Doria promove o desmanche da cultura em SP e artistas reagem
Tucano corta quase metade do orçamento, desemprega centenas de artistas, ameaça programas, reduz atendimento e até quem o apoiava condena o desmonte
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O começo da gestão de João Doria (PSDB) tem sido marcado por uma série de desacertos. Redução no número de crianças beneficiadas pelos programas de entrega de leite, menos alunos beneficiados pelo transporte escolar, maior número de acidentes (inclusive fatais) nas marginais, menor cuidado com a zeladoria da cidade… enfim, um descompasso geral entre o marketing e a realidade. Um quadro que a Agência PT — bem como a mídia convencional — vem demonstrando. Poucas áreas, no entanto, tem sofrido um desmonte tão emblemático como a cultura da capital paulista.
Com um congelamento de praticamente a metade do orçamento (43%,5) do total de R$ 450 milhões da pasta, o prefeito tucano reduziu o que já correspondia a 0,9% do orçamento da prefeitura e prejudicou todo o andamento da pasta, comprometendo programas, deixando centenas de artistas e outros trabalhadores desempregados, a população desassistida e criando um quadro de caos de um ineditismo tal que está levando inclusive quem apoiava sua gestão até outro dia a rever suas posições.
O ápice do descontentamento aconteceu na última segunda-feira, 27 de março, Dia Internacional do Teatro, quando cerca de 5 mil pessoas, representando centenas de coletivos de artistas, se reuniram em frente ao Theatro Municipal, na Praça Ramos, para protestar contra o secretário André Sturm, e dali marcharam até a porta da Prefeitura, do outro lado do Viaduto do Chá.
Durante o ato, os artistas levaram dezenas de geladeiras para a porta do Teatro, no centro da capital, onde foram recebidos pela Polícia Militar, que não permitiu que manifestassem nas escadarias do local. O congelamento foi considerado “agressivo” pelos artistas, que relataram uma série de outras ações consideradas “equivocadas”, por parte do secretário André Sturm.
O vereador e ex-senador Eduardo Suplicy (PT) compareceu ao ato e lamentou a postura do secretário municipal de Cultura: “Teria sido ótimo se o secretario de Cultura tivesse descido para conversar com as artistas e os artistas que estiveram no ato. Que o prefeito João Doria determine o descongelamento das verbas da cultura imediatamente”, declarou.
Programas de governo de todas as linguagens artísticas, como o Vocacional, Aldeias, Pontos de Cultura, fomento ao teatro e à dança, programa Zé Renato, estão todos paralisados, atrasados, terão execução parcial ou não serão executados por falta de verbas, conforme explicou a ex-secretária de cultura da gestão Haddad, Rosário Ramalho.
Ao todo, 8 mil vagas em 100 equipamentos culturais e de educação da cidade estão prejudicadas, atrasando o processo de formação continuada de crianças, jovens, adultos e idosos. Isso ocorre por falta de recursos, mas também pela não contratação dos profissionais necessários, de acordo com Rosário.
“O Mês do Hip Hop, por exemplo, está atrasado, pois o orçamento foi de R$ 2 milhões para R$ 300 mil, só para ter uma ideia. O Programa de Iniciação Artística (PIA), que atende crianças de 5 a 14 anos, também foi prejudicado. E precisamos salientar que os prejudicados não são apenas os artistas, mas suas famílias, os alunos, os espectadores, toda a população”, explicou a ex-secretária.
Só no Vocacional, 8 mil alunos estão prejudicados e 9 anos de execução do programa. Os artistas do Vocacional realizaram vigília nesta terça-feira (28) em manifesto contra os cortes, acampando em frente a Galeria Olido, onde funciona a Secretaria de Cultura.
Ainda de acordo com Ramalho, mais de 300 artistas que davam aulas na área educacional não tiveram seus contratos renovados pela atual gestão. Na gestão passada, os contratos, antes de um ano, foram alterados para dois, mas um imbróglio jurídico levou a prefeitura a romper com 100% desses artistas. “Por causa de uma palavra que foi alterada no contrato, a novo jurídico não quer aceitar os contratos. O que falta é vontade política”, afirmou.
Diretora do Emia abandona gestão Dória
A situação da Cultura está tão grave em São Paulo que mesmo nomes ligados a atual gestão até há pouco não estão aguentando mais ser cúmplices do desmonte. É o caso, por exemplo, da direção da Escola Municipal de Iniciação Artística (EMIA), que funciona dentro de um parque no bairro do Jabaquara e há 37 anos é referência na formação de crianças e adolescentes para as artes. Assim que pais e professores começaram a se manifestar contra o congelamento em fevereiro, a diretora que estava há cerca de 20 anos no cargo foi exonerada e outra, Luciana Schwinden, escolhida pelo secretário André Sturm, foi colocada em seu lugar.
Luciana permaneceu pouco mais de um mês no cargo, e após o agravamento da crise na Cultura de São Paulo, apesar de ter sido colocada no EMIA justamente por ser um nome de confiança da atual gestão, pediu para sair, publicando seu pedido de demissão no Facebook: “não consigo me afinar com essas propostas que caracterizam um início certeiro de desmonte [da cultura]”.
Na última quarta-feira, a administração tucana sofreu sua segunda baixa de uma importante funcionária de confiança. A diretora de Formação da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, Val Lima, pediu exoneração e também anunciou a decisão e desabafou nas redes sociais: “gostaria de agradecer o enorme carinho que tenho recebido do Piá e do Vocacional, o que deixa meu coração tranquilo em relação ao meu trabalho e minha decisão”, escreveu Val.
Para Rosário, Doria conseguiu um feito inédito: unificar a pauta de luta da cultura em São Paulo. “Agora estamos todos em defesa das conquistas históricas da cidade. Esses programas nunca foram conquistas políticas do ex-prefeito Haddad, mas sim de governo. Esse desmonte é contra a cidade”.
Por Ana Flávia Gussen, da Agência PT de Notícias