Artigo: As saúvas e os 4,5% nas eleições municipais, por Milton Pomar
Quem não acredita que é tão devastador o estrago causado pelas “saúvas eleitorais”, pesquise os resultados das eleições municipais do período 1988/2020
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Quarenta e dois anos após a eleição de 1982, a primeira disputada abertamente pela Esquerda no Brasil após o Golpe Militar de 1964 – e ainda sob ditadura militar –, seguimos como dantes no quartel de Abrantes: a compra e venda de votos comendo solta e produzindo dessa forma as maiorias de “Centro”, Direita e Extrema-Direita nas câmaras municipais, com impunidade quase total – há raríssimos casos de perda de mandato e outras punições legais em todo esse tempo.
O comércio de votos é o responsável pelos raquíticos resultados das candidatas e candidatos de Esquerda nas eleições municipais. No caso do PT, com mais de 20% de preferência partidária e 30% de simpatizantes, a conta nunca fechou – nas eleições de 2020 obteve “3.072 vagas (4,50%), sendo 179 em prefeituras, 258 em vice-prefeituras e 2.635 em câmaras municipais.”
Candidatas e candidatos dos partidos de Esquerda têm o que mostrar, em termos de realizações das administrações e legislativos; candidatas e candidatos de primeira; propaganda bem-feita; propostas melhores do que a maioria; mas, “na hora do vamos ver”, boa parte do eleitorado opta por vender o voto, e mal e mal os partidos de Esquerda conseguem uma vaga. Esse é o Brasil Real que novamente encontraremos em 2024, e não há orientação de especialista em “marketing eleitoral”, “redes sociais” etc. que mude essa realidade.
Só aumentará a quantidade de vereadoras e vereadores de Esquerda, se a atuação das “saúvas eleitorais” comprando votos na campanha eleitoral for reduzida; se não diminuir, a participação da Esquerda nas câmaras municipais continuará inferior a 10% do total. Simples assim. Essa é a situação nos 5.570 municípios do Brasil. Ela é bem mais grave nos quase 5.000 municípios com menos de 50 mil habitantes, e mais ainda nos 3.935 com menos de 20 mil habitantes.
Quem não acredita que é tão devastador o estrago causado pelas “saúvas eleitorais”, pesquise os resultados das eleições municipais do período 1988/2020. Onde foi eleito(a) prefeito(a) de Esquerda, com 50% dos votos, quantos vereadores(as) de Esquerda foram eleitos(as) – 5%? E quantas dessas administrações municipais de Esquerda ficaram à mercê das maiorias nas câmaras, constituídas por legisladores eleitos comprando votos?
As câmaras de vereadores(as) e os executivos municipais em todo o País desperdiçam muitos recursos públicos, porque os(as) eleitos(as) recuperam o que “investiram” e não se fiscaliza quem deveria ser fiscal. Combater o comércio de votos é atacar a base do sistema de corrupção, porque quem compra votos sempre venderá o seu próprio – para empresários ou o prefeito. Recentes condenações de vereadores em Santa Catarina, presos por se apropriarem de recursos públicos para obterem o retorno ao seu “investimento” nas campanhas, comprovam o que se sabe há décadas: a grande maioria dos vereadores e vereadoras do Brasil se elege comprando votos.
Será com essa “espada na cabeça” que ocorrerá a Conferência Nacional Eleitoral do PT, em Brasília, dias 8 e 9 de dezembro. Focada nas grandes cidades, com programação abrangente e qualificada, mas sem uma linha em relação à necessidade vital de combate ao comércio de votos. É como se ele não prejudicasse tanto – comportamento aliás semelhante ao dos tribunais eleitorais, que agem como se essa endemia eleitoral não existisse.
O previsível sucesso dessa Conferência deverá animar a direção do PT a promover outras, por região, no início de 2024, específicas para os quatro mil pequenos e muito pequenos municípios, nos quais as campanhas eleitorais têm realidade muito diferente das de grandes municípios, em especial no tocante ao envelhecimento do eleitorado. Nos municípios com menos de 20 mil habitantes, há 20% a até 28% de pessoas idosas no eleitorado, e outro tanto de pessoas “quase-idosas” – neles, metade ou mais do eleitorado está na faixa de 45 anos de idade em diante.
As saúvas não acabaram com o Brasil, nem tampouco foram extintas. Da mesma forma a compra e venda de votos – convivemos com essa prática a nível nacional desde sempre, participando das campanhas eleitorais como se elas fossem realmente comprovação da democracia, em condições de igualdade etc.
Cabe às polícias, ministério público e Judiciário investigarem e punirem a compra de votos, e é mais fácil do que parece fazer isso: em todas as comunidades são conhecidas as pessoas que no início do ano fazem os acertos “das ajudas”, negociando caso a caso. Essas pessoas, antes denominadas “cabos eleitorais”, estão a serviço de candidatos e candidatas com muito dinheiro, muitas delas vinculadas a esquemas com parlamentares estaduais e federais. É “o sistema”, a todo vapor e com muito dinheiro – recursos que não serão contabilizados depois, porque compra de votos (ainda) é crime eleitoral.
Punir quem compra, desmantelando os esquemas, é fundamental, mas não é suficiente: tem que haver diálogo com quem vende, porque grande parte das pessoas que aceita dinheiro ou outra forma de “ajuda” pelo voto (em muitos casos, de famílias inteiras) sobrevive com dificuldade. E esse diálogo, para produzir os efeitos necessários, requer pesquisa, argumentos persuasivos, criatividade na argumentação e… muita propaganda.
Há tempo hábil para se preparar e lançar, no início de 2024, uma campanha de caráter nacional de combate ao comércio de votos, combinando investigação, punição e propaganda. Campanha inovadora, dialogando com a sociedade e ajudando-a a refletir sobre essa prática eleitoral que é a base da corrupção política. Divulgar as poucas condenações e as muitas investigações que ocorreram nos últimos anos, de corrupção com diárias, contratações, licitações de coleta de lixo etc. e de casos nos quais se conseguiu comprovar a compra de voto.
Trata-se de decidir e fazer uma campanha em larga escala, para aumentar a representatividade das Esquerdas nas câmaras municipais, elevando a sua participação para 30%-35%, que é seu patamar mínimo nas eleições presidenciais.
Milton Pomar – “Campanheiro”, trabalha em campanhas do PT desde 1982, em vários estados. Mestre em Políticas Públicas e Coordenador do Setorial de Pessoas Idosas do PT-SC