Campanha publicitária provoca reações homofóbicas
Comercial de “O Boticário” com casais homossexuais será julgado pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) por acusações de “desrespeito à sociedade e à família”
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Uma simples campanha publicitária de trinta segundos da marca de perfumes “O Boticário” tem causado tamanha polêmica que o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) anunciou, na terça-feira (2), que vai abri um processo para julgar a peça. A justificativa seriam as mais de 20 reclamações recebidas pelo órgão nos últimos dias.
O referido comercial mostra casais heterossexuais e homossexuais demonstrando afeto e carinho ao trocar presentes em comemoração pelo Dia dos Namorados.
Segundo o Conar, as reclamações afirmam que a peça é um desrespeito à sociedade e à família. A página da empresa no Facebook recebeu todo tipo de manifestação, de mensagens de apoio a repúdio, com agressividade contra os criadores da campanha e a empresa.
Até a tarde desta quarta-feira (3), 293.593 pessoas tinham aprovado a campanha no Youtube, número maior que o de pessoas que a condenam, 171.529.
Para a deputada federal e membro da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias da Câmara (CDHM), Erika Kokay (PT-DF), é preciso desconstruir o ódio diante de expressões de afeto, carinho e amor. “Toda expressão de amor e de carinho deve ser homenageada e brindada em nossa sociedade”, ressalta.
A deputada lamenta que o parlamento brasileiro seja o primeiro a promover o preconceito e a intolerância, com a apresentações de propostas que, segundo ela, “são escárnios contra tudo o que já foi construído de direitos sociais”.
Kokay se refere a projetos como o PL 6583/13, o qual limita a definição de família como organização social formada pela união de homem, uma mulher e seus filhos; ou o Projeto de Decreto Legislativo 234/11, do deputado João Campos (PSDB-GO), que propunha a “cura gay”; ou ainda a tentativa de criação do Dia do Orgulho Hetero. “Como se alguém neste país heteronormativo fosse discriminado por ser heterossexual”, repudia.
“Propostas referendadas e encaminhadas pelo presidente desta casa. São todas tentativas de conter a evolução da história dos direitos. O fundamentalismo que existe hoje na Câmara alimenta reações de ódio”, ressalta.
De acordo com a petista, de alguma forma a sociedade vai se expressar, senão pelo poder Legislativo, será por outros instrumentos do Estado, porque está de acordo com o que é fundamental para construção de uma sociedade harmoniosa, igualitária e de cultura da paz.
Segundo a representante da Coordenação de Diversidade da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, Janaína Barbosa de Oliveira, o Brasil vive, por parte de alguns segmentos sociais, um processo de “ditadura fundamentalista e conservadora”, que fomenta o preconceito contra o segmento LGBT.
“É um público que diz no seu dia a dia pregar o amor ao próximo, mas sua prática é de estímulo ao preconceito e de violência. Porque, quando você diz que as relações homoafetivas são relações do demônio, estimula-se ódio contra a população trans”, avalia.
Janaína Oliveira ressalta o crescimento de um movimento de intolerância às diferenças, promovido, principalmente, por “figuras como (Silas) Malafaia e companhia”. Segundo ela, o conservadorismo do Congresso contrasta com os avanços promovidos, tanto pelo Executivo quanto pelo Judiciário.
“Hoje há políticas públicas que permitem as pessoas denunciarem a discriminação e a violência, como o Disque 100, o Humaniza Redes, o Sistema Nacional LGBT, comitês de saúde integral para a população LGBT. Também o MEC tem realizado programas de inclusão por meio do debate e orientação e a prefeitura de São Paulo tem casa de acolhimento e bolsa de estudos para trans que queiram estudar e sair da prostituição”, enumera.
De acordo com o diretor do grupo Estruturação LGBT de Brasília, Michel Platini, alguns fundamentalistas se prendem a questões pequenas, enquanto “tanta gente no mundo morre de fome ou guerra”.
Para Platini, a campanha de “O Boticário” é o retrato da sociedade. “Os casais homoafetivos comemoram o Dia dos Namorados, compram presentes. Os fundamentalistas tentam negar isso porque eles não querem perder um poder perpetuado nas mãos deles durante muito tempo. O mundo em que eles vivem não é o real”, contesta.
Por Guilherme Ferreira, da Agência PT de Notícias