Falta d’água requer maior controle à irrigação, diz especialista

Atividades do agronegócio reservam 72% da água disponível no país; 45% disso ou mais de 3,2 trilhões são desperdiçados no manejo e pela falta de fiscalização

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Fonte: Agência Nacional de Águas

Uma das medidas mais eficazes para garantir água ao abastecimento humano é reduzir o desperdício na irrigação, que pelos estudos da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) chegam no Brasil a 45% do total disponível. Mais de 3,2 trilhões de litros são desperdiçados pela atividade agrícola no país, estima a instituição internacional.

A estimativa se baseia no levantamento do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis) do Ministério das Cidades relativo ao ano de 2012, que dimensionou em 10,4 trilhões o volume de água consumida pela população brasileira naquele ano.

De acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), a irrigação consome 72% da água brasileira, enquanto as populações urbana e rural, 10%. O consumo dos moradores do campo representa 1% disso e, os das cidades, 9%, informa a agência, em balanço sobre o consumo nacional no ano de 2013.

Estudos do engenheiro agrônomo Samir Curi, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária no Mato Grosso (Incra), indicam que um único pivô, sistema muito utilizado na agricultura irrigada do estado, pode desperdiçar um milhão de litros por hectare (10 mil metros quadrados) em um dia.

“Numa propriedade de 30 mil hectares, o desperdício é de 300 milhões de litros/dia”, ressalta, enquanto documentos oficiais da ONU afirma que uma economia de 10% na atividade de irrigação mundial seria suficiente para garantir o consumo de toda população do planeta. E isso sem causar qualquer impacto na produção de alimentos, mas só eliminando parte do excesso de perdas.

Em entrevista à Agência PT de Notícias, o especialista em saneamento Marcos Von Sperling, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), manifestou estranheza em relação à abordagem apenas superficial da questão pelas autoridades que tratam do assunto.

Consultadas sobre o assunto, as assessorias das ministras Kátia Abreu (Agricultura) e Izabela Teixeira (Meio Ambiente) informaram que uma reunião com secretários estaduais de meio ambiente e de agricultura, marcada para próximo dia 5 de fevereiro, pretende “discutir, debater e oferecer soluções aos desafios que o País impôs ao governo federal em razão dos problemas causados pelo baixo volume de chuvas”.

Fora do debate – Embora informem buscar soluções para crise hídrica das regiões Sudeste e Nordeste, as autoridades não incluíram no debate, até o momento, as perdas hídricas nas atividades agrícolas. A Sabesp, empresa de saneamento básico do estado, chegou a anunciar restrições à irrigação há duas semanas, mas apenas se não chover.

Sperling é doutor em engenharia ambiental pelo Imperial College, da Universidade de Londres. Para ele, o foco das medidas de racionamento e restrição ao consumo precisa se apoiar e abranger ações que também incluam o segmento onde há maior disponibilidade e perdas: no campo.

“Pouco se fala disso, mas é preciso acentuar que o elevado nível de gasto com irrigação pode ser solução para o problema do abastecimento humano”, disse Sperling.

A medida é, inclusive, de aplicação mais fácil e mais rápida que a realização de obras, também importantes, mas de retorno em prazo maior.

É o caso da captação de água na represa Billings, na região metropolitana de São Paulo, com a qual o governador Geraldo Alckmin pretende suprir o reservatório da Cantareira e evitar o rodízio de fornecimento na relação de cinco dias sem água para dois com água.

Previstas para terminarem em meados do ano, as obras já autorizadas na represa poluída por esgotos não devem ficar prontas a tempo, caso as precipitações de chuva continuem abaixo da intensidade necessária à manutenção do abastecimento normal.

A realização de obras é necessária, segundo Sperling, para agregar novas etapas ao processo de descontaminação da água poluída de Billings. Sem elas, o manancial é inútil às atividades humanas.

Só chuvas torrenciais e duradouras podem reverter a crise de estocagem nos principais reservatórios do Sudeste, seja São Paulo, Rio de Janeiro ou Minas Gerais. As previsões meteorológicas não indicam isso.

As medidas “emergenciais” anunciadas até agora também distribuem mal a responsabilidade pela escassez: a população urbana se prepara para severa restrição ao uso, enquanto as atividades do campo ainda não foram incluídas no esforço de reduzir o desperdício.

Assim, enquanto as águas se esvaem pelas mangueiras de irrigação, de forma absolutamente consentida pelo stabilishment, amplia-se o risco de as regiões Sudeste e Nordeste entrarem em colapso ou extrema escassez em horizonte curto de tempo.

Por Márcio de Morais, da Agência PT de Notícias

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