Henrique Fontana: Vitória da democracia
Em artigo, o deputado petista fala do financiamento empresarial e do abuso do poder econômico, responsáveis diretos por grande parte das distorções da democracia brasileira
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Ao longo dos últimos anos, o financiamento empresarial e o abuso do poder econômico têm sido os responsáveis diretos por grande parte das distorções da democracia brasileira, e estão relacionados com a maioria dos casos de corrupção.
É necessário reconhecer que o fim do financiamento empresarial para campanhas e partidos irá qualificar a política brasileira, ajudar a combater a corrupção e tornar as campanhas mais justas. Como ocorre em quase 40 países que proíbem a contribuição de empresas, entre eles, França e Portugal.
Infelizmente, na Câmara dos Deputados, a votação da reforma política e do fim do financiamento empresarial terminou mal. Em ato autoritário, o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), encerrou os trabalhos da comissão especial para a reforma, destituiu o relator e impediu a votação.
A seguir, na votação em plenário, Cunha foi derrotado ao tentar garantir o status de direito constitucional ao financiamento empresarial. Mesmo assim, manobrou, repetiu a votação de forma ilegal, e aprovou o financiamento.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal acabou decidindo pela inconstitucionalidade do financiamento empresarial, exatamente por violar cláusulas da Carta Magna.
Essa decisão é resultado da luta travada por mais de uma centena de entidades e movimentos sociais em defesa da reforma política, como CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), UNE (União Nacional dos Estudantes) e CUT (Central Única dos Trabalhadores), que, por meio da Ordem dos Advogados do Brasil, pediram a inconstitucionalidade do financiamento empresarial para campanhas e partidos.
Na mesma direção, a presidenta Dilma Rousseff teve coragem de enfrentar o tema e vetar o financiamento aprovado pela Câmara.
Agora, o próximo desafio será aprovar a criminalização do caixa dois de campanha, a redução do teto de contribuições para pessoas físicas, que hoje é de 10% da renda do ano anterior, e a redução do limite de gastos dos próprios candidatos com suas campanhas, que pode chegar a 100% do custo total.
Mas a sociedade deve estar atenta às manobras que estão em andamento para a volta do financiamento empresarial. Uma delas pretende apresentar Proposta de Emenda Constitucional permitindo o retorno do financiamento.
Outra quer forçar a inclusão da votação do veto da presidenta Dilma ao financiamento na pauta de vetos do Executivo analisados pelo Congresso, motivo verdadeiro para a atual obstrução das votações. Essas tentativas de retomar o financiamento empresarial, capitaneadas pelo presidente da Câmara e seus aliados, são inaceitáveis e representariam um grande retrocesso para a política do país.
Está claro que a maioria não deseja o financiamento de empresas. Os Poderes Judiciário e Executivo e o Senado o rejeitaram e, mais importante, a sociedade não o quer.
A grande prova de que essa mudança estrutural do processo eleitoral melhora a nossa democracia é a virulência com que setores que sempre se beneficiaram com o financiamento hoje tentam desesperadamente ressuscitá-lo.
Nestes 30 anos de redemocratização do Brasil, a regularidade das eleições, a consolidação das instituições democráticas, a participação da sociedade e o respeito ao resultado das disputas eleitorais demonstram que são inegáveis os avanços conquistados desde então.
Sabemos que a sociedade está premida pela crítica à política, mas é importante entender que não bastam novas eleições. Há que se ter um novo sistema político-eleitoral, sem financiamento empresarial. Uma democracia mais forte e mais resistente à corrupção.
(Artigo originalmente publicado na “Folha de S. Paulo”)
Henrique Fontana é deputado federal pelo PT-RS