Cassi Coutinho: “Não há democracia com desigualdade social e racial”
Historiadora, e integrante da Secretaria Nacional de Combate ao Racismo do PT, falou ao Café PT desta quarta-feira (11) sobre cotas, desafios educacionais e a estética como resistência política
Publicado em
O Café PT desta quarta-feira (11) recebeu a doutora em História e integrante da Secretaria Nacional de Combate ao Racismo do PT, Cassi Coutinho, que trouxe reflexões sobre a realidade brasileira e o impacto das políticas afirmativas e da estética negra no enfrentamento ao racismo estrutural.
Para a historiadora, avanços importantes foram alcançados, mas ainda há desafios significativos pela frente. “Não há democracia com desigualdade social e racial”, pontuou.
Coutinho compartilhou sua experiência direta com a implementação das cotas raciais no ensino superior. Ainda como estudante de História na Universidade Federal da Bahia (UFBA), ela teve a oportunidade de participar do Projeto Permanência, iniciativa voltada à assistência de estudantes cotistas. O programa não apenas garantia bolsas de apoio financeiro, mas também oferecia reforço acadêmico em áreas fundamentais como português, inglês e matemática.
“A gente sabe que hoje não é apenas entrar na universidade; é preciso também criar condições para que esses estudantes permaneçam nela”, explicou.
Ela destacou as dificuldades enfrentadas por estudantes negros, especialmente aqueles vindos de famílias de baixa renda, que muitas vezes precisam conciliar trabalho, estudo e cuidado com a família. Para Cassi, a permanência na universidade envolve custos que vão além das taxas de matrícula: deslocamento, alimentação, material didático e participação em eventos acadêmicos também pesam no orçamento.
Leia mais: Ministra Anielle Franco destaca ações afirmativas de igualdade racial no Café PT
“A universidade é um investimento, mas sem suporte financeiro, muitos acabam desistindo”, reforçou.
Mesmo com os desafios, a historiadora destacou os avanços alcançados desde a implementação das cotas. Segundo ela, hoje é possível encontrar pessoas negras em carreiras antes inacessíveis, como medicina, direito e engenharias.
“A presença dessas pessoas em profissões consideradas mais nobres reflete o impacto positivo das políticas afirmativas”, afirmou.
Ampliação para concursos públicos
Cassi Coutinho também celebrou a recente ampliação da Lei de Cotas, que agora reserva 30% das vagas em concursos públicos para negros, pardos, indígenas e quilombolas. Para ela, essa medida é essencial para diversificar os espaços de poder no Brasil.
“Ter pessoas negras e de outros grupos sub-representados nesses espaços ajuda a pensar soluções que atendam às necessidades dessas populações”, pontuou.
Ela destacou que, mesmo parecendo uma porcentagem pequena, os 30% representam um grande passo para enfrentar o racismo estrutural e promover a inclusão.
Reforçou, ainda, a importância de pensar além da simples presença dessas pessoas nesses espaços. “Não é apenas estar lá; é também ser agente de mudança. Precisamos de profissionais negros que pensem e implementem políticas que beneficiem suas comunidades”, completou.
Leia mais: Com maior divulgação, Disque 100 registra aumento de denúncias de racismo e injúria racial
Educação e racismo estrutural
A educação também foi tema central na entrevista. Coutinho destacou a dificuldade de implementar a Lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas. Apesar de vigente há 20 anos, a lei ainda enfrenta resistências e falta de fiscalização.
“Sem professores comprometidos e uma cobrança efetiva, a lei não sai do papel”, lamentou.
Ela apontou que o racismo estrutural muitas vezes se perpetua dentro das próprias escolas, seja através de conteúdos eurocêntricos ou da reprodução de preconceitos por parte de professores e alunos.
Cassi Coutinho citou o recente tema da redação do ENEM — “Os desafios para a valorização da herança africana no Brasil” — como um passo importante para pressionar escolas a abordarem o tema durante todo o ano letivo.
A Estética negra como ato político
Uma das pesquisas da historiadora foca na estética dos cabelos crespos e nas transformações dos padrões de beleza. Ela analisou movimentos como o Black is Beautiful e o impacto do visual black power nos anos 1960 e 1970.
Leia mais: Vanessa Machado detalha Programa de Ações Afirmativas do Ministério da Igualdade Racial
Para ela, o mercado de beleza começou a enxergar o potencial econômico da população negra nos anos 2000, mas essa mudança também foi impulsionada por movimentos sociais que pressionaram por maior representatividade.
“Ver pessoas negras na mídia, com seus traços naturais, tem um impacto direto na autoestima da população. A representação importa porque ajuda a desconstruir padrões racistas”, afirmou. No entanto, ela destacou que o preconceito contra cabelos crespos e outras características ainda é comum. “Ainda somos questionados pela nossa estética, mas resistir através dela também é um ato político”, observou.
Moda e identidade
Além de historiadora, Courinho também é empreendedora e criadora de bolsas autorais. Suas peças valorizam a cultura negra e baiana, com referências a figuras como Lélia Gonzalez e Beatriz Nascimento. “É uma forma de levar a história dessas mulheres para o dia a dia das pessoas”, explicou.
Ela acredita que a moda pode ser uma ferramenta poderosa para iniciar conversas e promover reflexões. “Cada bolsa conta uma história e carrega um pouco da identidade negra, que é tão rica e diversificada”, disse.
Luta antirracista
Cassi Coutinho finalizou a entrevista reforçando que o combate ao racismo não pode ser limitado ao mês de novembro.
“Essa é uma luta diária, e precisamos dialogar com toda a sociedade para que as transformações realmente aconteçam”, afirmou. Ela destacou o compromisso do governo Lula em fortalecer as políticas de combate à desigualdade racial e social.
Da Redação