Artigo: 8 de janeiro, um dia para jamais esquecer, por Marcelo Uchôa

Três Poderes se reunirão novamente, dessa vez não para vasculhar os escombros, mas para renovar o valor da democracia e lembrar a importância de se defendê-la diariamente, escreve Uchôa

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Em 8 de janeiro de 2023, terroristas bolsonaristas atacaram as sedes dos 3 Poderes, em Brasília

Era um dia de domingo. Brasileiras e brasileiros mal acabavam de almoçar quando as primeiras imagens de televisão passaram a exibir uma multidão saída de um acampamento estabelecido há meses à frente de um quartel do Exército em Brasília, caminhando de maneira organizada, em fila, à Praça dos Três Poderes, sob as vistas indiferentes, uns diriam sob escolta, da polícia militar do Distrito Federal. O desfecho todos, boquiabertos, veríamos minutos depois: gradis de proteção às favas, vidraças estilhaçadas, invasão às sedes dos Três Poderes.

Dali viriam destruição de mobiliários, acervos saqueados, armários e gavetas arrombadas, fezes e urina espalhadas em salas e corredores. Pilhagem inimaginável do patrimônio público apresentada em redes sociais por vídeos exibidos pelos próprios protagonistas do absurdo.

No Senado, um bandido vangloriava-se de apropriar-se da cadeira do Presidente. Na Praça dos Três Poderes, poltronas dos ministros do STF eram arremessadas como bolas de basquetebol. Uns tantos criminosos suplicavam para que uma réplica original da Constituição de 5 de outubro de 1988 fosse queimada diante da turba enfurecida. Um carro da polícia era atirado no fosso d’água, um agente e um equino da cavalaria eram esbofeteados. Cenário perfeito para que as Forças Armadas viessem às ruas e emplacassem um golpe de Estado. Mas não funcionou: as instituições nacionais agiram com rapidez e derrotaram a conjuração.

A milhares de quilômetros dali o presidente da República recém-empossado, que se solidarizava com uma região devastada por uma forte enchente, determinava ao Ministério da Justiça, à Advocacia Geral da União e à Polícia Federal as ordens necessárias para conter a pilhagem. Sob intervenção federal a PM distrital fez-se ver. A multidão é contida. Milhares de delinquentes são identificados. Horas depois, mais de mil seriam encaminhados à prisão improvisada.

Ainda na noite do dia 8, autoridades dos Três Poderes, sob a liderança do Presidente da República, reuniam-se e atravessavam a Praça antes desonrada para observar o prejuízo e dar um recado claro e unânime ao país e ao mundo de que a democracia brasileira não caducara, que os implicados na ação seriam processados e incriminados. Não haveria clemência com ninguém que ousara pôr em risco a existência dos Poderes e do regime democrático conquistado a duras penas após duas décadas de uma ditadura sanguinária.

Um ano após é possível dizer que as promessas vêm sendo cumpridas. Um governador inicialmente preso foi solto sob condições, certos próceres da omissão dolosa seguem encarceradas, assim como cabeças da ação. Já se sabe com clareza que a operação foi pensada e premeditada. Armas da GSI foram roubadas, granadas deixadas no Congresso Nacional. As primeiras acusações formais por associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado já foram ajuizadas e algumas até julgadas, convertidas em condenações. Investigações seguem para encontrar os recrutadores e financiadores. Que sejam identificados e responsabilizados. Civis e militares. Um dos tantos planos mórbidos era prender um ministro do STF e enforcá-lo em praça pública. Um horror!

Neste primeiro 8 de janeiro após aquele domingo aparentemente corriqueiro, os Três Poderes se reunirão novamente, dessa vez não para vasculhar os escombros, mas para renovar o valor da democracia e lembrar a importância de se defendê-la diariamente. Um ato de importância ímpar que consolida o limiar de um novo tempo para a história do Brasil. Unidade republicana, apesar dos diferentes matizes políticos. Uma ideia, já prometida, para ser petrificada em forma de Museu da Democracia, a ser levantado nas adjacências da Esplanada dos Ministérios, para intimidar futuras ousadias.

Tudo muito perfeito desde que não se olvide de também levar ao crivo das instâncias judiciais competentes aquele que, vingado o golpe, seria o maior beneficiado pela conspiração. Aquele que, durante quatro anos, esbravejou e, inúmeras vezes, covardemente encorajou seguidores a ameaçar– ele mesmo o fazendo concretamente – a democracia, o infame Jair Messias Bolsonaro, responsável-mor da pretensão golpista.

Marcelo Uchôa é professor de Direito da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), membro da ABJD e do Grupo Prerrogativas, presidente da Comissão da Memória, Verdade, Justiça e Defesa da Democracia da OAB-CE

 

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