Contribuição da Democracia Socialista para a Tribuna de Debates
É preciso reencontrarmos com as lutas e anseios do nosso povo, contribuir com sua organização com um programa capaz de ganhar sua confiança.
Publicado em
“Se as coisas são inatingíveis… ora!
Não é motivo para não querê-las…
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!”
Mario Quintana
A extrema-direita mostrou que veio para destruir, mas já começa a perder bases populares. Nossa tarefa urgente é construir a alternativa de esquerda capaz derrotar o governo Bolsonaro e mudar os rumos do Brasil e do seu papel no mundo.
Para isso é preciso reencontrarmos com as lutas e anseios do nosso povo, contribuir com sua organização com um programa capaz de ganhar sua confiança. É necessário construir uma frente democrática e popular para unir as forças da classe trabalhadora, impedir as políticas de austeridade, defender a democracia e apresentar-se como alternativa de governo.
Somente é possível construir essa perspectiva a partir do programa histórico do socialismo democrático e de uma clara compreensão dos desafios da luta de classes hoje no Brasil e no Mundo.
O programa histórico do socialismo democrático faz parte das conquistas dos 39 anos do nosso partido. A democracia como conquista da classe trabalhadora é fundamental nos dias de hoje. A defesa do pluralismo e da frente única também. A natureza anti-capitalista do nosso projeto e a utopia socialista são bússolas insubstituíveis. Precisamos recompor, aprofundar e conferir atualidade ao programa socialista-democrático.
A definição tática exige decifrar o curso da luta política desencadeada a partir do golpe de 2016, da prisão de Lula, da eleição de um governo neoliberal de extrema-direita. Se a unidade das classes dominantes é potente, já demonstramos por quatro vezes, em processo eleitoral, que não é imbatível. Estamos em momento em que essa questão decisiva está recolocada. Aliás, mais rápido do que imaginávamos.
Estar à frente desse processo é papel do PT. A Democracia Socialista lutará para que isso aconteça.
Derrotar o governo Bolsonaro, construir a saída democrática para a crise brasileira
O governo Bolsonaro é uma violação permanente dos direitos do povo brasileiro e do exercício das liberdades democráticas previstas na Constituição de 1988. Aprofunda o cenário de semi-estagnação econômica e desemprego permanente. No plano mundial, alinha-se ao que há de pior. A comemoração oficial do golpe militar de 1964 retrata bem esse quadro.
O seu programa é francamente antipopular, antiestatal e antinacional. Na história do desenvolvimento econômico latino-americano essa tríade implicou sequer em baixo crescimento. A tendência é uma franca contradição entre o programa econômico ultraliberal e a manutenção do apoio e mobilização de setores médios e populares manipulados pela extrema-direita (que serão mais duramente atingidos pelo ultraliberalismo).
A destruição da Previdência Pública, objetivo do seu governo, levou ao aumento da impopularidade, inclusive nos setores populares e médios que nele votaram.
Já nos primeiros meses o Governo se desgasta e enfrenta resistência.
Três razões concorrem para uma dinâmica de rejeição. A principal delas é a continuidade e o agravamento da crise econômica e social que corrói exatamente mais o seu apoio nas áreas populares. Não há perspectiva de emprego. A segunda é a perda rápida da falsa imagem de adversário implacável da corrupção, com uma série de escândalos envolvendo-o diretamente e à sua família. Por fim, as lutas sociais demonstram capacidade de mobilização e resistência, impondo mais limites a já manifesta incapacidade do governo Bolsonaro.
O crescimento rápido da impopularidade de Bolsonaro aprofunda as tendências de crise de governabilidade, cujas dinâmicas iniciais já são visíveis. A crescente impopularidade e crise de governo potencialmente instalada minam sua legitimidade. Enfraquece muito a hipótese de criação de um movimento de massas organizado, centralização do poder político, criminalização generalizada da esquerda e dos movimentos sociais, controle ideológico e repressivo das atividades educativas e culturais.
Esta deslegitimação tem atingido com força a Operação Lava Jato que, com a entrada de Sérgio Moro no Ministério da Justiça, se tornou orgânica ao governo Bolsonaro. A politização escandalosa da Operação Lava-Jato, a tentativa ilegal de criar um fundo bilionário a partir de acordos ilegais e secretos com o Departamento de Estado norte-americano, a derrota do objetivo de centralizar os processos de crime de Caixa 2, a oposição forte ao chamado “pacote anticrime” enviado ao Congresso Nacional, evidenciam a retomada da deslegitimação da Operação Lava-Jato.
A tendência instalada de crise do governo Bolsonaro – impopularidade, corrosão de sua legitimidade fraudulenta, provável ingovernabilidade – está em claro descompasso com a capacidade do PT e das esquerdas brasileiras em oferecer uma saída democrática para a crise do país.
Essa é a questão crucial a superar!
Na ausência de um deslocamento da situação política à esquerda, alternativas conservadoras se colocariam. A militarização do poder – já em estado avançado – ou a opção por saídas casuísticas (como, por exemplo, um parlamentarismo ou a posse do atual vice-presidente) se apresentariam em um quadro de agudização de uma crise.
É fundamental construir a alternativa democrática e popular frente a crise que se desenvolve. Cabe ao PT a iniciativa de reunir forças nesse sentido.
O PT e a frente democrática e popular
A questão democrática central e a chave da evolução política do país é compreender os caminhos para construir a maioria — na verdade, a unidade — da classe trabalhadora em torno do seu programa de direitos sociais e democráticos. O processo de construção da unidade da classe trabalhadora e da maioria do povo foi profundamente erodido nos anos 2015 a 2018 por erros cometidos pelo PT (sobretudo, com a guinada neoliberal na política econômica) e pelo profundo ataque das forças da direita. Assim, ocorreu o enfraquecimento social da classe trabalhadora gerado pelo desemprego, com consequências sobre os sindicatos e centrais sindicais, e regressão nos níveis de consciência política causada pelas derrotas.
Compreendendo que a força social capaz de liderar a luta pela democracia é a classe trabalhadora, devemos afirmar que a questão democrática central é a construção da unidade da classe trabalhadora e da maioria do povo, a recuperação da confiança nas suas próprias forças para defender seus direitos imediatos e ousar lutar por um futuro que valha a pena.
É nesse sentido estratégico que se coloca, em primeiro lugar, a frente única de todas as forças políticas que se propõem a defender a classe trabalhadora.
A construção de uma frente democrática e popular deve ser concebida como de resistência e, ao mesmo tempo, de construção de unidade política para apontar e sustentar uma saída de esquerda para a crise do país. As alianças construídas no segundo turno das eleições presidenciais, as iniciativas conjuntas do PT com PCdoB, PSOL, PSB, PDT, Rede e PCB, a unidade do movimento sindical contra a destruição da Previdência pública, a aliança de esquerda frente a eleição da mesa da câmara, as mobilizações de intelectuais, de artistas e lideranças religiosas são evidências de que é possível e necessária esta construção. A frente democrática e popular deve dialogar com as dinâmicas de lutas unitárias da Frente Brasil Popular e da Frente Povo Sem Medo, isto é, com o processo de luta social e com suas dimensões culturais, religiosas, feministas, antirracistas e anti-homofóbicas.
O centro programático da frente democrática e popular é a combinação da defesa da democracia e dos direitos dos trabalhadores e direitos sociais atacadas pelas políticas econômicas neoliberais. Unir a defesa da democracia e a luta contra as políticas de austeridade. Unir as lutas pela liberdade e as lutas pela igualdade.
A construção da frente democrática e popular deve partir da memória da ampla frente de mobilização social e partidária pela rejeição de Bolsonaro e pela eleição de Haddad/Manuela no segundo turno das eleições presidenciais de 2018. Neste mesmo sentido, ela deve incluir no seu centro a luta pela liberdade de Lula e a exigência do esclarecimento dos mandantes do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. Em um mesmo sentido, a frente democrática e popular deve defender um ponto de vista feminista, antirracista e antihomofóbica, expressando a centralidade da luta pelos direitos das mulheres, do povo negro e LGBT. A luta contra a opressão, pela igualdade, pela liberdade e direitos das mulheres, dos negros e dos LGBTs são parte e devem se compor à luta pelos direitos sociais e direitos da classe trabalhadora.
Em contraponto às medidas de austeridade, cabe à frente democrática e popular ir construindo, alternativamente, propostas que criem, de forma estratégica, um novo horizonte de desenvolvimento econômico e democratização. Barrar a austeridade neoliberal exige um programa alternativo.
Crise de governo e alternativa democrática e popular
Cem dias de governo mostram a formação de uma crise de governo. Ela ainda se desenvolve no interior do círculo do poder mas tem raizes que vão além dos conflitos internos. O conflito mais profundo — que precisa emergir e transformar a natureza da crise — se dá entre o programa ultraliberal e os interesses das massas populares (inclusive aquelas que votaram na extrema-direita), entre a alternativa politica das classes dominantes e a alternativa das classes trabalhadoras.
A disputa presidencial liderada pelo PT, a presença de Lula na memória das massas, as mobilizações sociais e as ações unitárias da esquerda tornam possível — e não ilusório — formular a tarefa central de confrontar e impedir na prática a execução do programa ultraliberal. E, passo simultâneo, construir uma saída democrática e popular para a crise.
Essa hipótese afasta-se daquelas que, sob o efeito da derrota, atribuem ao inimigo força maior do que dispõe e reduz as lutas e a acumulação política à resistência. Não há dúvida que esse aspecto é essencial, mas insuficiente. A correlação de forças permite ir além e construir uma frente democrática e popular como alternativa de governo.
Nossa hipótese se distancia também do modelo eleitoral de disputa política que enxerga no calendário das eleições os momentos de confrontação e esquece que eles somente terão esse caráter se permeados de acumulação de lutas, consciência e formas de organização para além do desejo do votar.
Uma saída democrática compreende um processo de soberania popular no qual cabe ao povo a escolha do governo — através de novas eleições — e uma alternativa programática capaz de arrebatar as esperanças em uma mudança oposta ao ultraliberalismo e à extrema-direita, vale dizer, no rumo de uma transformação radicalmente democrática do ponto de vista político e social.
Lula Livre!
Por Democracia Socialista (DS)
ATENÇÃO: ideias e opiniões emitidas nos artigos da Tribuna de Debates do PT são de exclusiva responsabilidade dos autores, não representando oficialmente a visão do Partido dos Trabalhadores