Almagro-Aloysio: pacto espúrio para desestabilizar a Venezuela
Itamaraty oferece a Almagro palanque pró eleições na Venezuela. No mundo da pós-verdade, palavras ressonaram como se estivesse no berço da democracia
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A visita do secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, ao Brasil na última segunda-feira 10 acrescenta um capítulo tragicômico na sua trajetória pessoal e na tristemente célebre história de intervenções da OEA para “garantir a democracia” na região.
Depois de o Brasil desembolsar U$18 milhões para a OEA e tentar garantir assim a eleição de Flávia Piovesan para um cargo na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o palácio do Itamaraty ofereceu a Almagro um palanque para demandar eleições urgentes na Venezuela, para “redemocratizar” o país e que este volte a ter um “governo legítimo” eleito pelo seu povo…
No mundo da pós-verdade, as palavras do secretário-geral da OEA ressonaram na sala de imprensa do Itamaraty como se estivesse falando no berço da democracia grega. Para Temer-Aloysio, foi um sucesso da diplomacia. Para a América Latina, um pacto a mais contra a autonomia, a democracia e a estabilidade da região.
No nosso entendimento, o atual conflito político da Venezuela insere-se no quadro maior de uma grande ofensiva conservadora e autoritária contra os governos progressistas da América do Sul que lograram resgatar dezenas de milhões de pessoas da miséria e da exclusão. Tal ofensiva visa restaurar as fracassadas políticas neoliberais que, em passado recente, aumentaram a desigualdade social, precarizaram os mercados de trabalho, diminuíram a participação dos salários no PIB e comprometeram, em diversos níveis, a soberania dos Estados da região.
Tal ofensiva vale-se de métodos dissimulados e sofisticados de desestabilização política, que acabam redundando em golpes de Estado “brancos”, com aparência de legalidade e de normalidade institucional. O caso acontecido no Brasil é exemplo bem-acabado dessa nova engenharia política. Essa ofensiva neoliberal pretende também incindir diretamente sobre os processos de integração regional, particularmente sobre o Mercosul.
Neste caso, o objetivo principal é acabar com a união aduaneira do bloco, convertendo-o em mera área de livre comércio, uma espécie “Alcasul”, sob a influência direta dos EUA. Com isso, o bloco perderia a sua dimensão estratégica, seu incipiente caráter social e suas instituições supranacionais, inclusive seu Parlamento, se tornariam vazias de propósito e significado.
Assim como o Brasil do período recente, as políticas sociais na República Bolivariana da Venezuela foram eficazes na redução das desigualdades, no combate à pobreza, na eliminação do analfabetismo, na expansão de serviços públicos para os mais carentes e na defesa da soberania da Venezuela e da integração regional.
Assim como no Brasil, a crise ocasionada pela queda acentuada dos preços internacionais das commodities e do petróleo, somada ao processo de desestabilização política das elites interromperam o “ciclo de igualdades” produzindo, desde então, uma aguda deterioração dos problemas sociais e econômicos.
Erros das lideranças para lidar com a pressão econômica e política em um país ou outro não apagam o mérito dessas conquistas nem justificam as atitudes de alguns governos da região que estão apostando, no caso da nação irmã, na derrubada do seu governo democraticamente eleito.
O Brasil, atualmente governado por políticos imersos no maior escândalo de corrupção da história do país como Temer/Serra/Aloysio, não tem como liderar investidas diplomáticas destinadas ao isolamento da Venezuela. A decisão de suspender esse país do Mercosul com base em suposto descumprimento do Protocolo de Acesso soa como tentativa de derrubar o governo do presidente Maduro.
No contexto da crítica situação econômica e social atual da Venezuela, uma atuação internacional que incendeia ainda mais o conflito só pode prejudicar a procura por soluções para a vida de todos/as venezuelanos/as.
Ao invés de botar lenha na fogueira, é preciso apoiar a retomada urgente do diálogo, a exemplo do plano acertado em outubro de 2016 entre o governo da Venezuela e representantes políticos da oposição (organizada na Mesa de Unidade Democrática/MUD), propiciado pela facilitação internacional feita pelos ex-presidentes Rodriguez Zapatero (Espanha), Leonel Fernández (República Dominicana) e Martín Torrijos (Panamá), um representante do Papa Francisco e o secretário-geral da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), o ex-presidente da Colômbia, Ernesto Samper.
Entre os principais pontos acordados, estavam medidas concretas para melhorar as condições de vida das cidadãs e cidadãos:
• Achar fórmulas que permitam enfrentar o problema do abastecimento, impulsionar medidas contra a inflação e atender as necessidades financeiras do país;
• Adotar decisões que garantam o equilíbrio e respeito entre os poderes públicos no marco das suas competências constitucionais;
• Fortalecer a institucionalidade eleitoral e acordar um calendário eleitoral no marco da Constituição;
• Acordar medidas para a luta contra a violência e a insegurança pública.
Nesse sentido, condenamos a decisão do Conselho Permanente da OEA de usar os instrumentos diplomáticos previstos na Carta Democrática Interamericana para “recuperar a institucionalidade democrática na Venezuela”, bem como a decisão dos chanceleres do Mercosul de iniciar os procedimentos previstos no Protocolo de Ushuaia. Sua utilização, neste momento delicado, deverá agravar o conflito interno da Venezuela, ao apontar para seu isolamento político-diplomático.
Fazemos um apelo para que os governos do bloco evitem atitudes drásticas que possam ferir a soberania da Venezuela e agravar os dissensos internos, em obediência ao princípio da não-intervenção. E expressamos a convicção de que o povo venezuelano saberá encontrar, por meios próprios, a solução para os conflitos, a qual deverá passar, necessariamente, pelo respeito de sua soberania e a afirmação e renovação da fonte última do poder numa democracia: o seu voto.
Artigo inicialmente publicado no Blog do GRRI, na revista Carta Capital
Os abaixo-assinantes são membros do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI:
Adhemar Mineiro
André Bojikian Calixtre
Antonio Lisboa
Ariovaldo de Camargo
Artur Henrique da Silva Santos
Carlos Enrique Ruiz Ferreira
Carolina Albuquerque
Cristina Pecequilo
Daniel Angelim
Diego Azzi
Diogo Bueno de Lima
Fábio Balestro Floriano
Fátima Mello
Fernando Pacheco
Fernando Santomauro
Gilberto Maringoni
Giorgio Romano
Gonzalo Berrón
Graciela Rodriguez
Iara Pietricovsky
Igor Fuser
Ingrid Sarti
Iole Ilíada
Iván González
Jean Tible
João Felício
Jocelio Drummond
Josué Medeiros
Kjeld Jakobsen
Lucilene Binsfeld
Marcelo Zero
Marcos Costa Lima
Maria Abramo Caldeira Brant
Milton Rondó Filho
Monica Valente
Nalu Faria
Nathalie Beghin
Pedro Bocca
Rafael Ioris
Renata Boulos
Renato Vieira Martins
Ricardo Alemão Abreu
Rubens Diniz
Sérgio Godoy
Sergio Haddad
Tatiana Berringer
Tatiana Oliveira
Terra Friedrich Budini
Valter Pomar