Artigo: Um presidente negro na origem do nacional desenvolvimentismo, por Ramatis Jacino
Dia 31 de março desse ano completam-se 100 anos da morte do único negro a ocupar a presidência no Brasil
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No dia 31 de março desse ano completam-se 100 anos da morte do único negro a ocupar a presidência no Brasil. Nascido livre, em 02 de outubro de 1867, Nilo Procópio Peçanha era filho de Sebastião, comerciante e herdeiro de uma propriedade rural em Campos de Goytacazes, no Rio de Janeiro e, assim como ele, descrito como negro por seus biógrafos. Formado em direito, Nilo adere a militância republicana e, em 1890 éeleito deputado constituinte e posteriormente senador, integrando a ala positivista, que tinha Floriano Peixoto como a principal referência.
Eleito governador do Rio de Janeiro, em 1903, investiu na modernização e no desenvolvimento econômico. Eletrificou grande parte das cidades e dos bondes, construiu prédios escolares, ferrovias e pontes metálicas. Promoveu saneamento, alargamento de ruas e avenidas e melhorias na travessia marítima da Baía da Guanabara. A educação profissionalizante, prioridade para Nilo desde que foi eleito deputado, tem significativo impulso quando assume o Executivo, pois estava convicto da necessidade de formar jovens com profissões definidas e modernas para integrarem o mercado de trabalho, com boa remuneração e alta produtividade.
Sua gestão, todavia, foi marcada pela ambiguidade que caracterizou sua carreira política pois, em que pese as iniciativas desenvolvimentistas e modernizadoras, era diligente em atender os interesses do seu grupo social de origem, que lhe dava sustentação política; as oligarquias cafeeiras. Assim, em fevereiro de 1906, reúne-se com os governadores de São Paulo e Minas Gerais, firmando o famoso Convênio de Taubaté que, em afronta aos preceitos liberais que verbalizava, estabelecia uma série de vantagens e privilégios a serem concedidos pelo poder público ao setor.
Ao alçar a presidência da república, a partir de junho de 1909, na perspectiva de gerir um Estado cujo papel seria organizar a sociedade e intervir na economia em busca do progresso, norteia seu governo a partir de quatro grandes eixos: Educação profissionalizante inserida na busca do desenvolvimento agrícola e industrial; Agricultura como base do desenvolvimento que, em parceria com o Estado alavancaria a industrialização; Investimento nas comunicações e na mobilidade; Incentivo a nacionalização da indústria extrativista. Assim como no governo do Rio de Janeiro, Nilo priorizava os interesses das oligarquias rurais e não promoveu enfrentamento aberto com o sistema financeiro internacional, mas promoveu o desenvolvimento econômico lastreado nos setores oligárquicos e em parceria com multinacionais extrativistas. Não é exagero, portanto, afirmar que o nacional desenvolvimentismo inaugurado nos anos 30 é herdeiro do pensamento e das ações de Nilo, lastreadas noflorianismo, que deu base para a Reação Republicana, articulação cívico/militar que apoiou sua frustrada tentativa de volta ao poder em 1922 e que está na origem do tenentismo, cujos ideais e algumas lideranças foram incorporadas pelo governo de Getúlio Vargas.
O apagamento da trajetória de negros que se destacaram nas mais diversas áreas ou o seu branqueamento tem se mostrado valiosos instrumentos para afirmação do racismo em nosso País. Nilo Peçanha foi objeto dos dois. Lançar um pouco de luz sobre a extraordinária contribuição dessa importante personagem negra no centenário da sua morte, tem por objetivo contribuir para superarmos essa e tantas outras lacunas na nossa história.
Ramatis Jacino é doutor em História Econômica pela FFLCH/USP e professor da Universidade Federal do ABC
Publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo