A urgência política pede uma transição do ‘o ajuste fiscal’ ao ‘não é um fim em si mesmo’
A Globo diz-se contra o Impeachment e o governo vai se reunir com o “PIB” em busca de apoio. Isso é importante. Mas, muito mais importante é fortalecer a rede…
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A Globo diz-se contra o Impeachment e o governo vai se reunir com o “PIB” em busca de apoio. Isso é importante. Mas, muito mais importante é fortalecer a rede alternativa de comunicação e pactuar o apoio de quem produz o PIB: os trabalhadores. E não só contra o Impeachment, mas para uma agenda de governo para os três anos e quatro meses pela frente. No quadro político atual, a verdadeira solução não é um passo de cada vez e sim um espetáculo de balé.
Como é amplamente sabido, nosso país passa por sua maior instabilidade institucional desde 1964, com o governo mais impopular desde a redemocratização.
O PT pode ter cometido erros, mas a crise atual tem seu vetor nas escolhas do governo. E é neste nível que precisa ser resolvida, inclusive por que os impasses partidários tem origem na blindagem do governo. Os governos Lula fizeram ajustes maiores do que este, mas não “venderam” à sociedade que estava se fazendo ajuste e, tampouco, descuidou-se de anunciar medidas à base do projeto. A presidenta não é nenhuma “traidora” ao fazer ajuste, mas sua gestão errou na política.
Para além das consequências simbólicas do ajuste fiscal, como ter focado seu anúncio na revisão de critérios para o seguro-desemprego e defeso, e pensão, a situação chegou neste ponto pelos problemas da articulação política – melhorada em muito com a ida do vice-presidente Michel Temer para sua chefia – pela passividade jurídico-midiática da gestão em relação aos abusos da Operação Lava-Jato e não por causa da direção partidária, que atendeu a todos os clamores por solidariedade ao governo, pagando, inclusive, um preço político. E tem responsabilidade subsidiária quem dirigiu a articulação política, quem pode fazer o contraponto jurídico-midiático e quem tem a tarefa de se relacionar com a sociedade civil e seus movimentos.
A bem da verdade, depois da eleição, setores importantes da gestão não entenderam que o desafio era recuperar o setor da classe C que votou em Aécio Neves com medo do futuro. Agindo nesta direção, poderíamos recolocar o tradicional 54% a 46% do Brasil desde 2002 até 2014. A mensagem foi péssima e jogou o setor da classe C que permaneceu com a presidenta Dilma na reeleição no colo da oposição.
O desenrolar dos acontecimentos serviu de base pra Lava-Jato perder as estribeiras. Foi a partir deste ponto que se perdeu o pacto com o Congresso, emergiu Eduardo Cunha e sua agenda, as marchas dos não-eleitores da presidenta, a contaminação dos setores populares pelo anti-petismo e rejeição ao governo. Neste caso, menos pela “corrupção” e mais pela consolidação do medo do futuro relativo ao emprego, salário, inflação e estabilidade social.
A direita se assanhou e passou a pagar para ver. A população mais pobre, que seria a base de sustentação do governo, não se encoraja a defendê-lo, assim como os movimentos sociais estão obrigados, pela estranha agenda econômica, a disputar contra ele, embora seja indubitável sua solidariedade à democracia e à presidenta.
Travessia: “Quem me navega é o mar” ou “sou eu que me navego”?
Não dá para esperar o ajuste dar resultados, é fundamental renovar um pacto político e social. A oposição tem três objetivos: prender o ex-presidente Lula, derrubar o governo Dilma e cassar o registro do PT. A cada passo que consegue dar com pouca resistência a cada um destes objetivos acumula forças para alcançar os três e devolver o Brasil à cena pré-Constituinte: a não existência de uma força política popular independente, de massas, capaz de ganhar eleições e governar em democracia.
Este prato está sendo temperado com a votação das contas da presidenta Dilma no Tribunal de Contas da União, a consequente votação destas contas na Câmara dos Deputados, a votação das contas da candidata Dilma no Tribunal Superior Eleitoral e as manifestações pró-Impeachment, agora endossadas publicamente pelo PSDB, no dia 16 de agosto. Todos estes elementos estarão juntos em meados de agosto e visarão construir um clima para o eventual surgimento de um “fato” que justifique o Impeachment. Ou se faz uma virada de mesa agora ou o tempo político será perdido de uma vez por todas e até o Reino Mineral sabe que a dúvida que segura o ímpeto golpista é somente o dia seguinte ao Impeachment em termos políticos e econômicos.
Por isso, não é possível crer que a assertiva pela qual precisamos reagir com firmeza e abnegação para evitar um golpe de Estado signifique um golpe contra a direção atual do partido, eleita diretamente por centenas de milhares de filiados, substituindo ela por um colegiado de catões. Isso equivale a aceitar um governo de “união nacional” sem a presidenta Dilma.
É necessário, sim, iniciar a transição do “o ajuste fiscal” ao “não é um fim em si mesmo” e dar coesão aos eleitores da presidenta, especialmente para fortalecer o PT, sua direção e o petismo . Isso seria uma prova de sensatez política e de sensibilidade histórica ímpar para a concertação do pacto social para caminhar até 2018. O próprio programa de governo não lançado em 2014, produto de uma grande escuta de líderes sociais, gestores, partidos da base e intelectuais, serve de insumo para isso. O V Congresso do PT também deu uma luz: ao propor como nova estratégia partidária a transição das políticas públicas às reformas de base, transitar das “caixinhas” administrativas para um sistema democrático de planejamento, a partir de uma ampla frente social a ser enraizada em locais de estudo, trabalho e moradia,abrindo a oportunidade do governo juntar a estratégia de participação social com a do partido.
Um bom começo poderia ser ir além de plataformas digitais para consulta e reeditar os avanços do primeiro governo em matéria de escuta social, que juntou as conferências nacionais dispersas com instrumentos de gestão, e chamar a coluna vertebral do petismo social, o sindicalismo, além de outros movimentos estratégicos como o MST ou o MTST, que representam os produtores do PIB brasileiro, para formular os termos desta cooperação estratégica até 2018, no bojo da convergência do ciclo do PPA com o das conferências nacionais, onde esta agenda poderia ser legitimada e aperfeiçoada num processo de massas e por dentro das expressões das escolhas estratégicas de governo. Combinar isso entre atores de governo com o PT seria um passo mais eficiente do que simplesmente propor “A renúncia da atual direção”.
Lula lá (na Casa Civil)!
Contudo, há uma maneira ainda mais eficiente de começar esta virada: a nomeação do ex-presidente Lula na Casa Civil do governo.
Isso sinalizaria ao PT e sua base militante confiança nos rumos do governo, o mesmo em relação aos movimentos sociais. Para o Congresso, seria uma prova inconteste de acordo político e ambiente de governabilidade, somando-se com alta agregação de valor à acertada decisão de tornar o vice-presidente Michel Temer chefe da articulação política. Lula e Temer, as estrelas maiores do PT e do PMDB, significariam, juntas na condução política, a recomposição plena. Para os próprios mercados nacionais e internacionais, a mensagem seria de confiança muito superior à presença de um ministro da Fazenda advindo das lides do sistema financeiro.
Lula é a própria expressão da “era de ouro” do Brasil diante do mundo. Para o povo em geral, seria o retorno do melhor fiador que o governo pode ter e que com 7,7% de popularidade demanda. Só que a gravidade da crise exige não mais o apoio por declarações, mas dentro da gestão e do núcleo político.
A presidenta Dilma ficaria, com isso, liberada para se dedicar à gestão estratégica e às políticas públicas de seu governo, para o ativismo para a atração de mais investimento no Brasil que facilitariam o desfecho positivo do ajuste, como fez com o presidente Obama, no fórum dos BRICS ou em sua passagem pela Itália. Sua imagem seria fortalecida com este extraordinário reforço, simbolizando inequivocamente a parceria entre ambos.
Já para a direita e a oposição, seria um balde de água fria. Primeiro porque decantaria a distopia de encarcerar Lula. Segundo, porque toda esta recomposição citada acima seria instantânea pela simples ousadia do anúncio e sua profundidade simbólica. Seria o ponto de fervura para as forças nacionais, democráticas e populares, em sentido amplo, retomarem a ofensiva e a coesão.
A guerra pela continuidade do projeto mudaria de pólo e o cronograma “recuperação gradual de popularidade, depois da credibilidade, depois da força político-eleitoral” poderia ser cumprido com uma tacada só.
Este é o caminho da esperança.
Leopoldo Vieira foi Secretário Nacional Adjunto de Juventude do PT, coordenador do Monitoramento Participativo do PPA 2012-2015 e do programa de governo sobre desenvolvimento regional da campanha à reeleição da presidenta Dilma Rousseff