Com dolarização, gás natural pode aumentar até 4 vezes e derrubar produção
Utilizado na indústria e em termelétricas, combustível mais caro alimentará ainda mais uma inflação já insuportável. Ministros terão que explicar altas abusivas
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A campanha da gestão do general Joaquim Silva e Luna para transformar a Petrobras numa espécie de estorvo inflacionário, e assim justificar o discurso privatista de Jair Bolsonaro, avançou nesta semana. A estatal anunciou que os novos contratos de fornecimento de gás natural em negociação com as concessionárias estaduais conterão preços aumentados entre duas e quatro vezes. O motivo é o recorrente: a dolarização.
Para atender a demanda nacional em 2022, informa a Petrobras, será preciso complementar a oferta importando de gás natural liquefeito (GNL). No momento, o produto sofre um choque de preços no mercado internacional.
Em novembro de 2020, o preço era de US$ 5,27 por milhão de BTU (unidade térmica britânica). Agora, está em US$ 27,14. Somado a isso, o real se desvaloriza perante o dólar. Como resultado, haverá ainda mais pressão inflacionária.
Além de ser um insumo fundamental para vários ramos da indústria, o GNL abastece as usinas termelétricas, ativadas quando há pouca oferta da matriz hidrelétrica. É o caso atual, de crise hídrica gerada pela má gestão dos reservatórios pelo desgoverno Bolsonaro. Ao final, o impacto do aumento do gás, tanto nos custos de produção da indústria quanto nas contas de luz, acabará recaindo sobre todos os consumidores.
O anúncio da Petrobras levou a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás) a entrar com representação contra a estatal no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), nesta quinta-feira (11).
Segundo a entidade, a Petrobras apresentou propostas de contrato com diferentes prazos de validade e valores. Para acordos mais curtos, de seis meses a um ano, o aumento pode ser de até quatro vezes. Nos contratos mais longos, de quatro anos, o preço do gás pode “apenas” dobrar.
O preço da molécula do gás praticado no momento pela Petrobras – US$ 8 o milhão de BTU – pode variar de US$ 20 a até US$ 35 o milhão de BTU no início do ano que vem. Em janeiro de 2022, 70% dos contratos com as concessionárias para 2022 estarão vencidos, e as empresas correm para fechar novos acertos até o fim do ano.
Augusto Salomon, presidente da Abegás, afirma que o Termo de Cessação de Conduta (TCC) assinado pela Petrobras com o Cade em 2019, que visava a abertura do mercado para a comercialização de gás natural, não está gerando resultados.
“Com venda de ativos (decorrente do TCC), a Petrobras ficou sem terminal de importações da Bahia por dois anos e ficou sem gás que podia comprar de parceiros dos campos do pré-sal”, disse à Folha de São Paulo. “Basicamente só tem o gás que produz. Desse gás, consome 14 milhões de metros cúbicos por dia em suas atividades.”
O dirigente diz que produtores e importadores privados têm disputado contratos, mas com volumes insuficientes para substituir a estatal. Segundo ele, as petroleiras privadas com reservas no país têm pouco interesse em vender gás, porque tomaram decisões de investimento considerando o aumento da produção de óleo, e não a distribuição.
Ao Valor Econômico, uma fonte da Petrobras confirmou que, em função da venda de campos produtores e do arrendamento do terminal de GNL da Bahia, a companhia tem hoje capacidade mais limitada de suprimento e depende mais do GNL importado. Daí a necessidade, diz, de atrelar os novos preços à realidade de estresse do mercado global.
Ministros e presidente da Petrobras terão que se explicar
Na terça-feira (9), a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou a convocação do ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, e do presidente da Petrobras, além de convite ao ministro-banqueiro Paulo Guedes, para que expliquem a alta abusiva dos combustíveis. A audiência pública será agendada nos próximos dias.
O líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA), afirmou que eles precisam dizer à sociedade por que o combustível está tão caro e sofrendo tantos reajustes, como se o Brasil tivesse voltado aos tempos de hiperinflação. “Precisamos discutir o papel da Petrobras e principalmente preço do combustível, esclarecer essa história da dolarização e o impacto que isso tem gerado para a inflação no país”, defendeu.
Para o coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, “a escalada da inflação tem nome, sobrenome e endereço: Preço de Paridade de Importação adotado pela direção da Petrobras.” Segundo ele, “graças ao PPI, os combustíveis, também em outubro, foram grandes culpados pela alta generalizada do custo de vida. E continuarão assim, enquanto essa política de empobrecimento da sociedade brasileira não mudar”.
Projeções do economista Cloviomar Cararine, do Departamento Intersindical de Estudos Socioeconômicos (Dieese), subseção FUP, apontam que a inflação vai terminar o ano acima dos 10%, contrariando estimativas mais otimistas do Banco Central. “Lembro que o Banco Central errou nos meses anteriores”, afirmou, chamando atenção para os “efeitos do PPI se consolidando no aumento da inflação do país”.
“O preço caro do botijão, da gasolina, e do diesel, que por sua vez possui impacto multiplicado para toda a economia, é meramente uma escolha política do poder econômico do país e que se reflete no atual governo, mas que vem desde o governo Temer”, descreve o economista.
“Essa política visa aumentar a distribuição do lucro para os acionistas da Petrobras e, principalmente, possibilitar que o setor privado consiga ser competitivo no país. Ou seja, é uma forçada abertura de mercado, à custa de toda a população e do futuro do país”, conclui Cararine.
Para o mercado financeiro, “Petrobras está barata”
Indiferente à distorção do papel social que a Petrobras, por estatuto, deve cumprir, Andy Hecht, ex-trader sênior de uma das principais casas de comércio de commodities do mundo, Philipp Brothers (agora parte do Citigroup), anuncia: “Petrobras Está Barata e Pode Voltar a Crescer em 2022”.
“Ao nível de US$10,20 em 1 de novembro, as ações da Petrobras estão muito mais perto das mínimas do que das máximas, enquanto o petróleo não para de subir”, afirma o analista financeiro em artigo para o Investing.com. “Mesmo assim, suas ações oferecem valor e a companhia recompensa os acionistas com bons dividendos, enquanto estes esperam a valorização do seu capital.”
Nascido e criado em Las Vegas, a meca mundial da jogatina, Hecht chama a atenção para o movimento autista dos produtos petrolíferos pelo mundo, promovido pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Para ele, as petrolíferas em melhores condições de lucrar são as produtoras atuais.
“A Petrobras é uma empresa de energia multinacional que pode se valorizar após anos de pressão de vendas devido ao conturbado ambiente político no Brasil. Ela paga um dividendo anual de US$1 por ação, o que corresponde a um rendimento de 10,18%, bem acima da média do mercado”, aponta ele. “As novas máximas do petróleo podem fazer com que esse bom momento operacional perdure pelos próximos trimestres.”
Segundo Hecht, “o Brasil vive um pesadelo político e econômico, mas as ações da PETR estão uma pechincha no mercado de petróleo”. Por isso, “eu estou aproveitando as correções da PETR para comprar seus papéis, que oferecem um dos valuations mais atraentes entre as empresas mundiais de energia integrada”. “A relação risco-retorno favorece a alta, já que os preços do petróleo não param de subir”, concluiu o analista.
Da redação, com imprensa FUP