Brasil: impedimento de Lula, impedimento democrático, por Jean-Jacques Kourliandsky

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IRIS Tribune, 06 de abril de 2018

Uma pequena maioria, mas uma maioria suficiente do STF, o Supremo Tribunal Federal do Brasil, decidiu na quarta-feira, 4 de abril de 2018, rejeitar o recurso apresentado pelos advogados do ex-presidente Lula. Esta decisão reduz drasticamente a perspectiva de uma candidatura Lula nas eleições presidenciais de 7 de outubro que ele tinha uma boa chance de ganhar. De fato, as pesquisas o colocavam claramente à frente nas intenções de voto por vários meses.

Mas o jogo ainda não acabou. Juristas levantam várias opções de recursos apesar da apelação indeferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª. Região (TRF-4), em Porto Alegre no dia 27 de março. Um recurso junto ao Superior Tribunal de Justiça sobre possíveis violações de procedimento, ou um novo julgamento no STF com base na violação de certos elementos da Constituição pelo juiz. No entanto, esses especialistas reconhecem que esses recursos não são suspensivos. Assim, o juiz de primeira instância Sergio Moro poderá, após o recebimento da decisão do STF de 4 de abril, decidir executar a sentença que condenou em apelação o ex-presidente Lula a 12 anos de prisão.

A STF, em suma, tomou uma decisão consistente com as dos tribunais que tiveram que decidir. Todos validaram uma condenação por corrupção, baseada na delação de um condenado buscando se beneficiar de uma modificação de sua sentença, e na firme convicção da culpa do juiz de primeira instância, ao final endossada por seus colegas. A missa foi, desde o início, cantada de modo a deixar poucas lacunas para o indiciado.

O procedimento seguido fazia malabarismos com as regras do Direito desde o início da investigação. Isso foi demonstrado pela ida da polícia à casa de Lula às 6h da manhã, para executar uma diligência da qual ele não havia sido previamente informado pela Justiça. Também pelas escutas telefônicas da presidenta Dilma Rousseff sem a correspondente autorização judicial, bem como por informações tiradas do processo e comunicadas ao grande grupo de mídia, “Globo”.

O procedimento foi objeto de um acompanhamento “artístico” pelos grandes canais de informação. Mais recentemente, a Netflix fez uma série sobre escândalos financeiros, atribuindo ao ator que interpretava Lula ações escandalosas de outros. Várias igrejas evangélicas transmitiram a lista negra de Lula. As pequenas mãos que animaram as grandes manifestações de 2013 contra o aumento do preço dos transportes, através das redes sociais, chamam hoje manifestações pela prisão de Lula. Enfim, o general comandante do Exército fez coro para denunciar uma possível leniência do STF em relação ao ex-presidente.

Os jogos foram feitos. Os jogos são feitos. As cartas foram colocadas de tal forma que só poderia ser assim. O final, ou quase final do drama, foi inscrito pelo parlamento já na primeira etapa da ruptura democrática em 2016, com a destituição inconstitucional da presidenta Dilma Rousseff. As coisas desde então foram de mal a pior, se quiser considerar como um bem, o rigoroso respeito necessário das regras democráticas em um país que viveu mais de 20 anos de ditadura militar [1].

Por trás desses acontecimentos políticos, um desafio econômico e social estava presente. A crise que afetou o Brasil a partir de 2013 exigia dois tipos de resposta. A de natureza econômica devia se esforçar para encontrar um caminho de volta ao crescimento. A social devia, entretanto, proceder a uma distribuição justa dos esforços a serem feitos para amortecer os efeitos da recessão. A destituição da presidenta Dilma Rousseff tinha como primeiro objetivo descartar qualquer opção de distribuição social dos sacrifícios.

Ao preço de um golpe de estado parlamentar, os novos líderes do país puderam implantar uma política de austeridade, cortando ganhos sociais e investimentos públicos, cedendo ao capital estrangeiro as partes mais promissoras da economia nacional. As consequências desta política foram numerosas: 2 a 3 milhões de pessoas voltaram à linha da pobreza e o crime aumentou acentuadamente. O Estado respondeu através de seu exército, um dia em Brasília, outro no Rio, com os resultados que constatamos, aqueles de bombas incendiárias.

Restava, para evitar qualquer risco de voltar à situação anterior, eliminar Lula. O ex-presidente mantém uma forte popularidade em círculos modestos. Pela primeira vez na história brasileira, de 2003 a 2016, a pobreza caiu drasticamente. A juventude negra e os mais pobres em geral tiveram acesso à eletricidade para todos, moradia e universidade. A memória desses avanços ainda está fresca. Lula, impulsionado pela repercussão de suas conquistas sociais, vem fazendo campanha por todo o Brasil há um ano. Ele está atualmente na liderança das intenções de voto, em torno de 35%. Apesar das campanhas da imprensa, redes sociais hostis e tentativas violentas de intimidação como há poucos dias, quando seu ônibus foi alvo de atiradores não identificados.

Nesse cenário que se quer sóbrio e sem derramamento de sangue, cabia à justiça dar o golpe final. Hoje está quase pronto. Resta saber, na sequência desses excessos democráticos, judiciais e morais, o que restará do Brasil reconstruído em 1988 sobre as cinzas de uma ditadura. Tudo lembra a fábula do grande escritor brasileiro Machado de Assis, “O Alienista”. A Cidade modelada por um aprendiz de feiticeiro é encontrada depois de muitas vicissitudes nas mãos de um irresponsável. Vemos isso hoje, se Lula foi finalmente descartado, um Alienista em boa posição para o pleito de 7 de outubro. Seu nome é Jair Bolsonaro. Ele é um ex-militar da ditadura, orgulhoso de seu passado, próximo aos evangelistas, defensor dos valores tradicionais e da tolerância zero ao crime. Ele tinha, antes da decisão do STF favorável a por o ex-presidente Lula de lado, mais de 20% das intenções de voto.

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[1] De 1964 a 1988.

Original: http://www.iris-france.org/110536-bresil-hors-jeu-de-lula-hors-jeu-democratique/

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