Bolsonaro defendeu grupos de extermínio que matavam por R$ 50

Estudo mostra que milícias que atuavam na Bahia , elogiadas por Bolsonaro em discurso no ano de 2003, assassinavam a mando de comerciantes locais

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Jair Bolsonaro

No dia 12 de agosto de 2003, Jair Bolsonaro, então em seu quarto mandato, foi ao microfone do plenário da Câmara dos Deputados e fez veemente defesa dos crimes de extermínio – grupos armados que caçam e assassinam supostos bandidos e desafetos, à revelia da lei. O motivo para a apaixonada fala era a ação de um esquadrão da morte que vinha aterrorizando a Bahia desde o início daquela década.

A agência Sportlight revelou na quinta-feira (11) que a fala do deputado, registrada nos arquivos da Câmara Federal, omitiu o mais importante: os grupos cobravam valores em torno de R$ 50 passa assassinar jovens, em uma verdadeira indústria da morte.

“Quero dizer aos companheiros da Bahia — há pouco ouvi um parlamentar criticar os grupos de extermínio — que enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se não houver espaço para ele na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo o meu apoio, porque no meu estado só as pessoas inocentes são dizimadas. Na Bahia, pelas informações que tenho — lógico que são grupos ilegais —, a marginalidade tem decrescido. Meus parabéns””, disse Bolsonaro na ocasião.

Os grupos parabenizados por Jair Bolsonaro foram responsáveis por centenas de mortes em todo o país. Apenas no ano 2000, foram registradas 146 mortes causadas por ações de grupos de extermínio em Salvador. A maioria absoluta era de jovens negros e favelados.

No ano seguinte as estatísticas subiram drasticamente, chegando a 321 assassinados pelos esquadrões da morte. Em 2002 foram mais 302 assassinatos. Os números são da “Comissão de Direitos Humanos” da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia (Alba), no mesmo ano do discurso de Bolsonaro. A dimensão do genocídio gerou a criação da uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Assassinato de Jovens em Brasília e na assembleia baiana.

Comércio da morte

Os assassinatos eram parte de um comércio que financiou o grupo de extermínio exaltado pelo parlamentar que hoje concorre à presidência.

De acordo com estudo “Entre o vigilantismo e o empreendedorismo violento“, do advogado Bruno Teixeira Bahia, defendido em 2015 no mestrado em Ciências Sociais na Universidade Federal da Bahia (UFBA), os grupos “eram compostos, em sua maioria, por policiais e ex-policiais civis e militares, ressaltando, ainda, que em quase todos os casos as vítimas eram jovens, negros e pobres, com idade entre 14 e 26 anos e sem passagem pela polícia”.

Ainda segundo o trabalho, os assassinatos elogiados como política de segurança por Bolsonaro, em sua maioria eram precedidos de tortura.

“As vítimas, em geral, são encontradas com marcas de tiros em pontos vitais, geralmente na cabeça, nuca e ouvido. Além dos disparos, também eram levadas em consideração outras marcas deixadas nos corpos das vítimas, como mãos amarradas, sinais de tortura, tais como unhas e dentes arrancados, hematomas por todo o corpo e, às vezes, o ateamento de fogo ao cadáver”.

O mais contundente dado é comprovação das investigações e inquéritos judiciais, além da CPI, de que o extermínio organizado foi um grande comércio de mortes. Em Juazeiro, interior do estado, os assassinatos eram encomendadas muitas vezes por comerciantes. Valores entre R$ 50 e R$ 100 pagavam um assassino de aluguel desses grupos.

“Uma quadrilha formada por comerciantes que pagavam a importância de 50 a 100 reais pela morte de delinquentes com diversas entradas na delegacia regional de Juazeiro por pequenos crimes contra o patrimônio. Apesar do reconhecimento oficial da existência de um grupo que trabalhava em prol do extermínio de pessoas com passagens pela polícia, inclusive com a descoberta de uma rede de pagamento formada por comerciantes locais, o silêncio marcou o depoimento do então comandante da polícia de Juazeiro quando a questão era quem seriam ou como agiam os executores”, conta o advogado e cientista social.

Depoimento tomado junto a policial revela discurso bem próximo ao do parlamentar. As definições “pessoas boas”, “vagabundo”, além da reclamação pela existência de leis que proíbem o assassinato, comuns no discurso do parlamentar, estão presentes na fala do integrante do grupo:

“E é assim, a nossa tristeza é porque a população, as pessoas boas merecem um bairro com respeito, eles não tem. O vagabundo mata, estupra, faz e acontece, ninguém toma providência”, justificava o policial.

Transformado em negócio por essas milícias, os assassinatos exaltados por Bolsonaro logo cruzaram novas fronteiras. Pela remuneração, o alvo dos exterminadores se ampliou. “Em um caso especialmente narrado lembrou que fora descoberto que a vítima, apontada como bandido, na verdade não o era. Tinha assim sido indicada pelo policial por ter cortejado a mulher do mesmo”.

“O entrevistado também destacou que somente matou bandido e confessou ter feito isso tanto em serviço como para ganhar dinheiro de comerciantes. Contudo, relatou que nesta prática ‘às vezes as coisas fugiam um pouco do controle’, confirmando que nem sempre os alvos dos integrantes do grupo eram bandidos, como no caso descrito no parágrafo anterior e como em outras oportunidades quando algum policial que agia no grupo resolvia matar outras pessoas, mesmo que estas não tivessem envolvimento na prática de crimes”.

De acordo com o estudo, o uso da violência e seu oferecimento como serviço, logo acabou se tornando um mercado na região.

“O uso da violência pelos membros de um grupo de extermínio não pode ser limitado à concepção de combate à ação dos “bichos” ou dos “bandidos”. Ser capaz de usar a violência e estar disposto a fazê-lo diferencia o agente no meio social em que vive e o credencia a usar suas habilidades como capital social dentro de um mercado econômico, já que, como visto, não há controles informais que o impeça de assim agir. A capacidade no uso da violência, como desenvolvimento de uma carreira moral, torna o agente, perante a sociedade, especializado para a realização de atividades com valor financeiro, em um verdadeiro mercado da violência”.

A política de eliminação transformada em negócio logo vira relação promíscua, como está em depoimento do livro de Bruno Bahia. “E também tem assim, se tem os traficantes que a gente já conhece “das antiga”, da nossa época, ele comanda a porra dele, tipo assim, ele não deixava que nada acontecesse naquela área e a gente ficava de boa, e cá também, ele não bagunça e a gente fica de boa. Tinha um que “pagava a etapa” toda semana”.

Por fim, o estudo sobre o “empreendedorismo violento” mostrou que a atuação violenta de profissionais do estado em milícias acabava espalhando a violência pelas comunidades.

“Se o agente se acostuma ao uso da violência e desenvolve habilidades no trato com a mesma não é desarrazoado supor que tais habilidades o acompanhem tanto em tarefas exercitadas fora do policiamento oficial, quanto nos chamados serviços de seguranças clandestinos. Do combate à criminalidade, à resolução de contendas pessoais, passando pela venda dos serviços no setor privado, seja lícito (comércio) ou ilícito (tráfico de drogas), a morte se apresenta como uma ferramenta, afiada e azeitada por anos dentro das práticas policiais”.

Da redação da Agência PT, com informações do Spotlight

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