Sergio Viula: “Cura gay”
“Cura gay”: O que essas pretensas “terapias” fazem é promover o ódio a si mesmo Apesar do aparente “sucesso” do casamento, eu me consumia internamente Meu nome é Sergio Viula, carioca,…
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“Cura gay”: O que essas pretensas “terapias” fazem é promover o ódio a si mesmo
Apesar do aparente “sucesso” do casamento, eu me consumia internamente
Meu nome é Sergio Viula, carioca, 46 anos, professor, divorciado depois de 14 anos de casado e pai de dois filhos, graduado em teologia pelo Seminário Teológico Betel, instituição que atua na formação de pastores, missionários e outros ministros evangélicos há décadas, em filosofia pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e mestrando em letras (linguística) nesta mesma instituição.
Como é do conhecimento de muitos, participei ativamente de um grupo de “cura” para homossexuais – o MOSES (Movimento pela Sexualidade Sadia), iniciado por João Luiz Santolin, Liane França e eu, em 1997, quando fizemos nossa primeira abordagem com material produzido pelo MOSES durante a Parada LGBT de Copacabana. O objetivo dessa organização era transformar homossexuais em heterossexuais ou convencê-los a viver no “celibato”. A aparência era de que havia muita psicologia envolvida nisso tudo, quando – na verdade – o que se fazia era revestir dogmas religiosos produtores de culpa, medo e outras neuroses com linguagem psicologizada.
Alguns auto-designados “psicólogos cristãos” pretendem forçar esses dogmas religiosos sobre a ciência da psicologia humana e manipular pessoas confusas ou perseguidas por causa de sua orientação sexual ou identidade de gênero. Uma das pessoas mais atuantes nesse sentido é a Dra. Rozangela Justino, psicóloga a quem conheci nos tempos em que frequentava o Seminário Teológico Betel, no bairro do Rocha, Rio de Janeiro. Dra. Rozangela Justino costumava dar palestras em seminários sobre “homossexualismo” (sic) promovidos pelo MOSES e pregar em cultos que se realizavam na Igreja Batista da Esperança, na Av. Visconde de Inhaúma, 37 – Centro do Rio de Janeiro. A mensagem era sempre a mesma: “homossexualismo” (sic) é pecado, é perversão do plano de Deus para a sexualidade humana e pode ser transformada. Aí entrava um híbrido de linguagem psicológica e conteúdo cristão. Infelizmente, muita gente levava mais a sério o trabalho do MOSES por causa dos “psicólogos cristãos” envolvidos. A Igreja Batista da Esperança mudou de pastor e este cancelou esse tipo de evento naquelas paragens. Depois que foi disciplinada pelo Conselho Federal de Psicologia, a Dra. Justino se afastou do cenário público, mas a Dra. Marisa Lobo parece ter decidido preencher essa lacuna. Com esta senhora, nunca travei qualquer contato pessoal, mas já vi muitos absurdos publicados via Twitter, Facebook e de seu blog pessoal.
Ao mesmo tempo em que fui um dos fundadores deste grupo, eu era – antes de qualquer coisa – uma vítima dessa mentalidade imposta por pregações homofóbicas sobre pecado e condenação que a psicologia não corrobora, mas que é defendida com unhas e dentes por esses chamados “psicólogos cristãos” – o que me custou muito sofrimento pessoal. Acreditando que fosse minha obrigação seguir as orientações dos pregadores e desses “profissionais”, acabei me casando com uma moça da igreja, com quem vivi por 14 anos, tendo gerado uma filha (agora, maior de idade) e um filho (que se tornará maior de idade esse ano). Apesar do aparente “sucesso” do casamento, eu me consumia internamente por não assumir minha orientação sexual e viver de acordo com a mesma. E foi assim que eu passei 18 anos na igreja, sendo que seis desses anos foram dedicados ao MOSES, cuja primeira atividade foi realizada por mim e mais duas pessoas – ainda em caráter oficioso – na Praia de Copacabana, durante a Parada do Orgulho LGBT de 1997, e se tratava de proselitismo, com distribuição de panfletos apresentando a organização. Meu envolvimento com o MOSES foi de 1997 até 2003. O site UOL publicou uma entrevista comigo que pode ser útil para uma visão mais ampla sobre esse tema da suposta “cura gay” e dos ditos “ex-gays”.
Durante todo o meu tempo de igreja, eu ouvi pregadores difamando minha orientação sexual, minha afetividade, minha sexualidade, mas foi durante esses seis anos trabalhando com o MOSES que meu sofrimento atingiu o ápice. Foram horas de aconselhamento, oração, leitura de material religioso (com linguagem “psicologizada”) a respeito do que eles insistem em chamar de “homossexualismo”, participação em congressos, seminários, cruzadas até mesmo durante eventos LGBT, etc.
Depois de 14 anos casado com a mãe dos meus filhos, cheguei à conclusão de que não adiantava mais lutar contra mim mesmo. O ódio que nutri contra minha sexualidade era fruto do que ouvi desde cedo por parte de pessoas mal resolvidas ou envenenadas por pensamentos homofóbicos. Decidi, então, ser eu mesmo e ser feliz. Mais do que aceitar minha orientação sexual, eu cheguei à conclusão de que devia celebrar a vida amando, crescendo, produzindo e me realizando de acordo com minha sexualidade e minha identidade. Decidi conversar com minha então esposa, com pastores que eram colegas de ministério, com as lideranças do MOSES e de outras organizações com as quais trabalhava. Foi um momento doloroso, porque todos queriam que eu recuasse em minha decisão de assumir o controle da minha vida, mas para mim foi minha libertação. Posso dizer que também foi a libertação de minha ex-esposa que finalmente poderia refazer sua vida ao lado que alguém com quem ela pudesse ser feliz sem aquilo que os fundamentalistas insistem em chamar de pecado e que agora também querem chamar de doença, com a conivência da lei.
Felizmente, graças à minha tenacidade e vontade de superar tudo isso, consegui refazer minha vida, mas não sem um custo emocional e financeiro altíssimo. Meus pais se reaproximaram. Meus filhos sempre me apoiaram. Conversamos francamente sobre tudo isso desde que ela tinha 12 e ele quase isso – cada um no seu tempo. Meu filho tem agora 20 anos e minha filha 23.
Ter ficado livre do controle mental exercido por esses “fiscais da sexualidade alheia” abriu-me inúmeras portas existenciais onde antes eu só via paredes. Falo sobre tudo isso com muito mais profundidade no meu livro “Em Busca de Mim Mesmo”, que é um relato biográfico para além do meramente pessoal. É um livro que nasce da vontade de dizer que ninguém precisa submeter-se a esse tipo de sofrimento existencial por ser gay, lésbica, bissexual ou transexual. Afinal, equilíbrio emocional sem amor próprio não existe. E o que essas pretensas “terapias” fazem é promover o ódio a si mesmo.
Por isso, considero extremamente danoso que o Deputado Federal Marcos Feliciano queira associar uma das mais importantes Casas Legislativas do Brasil a essa falácia de “terapias ex-gays”. E disso dão testemunho diversas outras organizações que encerraram suas atividades recentemente por considerarem inúteis e danosos tais procedimentos.
Cito duas grandes organizações internacionais das quais muitos desses movimentos no Brasil importaram ideias: Exodus International e Love in Action, ambas nos EUA. Interessante que ambas tenham sido encerradas alguns anos depois que eu fiz minha primeira denúncia pública sobre o engodo e os danos que tais organizações promovem com as chamadas “terapias ex-gays” ou “cura gay.
Sergio Viula é teólogo, filósofo, autor e blogueiro