Gerson Almeida: “Cara feia e voz alta não vão nos assustar”
O sociólogo conta que foi chamado pejorativamente de “petista ideológico” e reflete: mas por que o tom de acusação?
Publicado em
Petista ideológico
por Gerson Almeida*
Em uma tentativa de diálogo com um conhecido de longa data, antes de oferecer qualquer argumento, meu interlocutor desferiu a sentença: tu és um “petista ideológico”. Sim, eu sou petista desde quando ainda não havia PT legalmente e nunca deixei de lado a militância pelas liberdades democráticas e a luta contra todo tipo de exclusão social.
Em princípio achei que isto seria um elogio, um reconhecimento por uma trajetória que já acumulou quatro décadas. Neste longo período já perdi muito da vitalidade de outrora e todo o topete, mas os compromissos com as causas da justiça social permanecem cada vez mais arraigados.
Mas o tom da fala não era de reconhecimento, mas de acusação.
Fiquei em dúvida se a acusação era por ser petista, ou por ser ideológico. Ser petista e ter participado de todo o processo de construção democrática e, ainda, ter enfrentado os perigos que a luta contra uma ditadura implica e, mais, estar participando de uma experiência de gestão pública que fez milhões de pessoas conquistarem sua cidadania, sempre foi razão de orgulho pessoal. Então descartei esta possibilidade.
Assim, meu pecado é o de ser ideológico. É verdade que isto pode ser entendido como sinônimo de pessoa estreita, que não aceita posições contrárias e é arredio ao debate. No entanto, pensei com os meus botões, nos espaços de gestão que participamos, sempre construímos ferramentas que ampliaram as esferas de decisão para milhares de pessoas, o que fez o controle social crescer. Isto exige muitas conversas e debates e nos obriga a sempre acatar as decisões da maioria, assim, não era possível, neste caso, dar a ideológico o sinônimo de arredio ao debate.
Então, se nosso compromisso sempre foi o de lutar contra qualquer tipo de exclusão e nossas ações sempre foram pautadas por ideias e compromissos e, portanto, não por conveniências e interesses, creio que ser reconhecido como ideológico é um elogio.
Mas, então, por que o tom de acusação?
Bem, como basta ao discurso acusatório apenas a repetição de insultos, nele não há preocupação argumentativa, pois “todo o mundo sabe sobre o que estou falando, só não vê quem não quer”. Esta frase, que tem sido repetida exaustivamente, sempre me deixa a certeza de que seu locutor é quem não sabe exatamente sobre o conteúdo do que fala e, por isto, não é capaz de desenvolver um raciocínio lógico.
Daí é que entendi que, em algum momento da história, todos os lutadores sociais foram duramente acusados e muitos pagaram um preço alto pelas suas causas. Aqueles que têm algo a perder com as lutas sociais defendem furiosa e violentamente seus privilégios.
Meu acusador tem razão. Sou mesmo um petista ideológico e como poucas vezes antes, sinto que meu esforço está em sintonia com o de milhões de pessoas contemporâneas deste momento. Ao resistir e lutar, encarnamos também o espírito de tantos outros lutadores, que em algum momento da história, serviram de barricada para evitar que o ódio regressivo se imponha. Portanto, cara feia e voz alta não vão nos assustar, assim como coturnos e armas não conseguiram.
Gerson Almeida é sociólogo