Eduardo Bolsonaro abriu portas da Imbel para americana Sig Sauer

Fábrica do Exército Brasileiro vai produzir pistolas da filial norte-americana da empresa suíço-alemã. Acordo foi formalizado após atuação ativa do deputado federal filho do presidente. Ele e o pai são entusiastas não apenas do livre acesso da população a armas, mas também da abertura do mercado nacional para estrangeiros

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Lobby das armas

A marcha armamentista do bolsonarismo avançou mais uma casa em seu projeto de destruição do Estatuto do Desarmamento. A política de controle, em vigor no país desde 22 de dezembro de 2003, foi sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o objetivo de reduzir a circulação de armas no país.

Na quinta-feira passada (17), decreto assinado pelo comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, concedeu autorização para a filial norte-americana da empresa suíço-alemã Sig Sauer produzir pistolas de calibre 9mm P320 em uma das cinco fábricas da Indústria de Materiais Bélicos do Brasil (Imbel). Administrada pelo Exército, a estatal federal fornece uma série de produtos para as Forças Armadas nacionais.

As tratativas da Imbel com a Sig Sauer avançaram após o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, se engajar nas negociações. Os primeiros contatos foram feitos em 2018, ainda durante o mandato do usurpador Michel Temer, mas o lobby do deputado foi decisivo para a aprovação do plano de nacionalização. Durante meses, ele postou vídeos e mensagens nas redes sociais para promover a sucursal ianque da empresa europeia.

O deputado lobista, que sempre defendeu a entrada de empresas estrangeiras no mercado nacional, comemorou o acordo. Em postagem no Facebook, disse que “há expectativa” de produção não só das pistolas, mas também de fuzis e submetralhadoras, o que não foi mencionado no decreto do Comando do Exército.

Em janeiro, Eduardo antecipou que a abertura do mercado brasileiro para fabricantes estrangeiros seria um dos focos de sua atuação neste ano. Também informou que já tinha tido videoconferências com a Sig Sauer e a italiana Beretta. ”Eu não quero falir a Taurus, quero apenas abrir o mercado para que haja concorrência e isso aumente a qualidade e baixe o preço”, afirmou. “Isso vai permitir que a população tenha mais acesso a armas.”

Segundo o deputado, o virtual monopólio da CBC-Taurus em armas de pequeno porte faz com que o preço de armamentos seja muito alto. Munição também, comentou, é cinco vezes mais barata nos Estados Unidos.

Eduardo garantiu ainda que o maior acesso da população a armas não irá aumentar a criminalidade. “O que mata não é a arma, é o ser humano. Antes de 2003 (adoção do Estatuto do Desarmamento), havia muito menos mortos que hoje, o estatuto impede a população de ter arma, passa recado para a bandidagem: fiquem tranquilos”, declarou, com o raciocínio tortuoso que lhe é peculiar.

Também em janeiro, representantes da Sig Sauer estiveram em Brasilia para uma nova reunião. A pauta, segundo Eduardo, foi sobre a vontade da empresa em instalar fábricas no Brasil. Para se concretizar o negócio, faltaria ”a garantia política que o lobby não atochará tantas burocracias para emperrar a instalação”, revelou o parlamentar.

Em suas redes sociais, o deputado comentou sobre a viabilidade do acordo. “Aguardamos o aval do governo federal para que estas empresas gerem emprego e renda no Brasil, assim como fez a Índia recentemente, pois a possibilidade de flexibilizar/liberar a importação parece cada vez mais próxima e essencial”, afirmou Eduardo, que preside a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN) da Câmara.

Garoto-propaganda

No Exército e entre observadores do mercado de armas, o deputado é visto como o garoto-propaganda da Sig. Em abril do ano passado, ele recebeu o representante da empresa, Marcelo Costa, e publicou nas redes sociais a promessa de ajudar a empresa a se instalar no Brasil. Neste ano, promoveu pistolas da marca em um vídeo em seu canal no YouTube e na conta no Facebook, que foi replicado pela fabricante.

A família Bolsonaro não só é uma entusiasta do uso de armas e da facilitação do acesso à população, mas também de fabricantes estrangeiros. Desde antes da campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro Pai já dizia que iria “quebrar o monopólio” da Taurus. Ele e o filho deputado alegam que o produto nacional é de pior qualidade, mas evitam comentar as doações que a empresa fez para suas campanhas em eleições passadas.

Após Bolsonaro assumir a presidência, em 2019, vários decretos federais foram expedidos para flexibilizar o comércio e a aquisição de armas estrangeiras por forças de segurança, por policiais e por civis no país. A partir disso, a fabricante austríaca Glock conseguiu espaço no mercado brasileiro, com a venda de 40 mil unidades para a Polícia Militar de São Paulo. A própria Sig também já fornece pistolas para corporações de outros estados.

Diretora executiva da ONG Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo chama a atenção para a escolha das empresas sem justificativa técnica. “A Imbel é uma indústria do governo, vinculada ao Ministério da Defesa, [que] já teve preferência anterior pela Glock, por razões técnicas, e agora tem essa preferência cujo argumento técnico nunca aparece por parte do Exército. Então nos parece que pode haver algum movimento, algum tipo de pressão, algum tipo de ingerência para essa escolha agora, porque justamente o Eduardo Bolsonaro encontra o representante da Sig Sauer e ela entra na parada, com força.”

Fuga da privatização

O Exército afirma que a aproximação com a empresa começou na Feira Internacional de Segurança Pública, Corporativa e de Defesa (LAAD), em 2018, após a Assembleia Nacional da Suíça vetar que a estatal local Ruag abrisse uma fábrica em Pernambuco. O governo Michel Temer (MDB) havia dado a autorização para isso em 2017, mas a má imagem internacional do Brasil no campo da segurança foi vista pelos parlamentares suíços como uma ameaça à reputação da estatal.

Ainda não há um detalhamento de custos da parceria com a Sig Sauer. A Imbel depende de verbas federais. Em 2019, recebeu R$ 152,2 milhões para a produção de munições, fuzis e pistolas, basicamente para consumo das Forças Armadas.

O Exército não se manifestou sobre a atuação de Eduardo nas negociações, mas afirma que a parceria “pode resultar na nacionalização de produtos do portfólio” da Sig Sauer. Quanto à destinação das armas a serem produzidas pela Imbel a partir de desenhos da parceira, o Exército informou que “a destinação dependerá dos armamentos que serão nacionalizados”, mas que o mercado preferencial da empresa é o policial.

A Imbel possui cinco fábricas: em Itajubá (MG), Juiz de Fora (MG), Magé, Rio de Janeiro e Piquete (SP). Como pano de fundo da parceria com a Sig, há um plano de negócios desenvolvido pelo Ministério da Defesa para torná-la uma estatal não dependente de recursos da União. A ação tem dois objetivos: retirar a empresa do Plano Nacional de Desestatização (PND) e livrá-la das amarras do teto de gastos.

Para dar vida ao plano, a pasta solicitou R$ 1,106 bilhão, entre capitalização (R$ 586 milhões), nova rubrica orçamentária e acesso a Recursos Gerados pela Empresa (RGE), disponíveis na Conta Única do Tesouro, no valor de R$ 300 milhões. Esses recursos estão retidos na Conta Única porque a Imbel é dependente da União. Os documentos com os pedidos foram entregues ao Ministério da Economia em outubro.

O governo já não cogitava privatizar a empresa, mas a Defesa quer essa garantia retirando-a do PND. Além de evitar a privatização, o ministério planeja investimentos. Por ser uma estatal dependente, o Orçamento da Imbel é limitado pela regra do teto de gastos, criticada em um artigo do general de Exército Décio Luís Schons, presidente do Conselho de Administração da empresa, que acompanha o plano de negócios.

“A Emenda Constitucional Nº 95/2016, que limitou o teto dos gastos públicos, afetou os limites orçamentários destinados à produção e trouxe fatos novos e necessidade de providências que estão fora da alçada do Conselho de Administração da Imbel. Na situação atual, a empresa não consegue produzir, apesar de ter demanda e a despeito de ter numerário na conta única do Tesouro Nacional, pois lhe falta espaço orçamentário para adquirir insumos e pagar impostos”, escreve o general.

A capitalização de estatais não dependentes não entra da regra do teto de gastos. É uma exceção à regra que foi criada em 2016, quando o Congresso aprovou a PEC 95. A Emgepron, estatal que produz navios, foi beneficiada por essa exceção no ano passado: ela recebeu R$ 7,6 bilhões para construir corvetas para a Marinha.

O general também se manifestou contrário à privatização. “Privatizar a Imbel seria conduzir o Brasil a abster-se em definitivo de qualquer protagonismo na cena internacional, já que todos sabemos, segundo o ensinamento cristalino do Barão de Rio Branco, que mesmo a diplomacia mais eficiente não pode prescindir do respaldo proporcionado pelo poder militar”, escreveu.

Da Redação

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