Frente Parlamentar em Defesa da Soberania Nacional
Em ato de laçamento da Frente, o Secretário Agrário Nacional do PT, Patrus Ananias, critica a entrega do patrimônio nacional pelo governo Bolsonaro
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Coordenada pelo Deputado Federal (PT-MG) e Secretário Agrário Nacional do PT, Patrus Ananias, a Frente tem o apoio de 256 parlamentares, entre deputados e senadores, e é presidida pela senadora Zenaide Maia (PROS-RN), que tem ainda como Presidente de Honra o ex-senador Roberto Requião.
O ato de lançamento da Frente não apenas lotou os 350 lugares do auditório Nereu Ramos, da Câmara dos Deputados, com mais algumas dezenas de pessoas em pé, como formou uma grande fila de pessoas a espera de um lugar para participarem do evento.
Participaram do ato a ex-presidenta Dilma Roussef, o ex-ministro Fernando Haddad, a presidenta do PT, Gleisi Hoffmann (PR), o governador Wellington Dias (PT-PI), o ex-governador Ricardo Coutinho (PSB-PB), João Pedro Stédile (Frente Brasil Popular), Anita Wright (Conic), Guilherme Boulos (PSOL/MTST), Dom Evaristo Pascoal (CNBB), Makota Celinha (CENARAB), além de lideranças dos partidos de oposição e dezenas de representantes de movimentos sociais e organizações da sociedade civil.
Na abertura do Ato, o deputado Patrus Ananias, alertou que e o atual governo está entregando o patrimônio nacional e as riquezas do País em nome das privatizações e do Estado mínimo.
A rigor, não existe Estado mínimo. O Estado está sempre a serviço de interesses. O Estado neoliberal privatizado coloca-se a serviço das classes sociais mais ricas e dos grandes interesses econômicos, internacionais sobretudo, que dele, do Estado se apropriam”
Leia a íntegra do discurso do Deputado Patrus Ananias no Lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional:
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“O conceito de soberania dos povos politicamente organizados e assentados em territórios próprios está vinculado à emergência do Estado nacional no início da era moderna, quando se apagavam as luzes seculares da era medieval.
A soberania do Estado absolutista vinculava-se diretamente à pessoa do soberano, detentor de todos os poderes.
O conceito e a prática da soberania vão se ampliando paralelos às ideias e às práticas democráticas que vão, aos trancos e barrancos para lembrar o nosso saudoso Darcy Ribeiro, emergindo e se afirmando a partir do final do século XVII.
À medida em que o povo vai conquistando a duras penas os seus direitos, a soberania nacional vai se tornando também, e, sobretudo, soberania popular. O pressuposto da soberania passa a ser o exercício dos direitos e deveres de cidadania, vale dizer, dos direitos e deveres que alicerçam a soberania popular
Estado soberano é o que afirma sua independência no concerto internacional das nações e simultaneamente assegura as condições internas para que o seu povo possa afirmar a sua identidade, a sua memória, a sua cultura, as suas realizações. A plena realização desse processo identitário nacional pressupõe assegurar às pessoas, famílias e comunidades, acesso aos bens e serviços básicos, essenciais à vida e ao exercício da cidadania e da soberania popular.
Um país soberano preserva com determinação o seu território, as benesses do seu solo, as suas riquezas hidrominerais, a sua biodiversidade; favorece as condições para que todas as pessoas que formam a comunhão nacional possam liberar e alargar as suas vocações e potencialidades. Um país soberano relaciona com outros países de forma dialogante e cooperativa, sempre na busca da paz e dos avanços culturais e civilizatórios, mas sem perder, sempre que necessário, a sua força e altivez na defesa dos interesses da sua terra e da sua gente.
Sabemos que habitamos um mesmo planeta e que partilhamos responsabilidades com ele e com o misterioso e fascinante universo em que estamos modestamente situados. Respiramos o mesmo ar. Carecemos todos dos mesmos mares, dos mesmos espaços; temos necessidades comuns, sonhamos sonhos compartilhados, partilhamos desejos; as criações artísticas e culturais, a busca de formas convivenciais mais solidárias, os trabalhos de construção da paz transcendem povos e nações. Integramos e partilhamos a mesma humanidade.
A aventura humana na face da terra se faz também nas diferenças culturais, consuetudinárias, linguísticas; nas diferenças das tradições e dos procedimentos. Diferenças que enriquecem a espécie humana e abrem novas porteiras e possibilidades ao conhecimento e às manifestações de solidariedade e amor ao próximo e aos diferentes. Vale entre os povos, o ensinamento de Tolstói; “fale sobre sua aldeia para falar ao mundo”.
Um país com o território, os recursos naturais, as condições climáticas, as potencialidades humanas, comunitárias e convivenciais da nossa boa gente, um país como o Brasil que tem tudo isso, deve aportar a sua contribuição própria, única, brasileira ao desenvolvimento da humanidade. Se não o fizermos, ninguém o fará por nós e ficará um vazio tremendo na História.
Para que o Brasil aporte esta contribuição insubstituível é necessário que afirmemos nossas diferenças, a nossa identidade nacional, que não sejamos meros consumidores e repetidores da produção de outros povos. A nossa identidade nacional, condição primeira de nossa soberania, deve ser aprofundada e realçada para que possamos aportar ao mundo a nossa contribuição única, esplendida, intransferível. Se não o fizermos ou o fizermos aquém das nossas potencialidades, o planeta fica cultural e espiritualmente menor.
Para realizarmos a nossa vocação nacional e darmos esse aporte ao planeta e ao próprio cosmos temos o desafio maior de promovermos o encontro do Brasil consigo mesmo – superando os dualismos, injustiças e exclusões que marcam a nossa História – e liberarmos as nossas melhores, mais fortes e generosas energias. Essa contribuição nacional brasileira ao processo civilizatório da humanidade não é tarefa para pessoas, grupos, corporações, muito menos tarefa das classes dominantes que sempre colocam os seus interesses econômicos acima dos interesses da pátria. É tarefa de todos nós. Tarefa do povo brasileiro onde se fazem presentes as melhores qualidades da nacionalidade brasileira.
Fundamental à soberania e ao projeto nacional brasileiro que aprendamos cada vez mais a respeitar as diferenças. Somos um país multirracial, multiétnico, multicultural. O encontro e a integração de etnias e culturas não nos dispensa de respeitar, como parte integrante de nossa soberania popular, os povos e comunidades – os povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais – que, partilhando a comunhão nacional, querem preservar as suas tradições, culturas, costumes, línguas, territórios, valores e procedimentos comunitários, relações com a natureza. Essa diversidade cultural nos constitui e constitui a essência da nossa soberania que se manifestou no alvorecer da nossa nacionalidade na expulsão dos holandeses em meados do século XVII.
Um século antes, no século XVI, o notável pensador francês Montaigne, nos seus Ensaios, nos ensinava que não há culturas superiores ou inferiores, há culturas diferentes. E as diferenças, preservadas e respeitadas, nos enriquecem, do ponto de vista humano e social, e ampliam, no caso brasileiro, os horizontes e as potencialidades nacionais.
A Constituição Cidadã de 5 de outubro de 1988 acolheu bem essa compreensão mais abrangente da soberania fundada na cidadania e nos direitos fundamentais. Os artigos 1º e 3º afirmam com notável clareza os princípios fundamentais de nossa Lei Maior. Partem estes princípios, nos dois primeiros incisos, da soberania e da cidadania. Ao tratar dos direitos políticos no artigo 14, em sintonia com o parágrafo único do artigo 1º, a Constituição fala expressamente da soberania popular.
Atenta à necessidade de assegurar as condições materiais básicas para o exercício da soberania e da cidadania através de políticas , a nossa Carta Magna integra os direitos sociais por meio do artigo 6º e dos artigos 193 a 232.
Vejo, em sintonia com o olhar de milhões de brasileiras e brasileiros que amam profundamente o nosso país, um inquietante processo de desmonte das conquistas sociais, culturais e ambientais que, a partir da Constituição Cidadã, tivemos no Brasil. Vejo, sempre respeitando os olhares diferentes, um processo de desmonte desses direitos essenciais ao exercício da cidadania e da soberania popular. Processo este deflagrado com a Emenda Constitucional 95, prossegue com as chamadas reformas trabalhista e previdenciária – prefiro chamá-las de deforma – além de outras leis e iniciativas sempre voltadas para a redução dos espaços já tão reduzidos dos pobres, das classes trabalhadoras; processos que atingem e penalizam também a classe média assalariada, pequenos e médios empreendedores, o cooperativismo, a economia solidária, a agricultura familiar; através de cerceamentos a programas e políticas públicas como o Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada – BPC -, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, Programa de Aquisição de Alimento da Agricultura Familiar – PAA, os Centros de Referência da Assistência Social – CRAS, os restaurantes populares.
Acrescem as propostas legislativas que visam reduzir, se não eliminar, as reservas indígenas, os territórios quilombolas e as comunidades e populações tradicionais; a determinação em quebrar as universidades federais e os institutos federais de educação, ciência e tecnologia, no limite a determinação de quebrar a escola pública; mais do que o descaso, a hostilidade com a nossa cultura e as nossas artes que constituem um grande patrimônio nacional e bem traduzem a nossa criatividade.
Ao desmonte dos direitos sociais acrescem as reduções dos espaços democráticos e de participação da sociedade que se manifestam na determinação em extinguir conferências e os conselhos setoriais.
O combate à corrupção, presente no ideário e nos compromissos desta Frente que defende a sacralidade de cada centavo público e de todos os bens que estejam a serviço do povo brasileiro e a serviço da nossa soberania, o combate à corrupção vai cada vez mais se conspurcando com a publicização de gravações que deixam claro as opções políticas e persecutórias de operações como a Lava Jato. Emergem dessas gravações, além de outros fatos e questionáveis procedimentos processuais, as razões que levaram ao julgamento e condenação política do Presidente Lula.
Na mesma linha, casos dramáticos de perseguições e assassinatos políticos como da vereadora Marielle Franco, e de seu motorista Anderson Pedro Gomes, não são devidamente investigados. Outros casos graves de violência e de desvio de recursos públicos não são devidamente processados e apurados.
São procedimentos e omissões que ameaçam a nossa maior conquista, O Estado Democrático de Direito, essencial ao exercício da soberania.
Daí a consequência inevitável: a soberania do Brasil, na mesma linha dos direitos fundamentais, está sendo dura e rapidamente corroída. Aprendemos com o melhor da tradição cristã que a fé sem obras, que a traduzam na vida e nas relações humanas, é vã, assim como se perdem as palavras que não incidem na realidade através de atos.
Falar da pátria brasileira, usar os seus símbolos, cantar o nosso belíssimo Hino Nacional só ganham significado quando se manifestam na concretude das decisões políticas e ações que afirmem a nossa soberania. Não é o que estamos assistindo. Somos testemunhas do contrário: a entrega das riquezas, do patrimônio nacional. Voltamos aos tempos sombrios da guerra fria quando o Brasil, em nome de combater o comunismo, submetia-se totalmente aos interesses dos Estados Unidos.
Estamos entregando o patrimônio nacional em nome das privatizações e do estado mínimo. Estado mínimo não garante a soberania nacional, não promove o desenvolvimento e o bem comum, não protege e preserva a vida como o valor maior e coesionador da sociedade, não viabiliza o projeto nacional brasileiro. A soberania nacional acolhe a propriedade privada, a livre iniciativa, a economia de mercado. A soberania nacional e popular se opõe ao capitalismo selvagem. Defende que a propriedade privada, a livre iniciativa, o empreendedorismo, a economia de mercado e a liberdade contratual estejam subordinadas às exigências superiores do Estado Democrático de Direito, do direito à vida, da justiça social, do bem comum, do projeto nacional, da soberania nacional e popular. Lembrando sempre que o dever primeiro de um Estado Soberano é defender o seu patrimônio e cuidar do seu povo.
A rigor, não existe estado mínimo. O Estado está sempre a serviço de interesses. O Estado neoliberal privatizado coloca-se a serviço das classes sociais mais ricas e dos grandes interesses econômicos, internacionais sobretudo, que dele, do Estado se apropriam. Temos sobre tudo e sobre todos, uma nova divindade, o bezerro de ouro dos nossos tempos; o deus mercado que sente, reage, fica nervoso, se acalma quando é feita a sua santa vontade, impõe seus desejos. Entendemos que o mercado, levado ao seu devido lugar, deve subordinar-se também aos superiores interesses do país, vale dizer, à soberania nacional e popular.
Assistimos no Brasil, entre tantos retrocessos, à privatização de empresas estratégicas à soberania e ao projeto emancipatório nacional: a PETROBRAS fatiada e privatizada justo quando chegamos ao pré-sal. Mais do que privatizada: entregue aos interesses de países economicamente mais poderosos. Estamos entregando a Embraer que tanto orgulho nos causa. Penso no legado notável do marechal-do-ar Casemiro Montenegro. E privatizar, entregar a Eletrobrás, não é também privatizar e entregar as nossas águas? Privatizam os Correios que tanto contribuiu e contribui para a integração nacional. Querem privatizar o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal que tanto fizeram e fazem, respectivamente, pela nossa agricultura e pelo direito à moradia, à casa própria. O que querem com os acordos de Alcântara, com a Amazônia Brasileira? Uma submissão crescente aos interesses dos EUA? Se, de um lado, devemos buscar sempre a cooperação e as trocas justas com outros países, cabe lembrar a advertência do Presidente Charles de Gaulle, que os franceses elegeram como o maior estadista de sua história, insuspeito de qualquer tendência esquerdista ou socialista, mas sempre atento aos interesses de seu país e aos sinais dos tempos. Disse De Gaulle, em dura advertência ao seu ministro das Relações Exteriores: “as nações não têm amigos, têm interesses”.
O primeiro dever de cada Estado, sem perder de vista os horizontes das relações internacionais e a busca permanente da paz, é defender os interesses do seu povo. Os donos do dinheiro não descansam. Querem sempre mais negócios e mais lucros. Crescem, é inegável, em setores empresariais sentimentos humanitários, de respeito ao meio ambiente, respeito ao trabalho e às trabalhadoras e trabalhadores, compromissos com o bem comum. Mas aprendemos com as lições da História e com as realidades presentes que o capital para adequar os seus objetivos econômicos ao desenvolvimento social deve ser democraticamente disciplinado pelo Estado, em nome da sociedade, e submetido aos superiores interesses do projeto nacional; o que queremos para o nosso país, pensando em nós e nas gerações futuras – vale dizer todas as ambições e interesses, em princípio legítimos, devem estar subordinados à soberania nacional, à soberania do povo.
Salve o Brasil!
Viva o povo brasileiro!”
Patrus Ananias é Deputado Federal (PT-MG) e Secretário Agrário Nacional do PT,
ex-ministro do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e do Ministério do Desenvolvimento Agrário nos governos Lula e Dilma, e ex-prefeito da cidade de Belo Horizonte (MG).