Eloi Ferreira de Araújo: Valeu a luta, comunidade negra!

Elói Ferreira de Araújo, ex-ministro da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir)

Divulgação

VALEU A LUTA, COMUNIDADE NEGRA

As comemorações do mês da Consciência Negra neste novembro de 2022 têm uma dimensão especial. As organizações do Movimento Negro Brasileiro, que sempre estiveram na vanguarda da luta antirracista e por igualdade racial contribuíram, decisivamente, para derrotar o projeto de exclusão, de intolerância e de racismo, nas eleições que elegeram Luiz Inácio Lula da Silva presidente do Brasil. Zumbi dos Palmares, que liderou o Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, em Alagoas, certamente nos diria, neste 20 de novembro: valeu a luta, comunidade negra, vencemos uma importante batalha, mas a luta continua. Nós responderíamos: valeu, Zumbi, a luta continua.

A crescente onda de ódio e de intolerância que o Brasil vive desde 2018 tem em Jair Bolsonaro, o derrotado, sua principal liderança e referência.  Basta lembrar as agressões que ele proferiu contra a comunidade negra, afirmando que nós, negros, deveríamos ser pesados por arrobas e que não serviríamos “nem para reprodução”, atacando e destruindo as políticas públicas de reconhecimento de comunidades remanescentes de quilombos, alegando que portugueses nunca teriam pisado na África, declarando que seus filhos nunca se casariam com uma mulher negra, entre tantas ofensas. Não bastasse, em seu governo, colocou a SEPPIR no ostracismo e nomeou para a direção da Fundação Cultural Palmares alguém com a missão de destruí-la. As agressões do presidente besta-fera não pararam por aí: estimulou a venda de armas para combater um tal inimigo interno – que, para ele e para muitos de segues seguidores, em geral, tem cor –, inscreveu o Brasil no mapa da fome, prescreveu remédios ineficazes contra a COVID-19, debochou do sofrimento de pessoas que padeciam da doença e, pela demora em sua decisão de comprar de vacinas, cerca de 400 mil pessoas morreram. Todas essas políticas afetaram, indubitavelmente, a população negra brasileira, que sofreu de forma ainda mais acentuada com o aumento da fome e da violência e com a precarização da saúde pública.

No Brasil de Bolsonaro, a desigualdade cresceu absurdamente e, na pobreza, a presença de negros é cerca de quatro vezes maior que a de não negros. A esse respeito, cabe destacar que a renda média de trabalhadores não negros chega a ser até três vezes maior do que a de trabalhadores negros. A desigualdade também é evidente quando se verifica que os cargos gerenciais são ocupados por cerca de 30% de trabalhadores negros e de 70% de trabalhadores não negros. Mesmo entre os trabalhadores de nível superior, os não negros recebem cerca de 50% a mais do que os trabalhadores negros. Nas estatísticas que avaliam a violência no país, os dados chocam ainda mais: a taxa de homicídios sofridos por pessoas negras é cinco vezes maior do que a registrada entre pessoas brancas. Estudo do IBGE aponta, ainda, que negros continuam com menor acesso a saneamento e moradias dignas.

Essas estatísticas, agravadas nos últimos quatro anos trágicos, revelam o enorme desafio que o Estado brasileiro precisa enfrentar, para reduzir as graves desigualdades raciais que o Brasil enfrenta. O fato de essas desigualdades alcançarem tantos setores e aspectos revela também que não basta a presença de pessoas negras no debate sobre o combate ao racismo: para que as futuras políticas públicas sejam, de fato, antirracistas e consigam promover a igualdade material que ainda não existe no país, é necessária a presença de pessoas negras em todos os setores: saúde, educação, economia, justiça, política externa, planejamento, combate à fome.

Às vezes, parece que vivemos um longo dia 14 de maio de 1888, mas o dia da liberdade e da igualdade chegará, pois a luta e a esperança são nossos mantras. Foi para ver esse novo dia raiar que a comunidade negra brasileira votou maciçamente para eleger Lula presidente da República.

Eloi Ferreira de Araújo – ex-ministro da igualdade Racial e ex-presidente da fundação Cultural Palmares

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