para tanto vender as joias nos EUA como para ajudar a recomprá-las quando o TCU ordenou que Bolsonaro as devolvesse

A Polícia Federal divulgou hoje (11) relatório que mostra que foi parar nas mãos de Jair Bolsonaro o dinheiro da venda de jóias doadas por países ao Estado brasileiro durante o seu governo.

A PF fez buscas na manhã desta sexta-feira (11) nos endereços do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente coronel Mauro Cid e do seu pai general Mauro Lourena Cid; do advogado Frederick Wassef e do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Osmar Crivelatti, em operação que investiga esquema de desvio e venda, no exterior, das joias e outros bens de valor, obtidos em viagens oficiais de Bolsonaro.

A PF concluiu que todo o esquema “está diretamente ligado ao eixo de uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens” e apontou que os auxiliares do ex-presidente e ele próprio usaram voos presidenciais para levar as jóias para os Estados Unidos, com faturamento em torno de R$ 1 milhão.

As investigações revelaram que o general Mauro Lourena teria atuado para vender as joias nos Estados Unidos como também para ajudar a recomprá-las quando o Tribunal de Contas da União (TCU) ordenou que o ex-presidente as devolvesse, conforme publicado pela colunista Malu Gaspar, do jornal O Globo. Mensagens, e-mails e recibos encontrados pela PF mostram que o Rolex de diamantes já tinha sido vendido e estava exposto em uma joalheria em Miami quando o TCU deu cinco dias para que Bolsonaro devolvesse as joias.

“Uma dessas jóias era o Rolex de platina cravejado de diamantes recebido de presente em viagem oficial e que Mauro Cid havia cotado por US$ 60 mil dólares (aproximadamente R$ 300 mil). Até agora, o que se sabia era que Cid havia enviado emails para joalherias tentando vender o relógio, mas não se tinha a informação de que ele já tinha sido vendido”, divulgou a jornalista do Globo ao detalhar que a tarefa de recompra do Rolex, depois da ordem do TCU, coube ao advogado da família Bolsonaro, Fred Wasseff.

“Quem trouxe a peça ao Brasil foi o general Lorenna Cid, que era pai do coronel Mauro Cid e foi chefe da agência de fomento ao comércio exterior (Apex) até o último dia da gestão Bolsonaro. Ele morava em Miami. Dada a urgência em reaver o relógio, o grupo teve que recomprá-lo por um valor maior do que o que tinha recebido pela venda, meses antes. Os valores do negócio ainda não são conhecidos”, concluiu a jornalista.

O relatório da PF mostra também que Marcela Magalhães Braga, auxiliar da ex-primeira dama Michelle Bolsonaro, trocou mensagens com o tenente Mauro Cid no final de dezembro de 2022 para tratar do envio de uma “mala específica que deveria ter como destino a casa de seu pai, o general de reserva Mauro César Lourena Cid na cidade de Miami”, segundo a PF.

Nos primeiros dias de 2023, o relatório aponta troca de mensagens de whatsapp entre o general Cid e seu filho, combinando como o general faria para pegar a mala com um emissário. Eles trocaram mensagens com imagens das jóias, uma árvore e um barco dourados, além de indicação de lojas que fariam a avaliação das peças.

Numa das fotos da embalagem das peças, uma caixa grande de material translúcido, é possível ver o reflexo do rosto do general Cid fotografando a embalagem.

O relatório traz uma imagem de Bolsonaro recebendo a árvore dourada em 16 de novembro de 2021, no encerramento de um seminário no Reino do Bahrein.

Dinheiro da venda na conta pessoal dos investigados

“Os investigados são suspeitos de utilizar a estrutura do Estado brasileiro para desviar bens de alto valor patrimonial, entregues por autoridades estrangeiras em missões oficiais a representantes do Estado brasileiro, por meio da venda desses itens no exterior”, disse a PF em nota. O órgão informou também que os valores obtidos da comercialização desses objetos teriam sido convertidos em dinheiro vivo e “ingressaram no patrimônio pessoal dos investigados, por meio de pessoas interpostas e sem utilizar o sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos valores”.

O ministro da Justiça, Flávio Dino, comentou em suas redes sociais que é essencial investigar quando há indícios de ilegalidade. “Há muitos estudos que mostram que compra e venda de joias é um caminho clássico de corrupção e lavagem de dinheiro. Muitos veem como um crime ‘seguro’, que ficará escondido para sempre”.

O deputado federal Rogério Correia (PT-MG) também se manifestou. “Como tenho dito, na CPMI estamos investigando a tentativa de golpe e junto vem a corrupção dos golpistas. E já chegamos nos militares e no próprio Bolsonaro. Corrupção e golpe andaram juntos” escreveu em seu Twitter ao repostar matéria sobre as buscas da PF contra militares.

Os envolvidos são investigados por crimes de peculato e lavagem de dinheiro na ação da PF realizada em Brasília, Niteroi e são Paulo, autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito do inquérito das milícias digitais. A operação recebeu o nome de Lucas 12:12, versículo da Bíblia que diz que “não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido”.

Várias tentativas de driblar a fiscalização

Vários pacotes de joias foram dados ao ex-presidente Bolsonaro segundo o jornal Correio Braziliense. Em outubro de 2021, a comitiva do governo Bolsonaro tentou trazer ilegalmente presentes dados por sauditas. “Na ocasião, os bens não foram declarados pela comitiva liderada pelo então ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque e a caixa de presentes, estimada em R$ 1 milhão, passou pela alfândega”.

O jornal divulgou que um segundo pacote de joias foi retido pela Receita Federal e que no dia 26 de outubro, durante fiscalização de passageiros em Guarulhos vindos da Arábia Saudita, agentes encontraram na bagagem de Marcos André dos Santos Soeiro, assessor de Bento Albuquerque, uma escultura de um cavalo com cerca de 30 centímetros, dourada, com as patas quebradas. Dentro da peça estavam os estojos com as joias e o certificado de autenticidade da empresa suíça Chopard.

“Este segundo conjunto foi estimado em cerca de R$ 16,5 milhões e seriam, supostamente, presentes para a então primeira-dama Michelle Bolsonaro. Após a repercussão do caso, Michelle negou ter conhecimento das joias”, publicou o jornal.

Quem são os investigados

O general Mauro Lourena Cid foi colega de Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) nos anos 1970, dirigiu o Departamento de Educação e Cultura do Exército e em 2019 passou à reserva para assumir a chefia da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) em Miami durante o governo do ex-presidente. Ele deixou o cargo no início de 2023.

Seu filho Mauro Cid, tenente coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, foi preso em maio em operação que apura fraude em dados de vacinação contra Covid-19. Em seu celular a PF encontrou mensagens e documentos que mostraram não só a fraude nos cartões como várias mensagens de teor golpista trocadas com pessoas próximas a Bolsonaro, como Jean Lawand, sub-chefe do Estado Maior do Exército; Mauro Franco, ex-assessor da casa Civil e ex-número 2 do Ministério da Saúde, e Ailton Barros, amigo do ex-presidente. Um documento chamado “Forças Armadas como Poder Moderador”, que descreve passo a passo como um golpe poderia ser dado caso Bolsonaro perdesse as eleições, também foi achado no celular de Mauro Cid.

A PF encontrou US$ 35 mil em espécie em sua casa e ele então passou a ser investigado por lavagem de dinheiro. Cid também figura em inquéritos que apuram violação de sigilo funcional, incitação ao crime e por suspeita de tentar liberar joias sauditas do ex-presidente que não foram declaradas a Receita Federal. Documentos enviados à CPI do 8 de Janeiro mostraram que ele tentou vender por US$ 60 mil (cerca de R$ 292 mil) um relógio da marca Rolex recebido por Bolsonaro em viagem oficial à Arábia Saudita em 30 de outubro de 2019 durante almoço oferecido pelo rei da Arábia Saudita à comitiva brasileira.

Ex-advogado e amigo da família Bolsonaro, de quem recebeu o apelido de “Anjo”, Frederick Wassef é suspeito de comercializar, nos Estados Unidos, joias e presentes dados ao ex-presidente por governos estrangeiros em viagens oficiais, tendo recebido valores em sua conta bancária, segundo a colunista do portal G1, Andrea Sadi. Em 2020 Wassef abrigou em casa ninguém menos que Fabrício José Carlos de Queiroz, ex-chefe de gabinete do senador Flávio Bolsonaro e pivô do escândalo das “rachadinhas”. Considerado um dos conselheiros mais influentes do ex-presidente em assuntos jurídicos família Bolsonaro, Wassef foi um frequentador assíduo do Palácio do Planalto e tido como um “ministro informal” ou “ministro sem pasta”, conforme matéria publicada no site da BBC Brasil. No STF, Wassef também representou Bolsonaro no caso das agressões à deputada Maria do Rosário. Ele perdeu a ação e foi obrigado a pagar indenização de R$ 10 mil por danos morais.

O segundo tenente e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro Osmar Crivelatti foi nomeado para o cargo dia 26 de dezembro de 2022 e seguiu assessorando o ex-presidente. Segundo o portal Metrópoles, as obrigações de Crivelatti eram “cuidar das joias sauditas presenteadas a Jair Bolsonaro, monitorar os compromissos oficiais do presidente Lula e ser o braço-direito de Mauro Cid”. Em depoimento à PF o coronel da reserva do Exército Marcelo da Costa Câmara, assessor de confiança do ex-presidente, disse que escalou Crivelatti para auxiliá-lo na tarefa de cuidar do acervo, após o término do mandato de Bolsonaro, na Fazenda Piquet. Segundo informações do jornal O Globo, em 6 de junho de 2022, foi Crivelatti quem assinou a retirada do relógio Rolex doado pelo rei da Arábia Saudita a Bolsonaro e que teria sido negociado por Mauro Cid.

Da Redação

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