Anistia – Entre o mito do esquecimento e a luta pela Verdade

A narrativa oficial de que a Lei da Anistia foi o resultado de um consenso entre os atores políticos da época e um marco da conciliação nacional não corresponde à verdade histórica.

Lei da Anistia – 39 anos – Entre o mito do esquecimento e a luta pela Verdade, Memória e Justiça*

 

Na manhã do dia 22 de agosto de 1979 o Congresso Nacional amanhecia cercado por tropas do exército. Os deputados que entravam no plenário da Câmara Federal viam as galerias repletas de recrutas à paisana. Naquele dia aconteceria a votação decisiva do Projeto de lei do general-presidente Figueiredo sobre a anistia política.

Caia a tarde feito um viaduto

E um bêbado trajando luto

Me lembrou Carlitos

 

O partido da ditadura militar, a ARENA, estava dividido. Alguns de seus deputados concordavam com o projeto de Lei da Anistia Ampla, Geral e Irrestrita proposto pelo partido da oposição consentida, o MDB. Nesta sessão da Câmara Federal seria votado um substitutivo de um deputado da ARENA potiguar que estenderia a anistia a todos os presos políticos sem exceção, já que o projeto governista era restrito, pois excluía os que haviam participado de ações violentas.

Estava votação era o desfecho institucional de um processo de mobilização popular iniciado em 1975 na luta pela Anistia protagonizado pelas mães, companheiras e filhas de presos políticos que criaram o Movimento Feminino pela Anistia, liderado pela ativista Therezinha Zerbini (1928-2015).

Chora a nossa pátria mãe gentil

Choram Marias e Clarisses

No solo do Brasil

            Em pouco tempo Comitês Brasileiros pela Anistia (CBAs), foram criados em diversos estados até que em 1978 foi criada uma entidade da sociedade civil de caráter nacional – o Comitê Brasileiro pela Anistia, que em um encontro realizado na Bahia lançou a Carta De Salvador defendendo uma Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, e também a volta das liberdades democráticas e a reforma política. Comitês pela Anistia no Brasil também foram criados em Portugal e na França.

As dimensões da repressão no Brasil verde-oliva deste período se desdobraram em duas vertentes que por vezes se entrelaçavam. A repressão física e o assassinato – cerca de 500 mortos e desaparecidos políticos e entre 30 mil e 50 mil torturados. E a repressão judicializada com milhares de presos enquadrados na Lei de Segurança Nacional, com cerca de 5 mil exiliados e milhares de pessoas com os direitos políticos cassados.

E nuvens lá no mata borrão do céu

Chupavam manchas torturadas

Que sufoco!

Louco !

O bêbado com chapéu-côco

Fazia irreverencias mil

Pra noite do Brasil !

Meu Brasil !

Que sonha com a volta do irmão do Henfil

Com tanta gente que partiu

Num rabo de foguete !

            Na votação do dia 22 de agosto de 1979 a maioria governista derrotou a emenda que ampliava a anistia por 206 contra 201 votos oposicionistas e da dissidência da ARENA.  Dessa forma o projeto de lei dos militares venceu por apenas 5 votos! Existiram também emendas que propunham que não existisse anistia para o crime de tortura que sequer foram votadas. Em diversas penitenciárias do país grupos de presos políticos haviam realizado greves de fome defendendo uma Anistia Ampla, Geral e Irrestrita.

Podemos perceber então que a narrativa oficial de que a Lei da Anistia foi o resultado de um consenso entre os atores políticos da época e um marco da conciliação nacional não corresponde à verdade histórica.

Em 28 de agosto de 1979 o general-presidente de plantão sancionava a Lei 6.683/1979, conhecida como a Lei da Anistia. Mas a Anistia que os militares se dispuseram a aceitar devido à pressão popular, com limitações que permanecem no que se refere a punição dos agentes da repressão estatal militar.

Mas sei que uma dor assim pungente

Não há de ser inultilmente !

A Esperança

Dança na corda bamba de sombrinha

            O texto da lei anistiava todos os que haviam cometidos crimes políticos ou conexo com estes entre 1961 e 1979. Essa expressão vaga foi propositalmente inserida para permitir uma interpretação que vigora até hoje segundo decisão do STF de que os militares envolvidos na tortura, assassinato e desaparecimento de presos políticos durante a ditadura estão livres de qualquer ação criminal. Diferente da Argentina e do Chile não julgamos os militares genocidas daquele período.

A impunidade de ontem é a impunidade de hoje! Falar da violência estatal do passado é lembrar hoje do genocídio da juventude negra. É falar dos massacres constantes de militantes sem-terra. É falar da impunidade dos PMs assassinos de Eldorado-Carajás (1996) e do massacre do Carandiru (1992). É falar da criminalização dos movimentos sociais. É falar da instituição da tortura no sistema carcerário brasileiro e falar do desaparecimento de Amarildo (2013).

É denunciar o golpe institucional e midiático que depôs uma presidenta democraticamente eleita – Dilma Roussef, ex-presa política e torturada, que ousou criar a Comissão Nacional da Verdade (2011-2014).

É igualmente protestar contra a prisão política do maior líder popular da história da América latina – o presidente Luís Inácio Lula da Silva pelo aparato institucional golpista que quer impedir a qualquer custo a vontade do povo de elegê-lo presidente nas eleições deste ano.

Mas a história é um palco aberto onde a Esperança…

A Esperança equilibrista

Sabe que o show de todo artista

Tem que continuar… (O bêbado e a equilibrista – Aldir Blanc e João         Bosco)

            A Esperança tem um rosto multiplicado em todas as cores em milhões de rostos – o Povo Brasileiro !!!

 

 

      *Felipe Gallindo – Historiador     

 

 

 

 

 

 

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