Alessandro Molon: Pressa de retroceder
‘Legislar é fazer experiências com o destino humano’, escreveu em 1953 o jurista alemão Hermann Jahrreiss. Em poucas palavras, sintetizou a enorme responsabilidade que carrega o legislador. A cada proposta…
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‘Legislar é fazer experiências com o destino humano’, escreveu em 1953 o jurista alemão Hermann Jahrreiss. Em poucas palavras, sintetizou a enorme responsabilidade que carrega o legislador. A cada proposta apresentada, a cada parecer analisado, a cada voto, o Congresso lida com o destino de 200 milhões de brasileiros.
Tamanha responsabilidade pede, evidentemente, uma dedicação especial, um mergulho profundo e atento às minúcias dos projetos que tramitam no Legislativo. Para se chegar às respostas certas nessas análises, perguntas elementares precisam ser feitas, tais como qual problema se pretende solucionar com a proposta em debate? A medida vai atacar a causa do problema, ou apenas suas consequências? Quais efeitos, diretos e indiretos, tal decisão pode provocar? Quais são os dados que sustentam a proposta? São confiáveis esses dados? Isso, é claro, se quem conduz o processo estiver preocupado em resolver os problemas, e não em fazer uma espécie de ilusionismo legislativo.
No entanto, nem sequer este cuidado mínimo tem sido tomado na Câmara dos Deputados. Do latim “congressus”, o Congresso deveria ser um espaço para o encontro, para caminhar junto, para dar passos — adiante, espera- se. E, como indica a raiz de parlamentar, para falar e discutir. O ritmo impresso pela presidência da Câmara às deliberações, no entanto, atropela os passos necessários à produção de boas leis. Travestida de produtividade e eficiência, a pressa tem levado a resultados desastrosos, como mostram textos aprovados recentemente: “reforma” política, redução da maioridade penal, liberação das terceirizações, entre outros.
Não bastasse tudo isso, o presidente da Câmara dos Deputados vem adotando uma outra prática extremamente preocupante. Trata- se do hábito de conduzir os trabalhos da Casa de forma a garantir que as votações sempre produzam o resultado que ele deseja. Se isto não ocorrer na primeira tentativa, interrompem- se os trabalhos e, surpreendentemente, da noite para o dia, o resultado se inverte. Para isto, passa- se por cima de qualquer regra de processo legislativo, seja ela constitucional ou regimental. O que importa é aprovar o que o presidente da Câmara quer.
Assim, na Casa do povo o próprio princípio democrático vai sendo atingido, uma vez que nem as regras do jogo são mais respeitadas. A democracia é o regime em que vale a vontade da maioria, mas a esta se deve chegar observando-se o devido processo legislativo. Atropelar minorias pode parecer bom para quem, eventualmente, é maioria. Não se enganem, no entanto, aqueles que hoje julgam ser beneficiados por este esquema: amanhã serão suas vítimas.
Como se vê, a Câmara está sim se movendo em ritmo acelerado, mas para trás, e atropelando quem estiver no caminho. Com uma agenda de retrocessos, debatida sem profundidade e sem a devida prudência, o presidente da Câmara coloca em risco conquistas civilizatórias da nação brasileira e passa por cima dos direitos da minoria que ousar discordar. Quem perde com isso não é quem sai derrotado das votações, mas o povo brasileiro e sua democracia.
Vítor Nunes Leal, ex- ministro do STF, asseverou: “Tal é o poder da lei que sua elaboração reclama precauções severíssimas. Quem faz a lei, é como se estivesse acondicionando materiais explosivos. As consequências da imprevisão e da imperícia não serão tão espetaculares, e quase sempre só de modo indireto atingirão o manipulador, mas podem causar danos irreparáveis”. Diferentemente de uma linha de produção, em que a quantidade é uma meta fundamental, numa Casa de leis há que se cuidar da qualidade do que é produzido, bem como da forma com que se produz tal resultado. Mais juízo e mais respeito à democracia.
(Artigo inicialmente publicado no jornal “O Globo”, no dia 21 de julho de 2015)
Alessandro Molon é deputado federal pelo PT do Rio de Janeiro