Apostas representam grave ameaça à vida de 25 milhões de brasileiros

Vício, endividamento, depressão e famílias destruídas estão entre os danos causados pelas apostas online, conforme pesquisas e uma série documental produzida pelo Instituto Conhecimento Liberta (ICL)

Joedson Alves - Agência Brasil / Site do PT

Especialistas, autoridades e setores da mídia alternativa têm alertado para os riscos das apostas online

Jogos de apostas aparentemente inocentes, as conhecidas bets vêm se transformando num grave problema de saúde pública, levando pessoas ao vício e endividamento. Uma situação tão grave que foi classificada como “pandemia” pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Legalizadas no Brasil em 2018 sem regulamentação adequada, as bets têm revelado sua face perversa. Comprometimento da renda, do bem-estar emocional dos apostadores e familiares, depressão, ansiedade, perda do emprego e até do casamento são alguns dos efeitos colaterais da disseminação indiscriminada das casas de apostas virtuais que inundaram a internet nos últimos anos, conforme reportagem do site BBC publicada nesta quinta-feira (19) intitulada “Os divórcios motivados pelo vício em bets e jogo do tigrinho: ‘Meu marido vendeu nossa casa’”.

A ruína de muitas famílias brasileiras começa com campanhas publicitárias massacrantes nas redes, protagonizadas por influenciadores digitais que têm milhões de seguidores. As propagandas atingem, em sua maioria, famílias de classes mais baixas, com jogadores adultos e até mesmo crianças sendo atraídos, em sua fragilidade, pela facilidade de acesso e promessa de ganhos rápidos.

Documentário revela o “jogo sujo” das bets

Nesta quinta-feira (19), a partir de 20h, novas informações a respeito desse grave problema social serão apresentadas em uma série documental que será exibida nas redes so Instituto Conhecimento Liberta (ICL), intitulada “Bets apostas online: o jogo sujo que ninguém comenta”.

“As bets se tornaram um fenômeno de massa, mas os estragos que causam são silenciosos, muitas vezes ignorados até que já seja tarde demais para voltar atrás. A euforia inicial esconde um problema crescente: os impactos sociais, financeiros e psicológicos dessa prática. Apostar já não é apenas diversão, e a falsa ilusão de lucro fácil está levando cada vez mais gente ao endividamento e, em casos extremos, até à destruição pessoal”, destaca uma reportagem do ICL, intitulada “Bets: o lado sombrio das apostas esportivas no Brasil”. A matéria expõe vários casos de verdadeiras tragédias familiares, incluindo tentativas de suicídio.

Risco para 25 milhões de brasileiros

O que gera lucros exorbitantes para alguns, traz a ruína para milhões de pessoas, o que pode ser comprovado pelos resultados de pesquisas recentes. Cerca de 25 milhões de brasileiros, quase 10% da população, estão mergulhados nos cassinos virtuais, que operam fora do país. Entre eles, 86% carregam algum tipo de dívida, e 64% tiveram o nome negativado, conforme levantamento do Instituto Locomotiva.

Outra pesquisa confirma que a parte do orçamento familiar que deveria cobrir necessidades básicas está indo para as bets. Cerca de 23% responderam que já deixaram de comprar roupas, 19% deixaram de fazer supermercados, 14% pararam de comprar produtos de higiene e beleza, e 11%, de gastar com saúde e medicações devido às apostas, segundo indicadores do estudo “Efeito das apostas esportivas no varejo brasileiro”, realizado pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) e pela AGP Pesquisas, publicado pelo site Estadão dia 19/06/24.

Mesmo diante do comprometimento da renda, a compulsão pelo jogo fala mais alto para 49% dos entrevistados que disseram ter aumentado a frequência das apostas em 2024, contra 35% que diminuíram, diz a pesquisa.

Os brasileiros gastaram R$ 68,2 bilhões em casas de apostas on-line em um ano, o que acarretou em prejuízo de R$ 23,9 bilhões. Este número equivale a 0,2% do PIB brasileiro, 0,3% do consumo total e 1,9% da massa salarial, segundo o Banco Itaú.

Gleisi e Reginaldo apresentam PLs

Atenta à gravidade da situação, a presidenta do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR) apresentou, no último dia 11, projeto de lei para proibir publicidade, divulgação e propaganda de empresas e casas de apostas online ou não, e também de produtos ligados a jogos de azar, inclusive os previstos na Lei nº 14.790/2023, mais conhecida como Lei das Bets. Na mesma linha, o deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG) também apresentou projeto pela proibição.

Gleisi disse que seu projeto “reafirma o compromisso do Parlamento com a proteção dos direitos dos cidadãos e com a construção de uma sociedade mais justa e equilibrada, onde os interesses econômicos não se sobrepõem ao bem-estar da população”.

A população, diz a presidenta, está exposta ao bombardeio diário de mídia e publicidade de apostas, principalmente esportivas. Somente em 2023, os gastos alcançaram mais de R$ 50 bilhões em apostas online. “Se contarmos os 12 meses entre julho de 2023 e julho de 2024, esse valor salta para mais de R$ 68 bilhões. Os valores perdidos nessas apostas são da ordem de R$ 24 bilhões”, argumentou Gleisi na abertura do texto de justificativa do projeto de lei.

Leia mais: Petistas apresentam projetos para proibir propaganda de jogos de azar

Brasil sai na frente, diz Haddad

Ao considerar a tênue distância entre entretenimento e dependência, o ministro Haddad afirmou, em matéria nesta quarta-feira (18) no portal Uol, que o Brasil é pioneiro na busca da regulamentação do setor. “O mundo está aprendendo a lidar com isso, o Brasil até saiu na frente do ponto de vista da regulamentação e vamos antecipar as ações governamentais com o amparo da lei que foi aprovada pelo Congresso”, disse.

Os sites de apostas que ainda não iniciaram processo de regularização deverão encerrar suas atividades até dia 1 de outubro, conforme definido pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda. Caso todas as bets existentes sejam regularizadas, a projeção é de arrecadação de até R$ 3,4 bilhões.

Fernando Haddad determinou a regulamentação adequada de questões como endividamento com a finalidade do jogo, uso do cartão de crédito, publicidade e patrocínio.

“Tudo isso vai passar, nas próximas semanas, por um pente-fino bastante rigoroso, porque o objetivo da lei é fazer o que não foi feito nos quatro anos do governo anterior”, afirmou o ministro ao Uol.

A partir de 1.º de janeiro de 2025, apenas agentes autorizados para operar apostas poderão atuar, exclusivamente em domínio brasileiro de internet, com extensão ‘bet.br’.

Apostas superam investimentos

Segundo o portal Uol, calcula-se que atualmente pelo menos duas mil empresas estejam atuando no segmento das bets. O volume de recursos movimentado supera os investimentos em renda fixa e Bolsa de Valores, informou o Estadão.

As bets são plataformas de aposta de cota fixa, o que significa que o jogador faz uma aposta sobre diferentes situações de um evento esportivo a partir de uma taxa específica de ganho, chamada de “odd”.

“Essas situações podem ser o placar final da partida; uma ação que um jogador específico vai realizar, como um escanteio ou falta; e até o momento do jogo em que essas coisas vão acontecer. Cada detalhe da partida vira uma possibilidade de lucro — ou de perda. Quanto mais rara for a situação, maior a taxa de ganho – a odd – do usuário”, detalhou o site BBC.

Leia mais: Zeca Dirceu: “É urgente dar fim à farra das bets”

Da Redação

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