Os trabalhadores e a Constituinte

O atual sistema político é resultado do arranjo imposto pela transição conservadora da ditadura militar para a “Nova República”. Distorções herdadas do “entulho autoritário” e de medidas como o Pacote…

O atual sistema político é resultado do arranjo imposto pela transição conservadora da ditadura militar para a “Nova República”. Distorções herdadas do “entulho autoritário” e de medidas como o Pacote de Abril de 1977, que incluíam retrocessos como a eleição indireta de senadores “biônicos” para parte do Senado e distorções na composição das bancadas que representavam os estados menos populosos da federação, seriam assimiladas pelo “centrão” conservador que dirigiu os trabalhos da Constituinte de 1987/1988.

Na elaboração da nova carta constitucional, os movimentos sociais e organizações da classe trabalhadora denunciaram, desde o primeiro momento, o caráter conservador do Congresso Constituinte. Já em 1985, na sua primeira Plenária Nacional, a CUT denunciava a proposta do governo Sarney, de dar poderes constituintes ao Congresso ao invés de convocar uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana.

“O presidente sem povo quer impor uma Constituinte sem povo, desprezando a democracia e as reivindicações populares. Daí a derrota nas eleições municipais dos candidatos da “Nova República” nas principais capitais brasileiras. Por isso a retomada da luta pelas Diretas Já.”     (1ª PLENÁRIA NACIONAL DA CUT, dezembro de 1985)

Em 1986, no 2º Congresso da CUT, a central convocava os trabalhadores a construírem uma ampla “campanha nacional de lutas”, que tinha como uma das principais bandeiras a “Participação Popular na Constituinte”. Apontando a Greve Geral como o principal instrumento de luta da classe trabalhadora naquele momento político, o 2º Congresso também indicava entre os objetivos da campanha o de “criar condições políticas mais favoráveis para a luta em defesa dos interesses da classe trabalhadora na Constituinte”.

“A CUT (…) tudo fará para que o processo constituinte seja alavanca de mobilização, organização e conscientização dos trabalhadores. Neste sentido, ao mesmo tempo em que denuncia o caráter antidemocrático e anti soberano da constituinte atual, promove as mais variadas e amplas campanhas em torno das questões mais importantes da Constituinte; obriga os diferentes partidos e candidatos a se pronunciarem acerca das principais reivindicações dos trabalhadores de forma a desmascarar os falsos aliados dos trabalhadores.” (RESOLUÇÕES DO 2º CONGRESSO NACIONAL DA CUT, julho/agosto de 1986)

Ao fazer o balanço da atuação da central no período, o 3º Congresso Nacional da CUT (1988) destaca a “a deflagração, sob nossa iniciativa, da grande greve de 12 de dezembro de 1986, que se transformou na maior Greve Geral na história do país” e a importância da mobilização dos trabalhadores na coleta de assinaturas para as emendas populares, nos protestos e caravanas ao Congresso Constituinte para a garantia de alguns dos direitos sociais conquistados na nova constituição.

Em que pesem estas conquistas, o 3º CONCUT denuncia o caráter global da nova Constituição, indicando apoio ao voto contrário o texto final:

“A avaliação dos resultados da Constituinte deixa claro que muitas reivindicações não foram alcançadas. Vários direitos não estão inscritos. As Diretas Já foram derrotadas e Sarney garantiu seus cinco anos. A estrutura sindical, embora registre algumas modificações, não assegura a ampla liberdade de organização que a classe trabalhadora brasileira exige. Sobretudo, a nova Carta se ergue contra a reforma agrária – marcando inclusive um retrocesso em relação ao Estatuto da Terra redigido pelos militares – e define as Forças Armadas como fiadoras e guardiãs da Constituição, colocando, portanto, a sociedade brasileira sob tutela militar, num permanente convite ao golpe, cuja realização está, de antemão, juridicamente legitimada. Mas é impossível não reconhecer que houve conquistas no novo texto constitucional.” (RESOLUÇÕES DO 3º CONGRESSO NACIONAL DA CUT, setembro de 1988).

Constituinte para mudar o sistema político

A partir deste rápido panorama das posições da CUT no processo de elaboração da Constituição de 1988, percebemos a importância da mobilização popular para garantir alterações constitucionais de interesse dos trabalhadores e os limites do último processo constituinte do país.

Passados mais de 25 anos da elaboração da constituição, o sistema político permaneceu em linhas gerais com o mesmo desenho ali definido. Em 1993, é realizado um plebiscito sobre o sistema e forma de governo que reafirma o presidencialismo e a república. Novas leis seguiram regulamentando o modelo, bem como diversas propostas de reforma política despontaram no debate público.

A partir dos governos Lula e Dilma, outras tentativas de reforma política seriam novamente frustradas. A leitura de que o atual Congresso, por reunir em sua maioria beneficiados pelo atual sistema político, não fará uma reforma política popular, passou a impulsionar a proposta de uma constituinte exclusiva para a reforma política.

A partir das manifestações de junho de 2013, a proposta é retomada em um primeiro momento pela presidenta Dilma e depois de forte reação do Congresso, da mídia e do judiciário, os movimentos sociais, centrais sindicais e outras entidades assumem a pauta e a realização de um plebiscito popular sobre o tema como prioridade.

“As manifestações de junho também recolocaram no centro do debate nacional a necessidade de uma mudança profunda no atual sistema político brasileiro através de uma reforma política, defendida há muito tempo pela CUT. Compreendendo que o atual Congresso não fará esta reforma, nem as outras (reforma agrária, reforma tributária, democratização dos meios de comunicação) necessárias para transformar o Brasil num país mais democrático e justo, a CUT organizou junto com movimentos sociais a campanha pelo Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político.” (TEXTO BASE da 14ª Plenária da CUT)

No mesmo período, a CUT sistematizaria, em carta enviada à presidenta Dilma Rousseff, um conjunto de pontos que a Central considera fundamentais numa reforma política:

“1. Fim do financiamento privado das campanhas eleitorais, que macula indelevelmente o processo eleitoral, e que é fonte importante de corrupção;

2. Voto proporcional em lista partidária, com alternância de sexo, definida em convenções partidárias democráticas e  transparentes, a partir de critérios públicos;

3. Fidelidade partidária e programática;

4. Diminuição do número de assinaturas para projetos de Iniciativa Popular e mecanismos de facilitação de coleta;

5. Tramitação diferenciada e prioritária dos projetos de lei de Iniciativa Popular

6. Inclusão de mecanismos para a democratização do Poder Judiciário e impedimento de judicialização de conflitos;

7. Combate à corrupção, tornando-a crime inafiançável;

8. Fim da imunidade parlamentar para crimes penais e de corrupção;

9. Fim do Senado;

10. Proporcionalidade de representação dos Estados da Federação;

11. Eliminação de cláusulas de barreira;

12. Institucionalização do caráter deliberativo das Conferências de políticas públicas e dos Conselhos Nacionais;

13. Estabelecimento de limite mínimo de 18 anos de idade para concorrer a cargos eletivos, permitindo uma saudável e necessária renovação geracional.”

Além desses importantes eixos de mudança do sistema político, a reforma política também é fundamental para ampliar a representação dos trabalhadores na política e para o avanço da pauta da classe trabalhadora num Congresso Nacional fortemente marcado pelos interesses empresariais e não raro contra os direitos dos trabalhadores.

O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), em pesquisa qualitativa com os deputados e senadores, apontou o perfil dos eleitos em 2010.  De acordo com o levantamento, a maior bancada seria a dos empresários. Reunindo ao todo 273 parlamentares (246 deputados e 27 senadores), a bancada empresarial representa 45% do Congresso Nacional. A bancada sindical, por sua vez, contaria com 72 representantes, sendo que 64 são deputados e 8 senadores.

Em tal correlação de forças, a pauta da classe trabalhadora enfrenta muitas dificuldades para avançar. Não é à toa que parte desta pauta considerada essencial pelo movimento sindical, é bloqueada pela bancada do Capital no Congresso, como a redução da jornada de trabalho sem redução de salários (PEC 231/1995), a retirada definitiva do PL 4330/2004 de terceirização e o fim do fator previdenciário (PL 3.299/2008).

Para alterar esta situação, é fundamental o engajamento do movimento sindical no enraizamento da  bandeira da Constituinte e da reforma política nos locais de trabalho e nas lutas dos trabalhadores.

A ampliação da mobilização social, combinando luta de massas, uma grande votação durante o plebiscito popular pela Constituinte e a eleição de um maior número de parlamentares comprometidos com esta pauta, poderá reposicionar o tema da reforma política no próximo período como pauta prioritária para a classe trabalhadora e ampliando as possibilidades de sua realização.

Bruno Elias é da executiva nacional do PT. Este texto foi publicado, com acréscimos, na segunda edição da revista Esquerda Petista.

 

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