Artigo: A mídia e a invisibilidade negra na tragédia do RS, por Almir Aguiar

Onde estão os negros e negras do Rio Grande do Sul? Um estudo da PUCRS revela que a população negra está mais presente entre os pobres do que entre os ricos no RS

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Almir Aguiar

A tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul atingiu a maior parte da população gaúcha. Pessoas perderam suas casas, utensílios domésticos e o total de mortos já chega a pelo menos 172 vidas.

Mas há uma questão que, muitas vezes, passa desapercebida da opinião pública e que a grande mídia não mostra: como sempre: a população mais pobre é a mais atingida, e muitas delas são negras e negros.

É comum ver na TV e nas redes sociais os desabrigados em abrigos, mas a maioria sempre pessoas brancas. A maior parte da comunidade negra não tem visibilidade nem mesmo numa tragédia de grande comoção social.

É verdade que a influência europeia no Sul traz uma predominância branca na população gaúcha, mas isso não justifica negros e negros não aparecem nas reportagens sobre a tragédia no estado.

A miséria cotidiana

Num raro recorte racial, vi numa reportagem, um grupo de famílias de raça negra morando debaixo de um viaduto. Um caso raro na imprensa a uma regra que não mostra o sofrimento da comunidade negra.

Um estudo da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) revela que a população negra está mais presente entre os pobres do que entre os ricos no RS.

No estado, pretos e pardos somam 18,9% da população. No entanto, a proporção dessa parcela da sociedade muda conforme a renda. Nos 10% mais pobres, negros somam 32,3%. Nos 10% mais ricos, pretos e pardos são apenas 8,2%.

Claro que a ajuda humanitária não tem de ter acepção de raça e condição social, mas quem assiste às reportagens na grande mídia fica com a sensação de que não há negros no estado gaúcho e são eles, por estarem como no restante do país na base da pirâmide social e econômica, os mais atingidos, perdendo o pouco que possuíam, quando não são moradores de rua, cuja tragédia é ainda maior, porque neste caso a fome não está relacionada apenas à tragédia ambiental, mas faz parte de uma realidade cotidiana que enfrenta uma completa indiferença das elites e não parece resultar numa mesma reação solidária das classes dominantes, banqueiros e grandes empresários do baronato brasileiro de quando um fato tem grande repercussão internacional.

É de conhecimento público que nos estados do Sul do Brasil, em função da influência cultural europeia germânica, nórdica e italiana, o racismo é ainda mais forte do que em outras regiões. E a discriminação as vezes é sutil e passa desapercebida pela sociedade.

Negros na história gaúcha

Por isso é importante destacar que o Rio Grande do Sul não é, como pode parecer, um estado só de brancos.

Negros e negras sempre tiveram uma participação de destaque na história, na construção e na política do RS, desde os Lanceiros Negros que lutaram pela liberdade na Revolução Farroupilha a nomes proeminentes, como Carlos Santos, o primeiro deputado e governador negro do Rio Grande do Sul  e, mais recentemente o governador Alceu Colares, do PDT, que pouca gente sabe, sofreu grande discriminação em sua trajetória política no estado, em seu mandato nos anos 90.

A tragédia dos quilombolas

Números de uma triste realidade desta tragédia não têm recebido o mesmo destaque dado em relação aos impactos sobre as regiões mais nobres de Porto Alegre.

Todas as 145 comunidades quilombolas do Rio Grande do Sul, espalhadas por 70 municípios, foram atingidas pelas enchentes que assolam o estado desde o último 27 de abril. O levantamento é da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), segundo a qual 17.552 quilombolas estão sofrendo os impactos das chuvas. E este drama não teve a mesma visibilidade na imprensa dada às regiões centrais da capital gaúcha.

Solidariedade a todo o povo

O ideal é que esta tragédia não atingisse a ninguém,  nem brancos e negros e nosso espírito solidário é em relação a todo o povo gaúcho.

Vale ressaltar também o apoio dado pelo governo Lula à população atingida de mais de R$50 bilhões em socorro direto, emendas e crédito para a reconstrução do estado. Não podemos deixar de destacar também a ação solidária dos trabalhadores rurais do MST que continuam entregando milhares de quentinhas aos desabrigados.

Repúdio à insensatez

E, por outro lado, é preciso repudiar também a reação desumana do senador e general Hamilton Mourão (Republicanos-RS), que alegou não ter dado nenhuma ajuda aos atingidos pelas enchentes porque isto representaria “desvio de função ” e, da mesma forma, repudiar o lamentável fato de que, nem num momento em que o Brasil se une para ajudar o povo gaúcho, o bolsonarismo boçal e a extrema-direita abrem mão das fake news, que geram desinformação e prejudicam a população atingida.

Visibilidade aos negros

A população e os movimentos negros não vão se calar. Não podenos deixar de dizer que, apesar de não terem visibilidade na mídia, a população negra, sempre nas camadas mais pobres da sociedade, tem sofrido demais com esta lamentável tragédia e representa uma parcela considerável das famílias atingidas. Solidariedade a todos e todas, negros e brancos, que sofrem com esta tragédia ambiental anunciada pelo descaso de governantes do estado que, em vez de fortalecer, afrouxaram as políticas e regras de preservação do meio ambiente.

Visibilidade também aos negros e negras, sempre. É o que estamos reivindicando.

Almir Aguiar é o Secretário de Combate ao Racismo da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro / CONTRAF-CUT e do PT Carioca

 

 

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