Henrique Fontana: Fortes frustrações
Infelizmente, o resultado da votação da reforma política na Câmara dos Deputados foi marcado por uma reversão de expectativas. Um dos grandes problemas do nosso processo eleitoral, e que está…
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Infelizmente, o resultado da votação da reforma política na Câmara dos Deputados foi marcado por uma reversão de expectativas. Um dos grandes problemas do nosso processo eleitoral, e que está na raiz da maioria dos casos de corrupção e das distorções do sistema, não foi alterado: o abuso do poder econômico nas campanhas e a influência de empresas na política nacional.
A votação, em maio, já começou mal. Em ato autoritário, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), encerrou os trabalhos da Comissão Especial para a Reforma, destituiu o relator e impediu a votação. A seguir, na votação em plenário, quando foi derrotado ao tentar garantir o status de direito constitucional ao financiamento empresarial, manobrou, repetiu a votação de forma ilegal, pressionou deputados e aprovou o financiamento.
Mas não foi apenas este elemento que gerou uma forte frustração. As mudanças feitas têm efeitos mais cosméticos que estruturais. Questões graves Ficaram em aberto, como a necessária criminalização do caixa dois e o teto de gastos e doações em campanhas, que permanecerá altíssimo.
Mas não é só. Primeiro: candidatos a deputado poderão gastar até o teto de R$ 5,5 milhões, valor correspondente a 65% da campanha mais cara de 2014. Para se ter uma ideia, dos atuais 513 deputados, menos de 10% gastaram isto. Ou seja: nada mudou.
Neste caso, mais uma vez o presidente manobrou com a votação de emendas aglutinativas e impediu a votação de emenda de minha autoria e outros deputados que definia como teto 30% a menos que a média dos gastos da última eleição.
Segundo: ficou autorizado que candidatos doem às suas próprias campanhas o valor total do teto, favorecendo os candidatos ricos e ampliando a desigualdade na disputa.
Terceiro: por incrível que pareça, o limite para doação de cada empresa será de R$ 20 milhões por CNPJ. Ou seja, grupos empresariais com diversos CNPJs poderão continuar doando R$ 100 milhões, R$ 200 milhões para campanhas eleitorais.
Quarto: pessoas físicas seguem podendo doar 10% da sua renda bruta do ano anterior. Ou seja, sem definir um valor absoluto por eleitor. Por exemplo, de R$ 700, como propõe o Movimento Eleições Limpas.
Por fim, em outro retrocesso: aprovaram a redução do tempo de campanha e de propaganda em rádio e TV de 90 e 45 dias para 45 e 30, respectivamente, beneficiando os que exercem mandato, ou já são conhecidos, pois reduz o debate e o acesso à informação. O conjunto de medidas aprovadas na reforma política não qualificará a democracia. O fracasso da votação demonstra que é preciso intensificar a mobilização por uma constituinte exclusiva, que promova uma verdadeira reforma política.
(Artigo inicialmente publicado no jornal “O Globo”, no dia 24 de agosto de 2015)
Henrique Fontana é deputado-federal (PT-RS)