Dilma Rousseff: “Para os países em desenvolvimento, a dívida é um fardo excessivo”
Na abertura da 9ª Reunião Anual do Banco dos BRICS, na África do Sul, nesta sexta (30), presidenta da instituição defendeu nova arquitetura financeira global, financiamento verde e uso de moedas locais
Publicado em
Na abertura da 9ª Reunião Anual do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), O Banco dos BRICS, na Cidade do Cabo (África do Sul), Dilma Rousseff falou sobre os desafios enfrentados pelos países em desenvolvimento para crescer de forma sustentável. A presidenta da instituição destacou a necessidade de uma nova estrutura financeira internacional que promova investimentos em economias emergentes, reduzindo a dependência das políticas monetárias de países ricos. “Para os países em desenvolvimento, a dívida é um fardo excessivo”, afirmou.
Para Dilma, desenvolvimento sustentável não é só sobre preservar o meio ambiente, envolve também inclusão social e crescimento econômico. No entanto, esses objetivos só podem ser alcançados com mudanças nos mecanismos financeiros globais, especialmente na forma como a dívida pública é gerida: “os governos precisam de espaço fiscal para investir em desenvolvimento, combater as mudanças climáticas e alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”.
Leia mais: Afogados em dívidas, países pobres asfixiam investimentos sociais para pagar credores
Dívida e desigualdade
A presidenta do NDB lembrou que a dívida pública é um obstáculo ao crescimento dos países em desenvolvimento. Segundo ela, os pagamentos de juros estão aumentando mais rápido do que os investimentos em áreas essenciais, como saúde, educação e infraestrutura. Essa situação se acentua com a alta das taxas de juros internacionais e a desvalorização das moedas locais e acaba criando um ciclo de endividamento.
Dilma defendeu também a necessidade de atrair mais recursos estrangeiros e reduzir o peso da alta de juros. E afirmou que é preciso “desenvolver alternativas, como o financiamento em moeda local, para ampliar o espaço fiscal para investir”. Ela destacou ainda que o NDB planeja oferecer 30% de seu financiamento em moedas locais até 2026, ajudando a estabilizar as economias emergentes.
Leia mais – Dilma: arquitetura financeira mundial restringe desenvolvimento dos países mais pobres
Financiamento verde e sustentável
Para atingir as metas de sustentabilidade, é imperativo que os países em desenvolvimento tenham acesso ao financiamento verde. Segundo Dilma, o banco se compromete a torná-lo mais disponível aos seus membros. “Estamos aqui para discutir e examinar iniciativas cooperativas que abordam questões sociais e ambientais urgentes”, disse.
Ela também lembrou que a reunião anual da instituição é uma oportunidade única para discutir novos motores de crescimento, compartilhando as melhores práticas entre os membros do banco. E expressou confiança de que as conversas ajudarão a avançar tanto na teoria quanto na prática do financiamento para o desenvolvimento sustentável: “estou confiante de que teremos discussões particularmente frutíferas sobre esses temas”.
O discurso de Dilma Rousseff reforça a urgência de reformar a governança financeira global para torná-la mais justa. Sua defesa de novas formas de financiamento e do uso de moedas locais mostra um caminho para que os países em desenvolvimento possam controlar seus destinos e reduzir sua dependência dos mecanismos de financiamento dos mais ricos.
Íntegra do discurso de Dilma Rousseff:
9ª REUNIÃO ANUAL DO CONSELHO DE GOVERNADORES DO NOVO BANCO DE DESENVOLVIMENTO
SESSÃO DE ABERTURA
Primeiramente, gostaria de estender minhas cordiais saudações a:
Sua Excelência Paul Mashatile, Vice-Presidente da África do Sul
Gostaria de cumprimentar todos os ministros
Sua Excelência Enoch Godongwana, Ministro das Finanças (África do Sul)
Sua Excelência Mohamed Bin Hadi Al Hussaini, Ministro das Finanças (Emirados Árabes Unidos)
Minha querida amiga Sua Excelência Rania Al Mashat, Ministra da Cooperação Internacional (Egito)
Sua Excelência Ivan Chebeskov, Vice-Ministro das Finanças (Rússia)
Sua Excelência Liao Min, Vice-Ministro das Finanças (China)
Sua Excelência Guilherme Mello, Vice-Ministro das Finanças (Brasil)
Sua Excelência Manisha Sinha, Secretária do Departamento de Assuntos Econômicos (Índia)
Sua Excelência Shahriar Kader Siddiky, Secretário de Relações Econômicas (Bangladesh)
Em nome do Novo Banco de Desenvolvimento, gostaria de agradecer calorosamente ao Vice-Presidente Paul Mashatile e ao Governo da África do Sul por nos receber na bela cidade de Cabo.
Também gostaria de cumprimentar todas as autoridades, representantes dos nossos países-membros, organizações internacionais, bancos multilaterais de desenvolvimento e líderes empresariais presentes nesta sessão de abertura da 9ª Reunião Anual do NDB.
O tema central desta reunião — “Investindo em um Futuro Sustentável” — está no cerne das atividades do Banco e é uma das prioridades mais importantes para a comunidade internacional.
Isso está baseado na ideia de que o crescimento econômico, a inclusão social e a proteção ambiental estão interconectados e devem ser perseguidos simultaneamente. Esse é o significado do desenvolvimento sustentável. Essa visão foi cristalizada nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas de 2015, que fornecem um quadro abrangente para enfrentar esse desafio global.
Para nossos países, o desenvolvimento econômico sustentável também exige uma base industrial e capacidade em ciência, tecnologia e inovação que contribua para a expansão da produtividade e a criação de melhores empregos. Também requer colaboração entre governos, empresas e indivíduos para criar sistemas que sejam economicamente viáveis e ambientalmente amigáveis. Por outro lado, mudanças sistêmicas, especialmente na arquitetura financeira internacional, são urgentemente necessárias.
Como sabemos, mercados emergentes e países em desenvolvimento enfrentam desafios significativos para alcançar o desenvolvimento sustentável, como desigualdade, pobreza extrema, infraestrutura inadequada e acesso insuficiente à educação, saúde e habitação. Para nós, a transição justa exige um enorme volume de recursos e financiamento de longo prazo.
No entanto, parece improvável mobilizar mais investimentos para o desenvolvimento sustentável sem enfrentar a questão da dívida. De acordo com estimativas do Banco Mundial, as dez economias desenvolvidas do planeta têm uma dívida combinada de cerca de US$ 87 trilhões. Financiar tais dívidas públicas elevadas consome uma parte significativa da enorme liquidez disponível nos mercados internacionais. Essa liquidez poderia, de outra forma, ser canalizada para financiar a dívida de países em desenvolvimento e, assegurar os investimentos necessários para um desenvolvimento sustentado.
Para os países em desenvolvimento, a dívida torna-se um fardo excessivo. Como sabemos, o espaço fiscal é essencial para garantir que os governos possam investir simultaneamente em ações de desenvolvimento, combater as mudanças climáticas e alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). No entanto, a dívida dos países em desenvolvimento está crescendo muito e muito rápido.
Por exemplo, os pagamentos de juros nos países em desenvolvimento aumentaram mais rapidamente do que os gastos públicos com infraestrutura, saúde, educação e habitação na última década. Choques externos, como o aumento das taxas de juros nos mercados internacionais e as desvalorizações excessivas de suas moedas, acabam alimentando um ciclo vicioso de endividamento. O desajuste entre a dívida em moeda forte e a receita gerada pelos projetos cria uma barreira para o investimento soberano e não soberano nas economias em desenvolvimento.
Para isso, precisamos implementar duas ações:
em primeiro lugar, é necessário canalizar a liquidez internacional para os países em desenvolvimento e reduzir o peso das altas taxas de juros;
em segundo lugar, desenvolver alternativas como o financiamento em moeda local para ampliar o espaço fiscal para investir.
Portanto, novas soluções financeiras são necessárias para mercados emergentes e países em desenvolvimento. Diversificar as fontes de financiamento e usar uma cesta de moedas mais ampla melhora a resiliência econômica contra choques associados às decisões de política monetária. Isso pode fortalecer a situação fiscal, possibilitando o financiamento de logística, infraestrutura social e digital, habitação, água e saneamento, educação e saúde.
O uso de moeda local é, portanto, uma opção estratégica. A disponibilidade de crédito em moeda local e/ou swaps de moeda ajuda a enfrentar a exposição aos riscos cambiais e de taxa de juros. O fato é que a moeda hegemônica tem dois papéis: um internacional e um doméstico.
Quando os EUA enfrentam inflação, a política monetária é usada para aumentar as taxas de juros, criando muitos problemas para os mercados emergentes e países em desenvolvimento. Se a economia dos EUA precisar, eles podem usar um dólar forte, o que pode provocar um aumento da dívida nos países em desenvolvimento. A volatilidade é a regra, não a exceção.
Ao promover transações em moedas locais, também facilitamos o crescimento do investimento, ajudando governos e o setor privado a superar o desajuste de fluxo de caixa entre projetos e financiamento. Essa abordagem proporciona maior previsibilidade e reduz os altos custos associados às necessidades de hedge.
Essa é a razão pela qual expandir o uso de moedas locais é um dos principais objetivos estratégicos do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) para o período de 2022-2026. O banco está implementando plataformas orientadas para o desenvolvimento sustentável em moeda local e reconhece a urgência de tornar o financiamento verde disponível para os países membros. Portanto, busca fornecer 30% do financiamento total em moedas locais dos membros tomadores.
Nesta reunião anual, os desafios da transição justa e do financiamento para o desenvolvimento estão em destaque. Discussões e apresentações sobre sistemas financeiros inovadores para o desenvolvimento sustentável, perspectivas para investimentos sustentáveis e estratégias de financiamento em moeda local ocorrerão, bem como painéis de discussão instigantes e discursos de figuras proeminentes.
Teremos a oportunidade de discutir e examinar iniciativas cooperativas que abordam questões sociais e ambientais urgentes e promovem as melhores práticas para cultivar novos motores de crescimento sustentável.
Estou confiante de que teremos discussões particularmente frutíferas sobre esses temas e avançaremos tanto na compreensão quanto na prática do financiamento para o desenvolvimento sustentável.
Gostaria de agradecer a todos novamente por estarem aqui com a equipe do NDB em nosso nono ano de existência. Tenho certeza de que o evento será um sucesso.
Muito obrigada.
Da Redação