A. C. Scartezini: Rara lição da ditadura
A PEC da Bengala se sobrepôs a uma rara lição de democracia que a ditadura militar nos legou. Ao assumir o poder, o marechal Castelo Branco providenciou uma reforma nas…
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A PEC da Bengala se sobrepôs a uma rara lição de democracia que a ditadura militar nos legou. Ao assumir o poder, o marechal Castelo Branco providenciou uma reforma nas Forças Armadas que criou a chamada expulsória: a partir dos 70 anos, os militares passam à reserva automaticamente.
Além da idade, duas providências abreviaram a carreira de generais: nenhum oficial podia ser general por mais de 12 anos; e cada um dos três graus do generalato devia renovar anualmente um quarto de seu quadro. A exclusão compulsória sobrava para os mais velhos. Os coronéis deviam permanecer na patente por pelo menos sete anos, mas não mais do que nove.
A ideia era castrar o amadurecimento de lideranças internas entre militares que pudessem comandar um novo golpe. A aposentadoria compulsória aos 70 não permite a formação nos quartéis de líderes com carisma para articular outra intervenção no poder civil. A falta dessas lideranças é a maior garantia de que não haverá outro golpe, apesar do atual apelo de civis e militares pela volta da força armada diante da crise moral nas extensões de poder da República.
Quem me chamou a atenção para a inviabilidade da ressurreição golpista foi o general Médici, há 35 anos. Ele demonstrou que o golpe de 1964 começou a ser armado a partir de agosto de 1961, com a renúncia de Jânio. Naquele tempo, os militares possuíam lideranças internas, como a do próprio Castelo, que estava na ativa como general.
Conspiração que não se iniciou do zero, pois se lastreava na herança da estrutura conspiratória que vicejou nos quartéis nos anos 50.
Mesmo assim, militares, sempre em aliança com políticos civis, precisaram de três anos para desfechar o golpe de 1964, ainda que com certos contornos de precipitação provocada pelo que consideravam radicalização ou provocação da esquerda no governo João Goulart.
Na contramão, a PEC da Bengala congela quadros nos tribunais de um poder cuja reputação inclui desconfiança quanto à eficiência de seus serviços, mais manipulação política. Observou o jurista Joaquim Falcão que a emenda “cria casta longeva dentro dos tribunais”, que jorra pelo mapa do país numa cascata que inclui quadros inferiores, como os de desembargadores.
Publicidade – A própria PEC da Bengala se impulsionou como surto de autodefesa dos presidentes do Senado e da Câmara, Renan Calheiros e Eduardo Campos. Ambos às voltas com processos no Supremo Tribunal Federal por suspeita de desvio de dinheiro público. O que eles pretendem com isso? Pode ser a oferta de um agrado a juízes, com a suposição, pouco elegante, de que a maioria gostaria de apegar-se ao poder atual. Também pode ser uma desforra no Planalto.
Mas é duvidosa a presunção de que a emenda ofende a presidente Dilma porque a priva do preenchimento de novas vagas no Supremo, além daquela que já estava aberta. O Planalto não conseguiria montar um novo quadro de ministros mais confiável do que este que aí está, inclusive pela resistência que se alastra ao poder da presidente. Alastra-se, mas sem risco de golpe militar.
(Artigo originalmente publicado no jornal “O Globo“, na edição de 22 de maio de 2015)
A. C. Scartezini é jornalista