Inflação de alimentos segue arrochando os mais pobres

Ipea avalia que inflação acumulada este ano para as pessoas com renda mais baixa foi quase três vezes maior que para as de renda mais alta. Bandeira tarifária vermelha nas contas de luz pressiona ainda mais as famílias. Deputado federal José Ricardo entra com representação no MPF para barrar o aumento

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IPEA aponta inflação crescente entre os mais pobres

Os economistas do mercado financeiro elevaram a estimativa de inflação para 2020 pela décima oitava semana seguida. A previsão de alta do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) passou de 4,21% para 4,35%. A expectativa faz parte do Boletim Focus divulgado nesta segunda (14) pelo Banco Central (BC).

Mas o que o mercado financeiro não apontou está no Indicador Ipea de Inflação por Faixa de Renda de novembro: para as pessoas de renda muito baixa, a inflação acumulada este ano foi quase três vezes maior que para as de renda mais alta.

Segundo os dados apresentados na sexta (11) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, a inflação para famílias de renda mais baixa, com rendimento familiar mensal menor do que R$ 1.650,50, sofreu alta de 1% em novembro. Em outubro, foi 0,98%.

Para as de renda mais alta, com rendimento domiciliar superior a R$ 16.509,66, a variação de preços caiu de 0,82% em outubro para 0,63% em novembro. Foi o único segmento da população que apresentou desaceleração inflacionária.

Segundo o apontamento, a faixa de renda muito baixa teve variação acumulada na inflação de 4,56%, do início do ano até novembro. Para a faixa de renda alta, o resultado foi de 1,68%. Na comparação com novembro de 2019, a taxa de inflação da renda muito baixa aumentou 85%, e foi menos acentuada para o grupo de renda alta (48%).

Conforme a pesquisa, entre dezembro de 2019 e novembro de 2020, houve aumento na inflação de todos os segmentos, mas a taxa de inflação da faixa de renda mais baixa (5,8%) “mantém sua trajetória de aceleração em ritmo superior àquela apontada na classe de renda mais alta (2,7%)”.

“Neste ano, o cenário inflacionário combinou forte aceleração de preços de alimentos com uma alta desaceleração da inflação de serviços, o que explica o diferencial da inflação entre as faixas de renda mais baixa e mais alta”, avalia a instituição.

A estimativa é que 75% da inflação para a classe mais pobre foi por causa da alta do grupo alimentação e bebidas. O gasto com os itens desse grupo impacta em 28% do orçamento dos mais pobres, enquanto para as mais ricas é de 13%. O maior peso veio do arroz (6,3%), batata (29,7%), carnes (6,5%), frango (5,2%) e óleo de soja (9,2%).

Bolsonaro tenta minimizar situação

Na última quinta (10), em coletiva durante visita a Porto Alegre, o presidente Jair Bolsonaro tentou minimizar a situação. “Tivemos um aumento anormal de alguns produtos. Soja, arroz. Agora, é melhor, ou menos ruim, ter uma inflação do que ter desabastecimento”, afirmou.

Dois dias antes, na terça (08), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) havia apontado aumento de 3,13% na inflação entre janeiro e novembro. Os dados mostraram que o arroz (6,28%) e o óleo de soja (9,34%) estão entre os produtos que mais apresentaram alta, seguidos pelo grupo de bebidas.

Em novembro, a inflação medida pelo IPCA chegou a 0,89%, a maior em cinco anos para o mês. No ano, a inflação acumula alta de 3,13% e, em 12 meses, de 4,31%. Para os alimentos, no entanto, a inflação é maior. Apenas em novembro, a alta foi de 2,54%. No acumulado de janeiro a novembro, alcançou 12,14%, a maior desde 2002. E vai piorar.

Para os analistas econômicos, a alta de preços não vai arrefecer no início de 2021. Pelo contrário. A expectativa é de que os alimentos continuem pressionados e a inflação se espalhe por outros itens da cesta de consumo, uma vez que diversos reajustes foram empurrados para o próximo ano por conta da pandemia.

A energia elétrica, por exemplo, já ficou mais cara em dezembro, com a volta da bandeira tarifária, e pode aumentar mais com o início do pagamento da Conta-Covid — empréstimo de R$ 15 bilhões tomado pelas distribuidoras, que será diluído ao longo dos próximos cinco anos na conta de luz.

O impacto da cobrança adicional de R$ 6,24 para cada 100kWh recai sobre todos os setores da economia, aumentando as despesas das empresas e apertando o orçamento das famílias, principalmente as mais pobres. A demanda por energia elétrica é inelástica, pois é difícil encontrar um substituto mais barato. E em janeiro deve haver aumentos adicionais nas revisões tarifárias anuais na energia elétrica, que encarecê-la ainda mais.

Na sexta, o deputado federal José Ricardo (PT-AM) protocolizou representação no Ministério Público Federal (MPF) contra a Aneel e o governo federal, para tentar barrar o aumento na tarifa.

“A Aneel retrocedeu na decisão de evitar novo reajuste de tarifa aos consumidores. E ainda impôs a tarifa mais alta, mesmo tendo socorrido financeiramente as empresas do setor e sem considerar o drama vivido pelas famílias brasileiras, que sofrem as consequências da Covid-19 e convivem com falta de emprego e redução nos salários, resultando em muito mais fome e miséria. Reajustar a energia num momento desses é condenar os consumidores, sobretudo os mais pobres, à perda total da dignidade que lhes resta”, declarou José Ricardo.

Além da energia elétrica, a lista de produtos que se somarão à cesta básica e pressionarão o orçamento dos brasileiros em 2021 inclui o plano de saúde, a passagem de ônibus e a mensalidade escolar. Esses serviços administrados costumam ser reajustados anualmente, o que não ocorreu por conta da pandemia. Agora, eles podem subir duas vezes no próximo ano. Além disso, os preços de insumos que servem de base para a cadeia produtiva registram a maior alta desde o início do Plano Real até outubro, segundo o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).

“No ano que vem, vários itens não vão dar alívio inflacionário”, alertou a pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Maria Andreia Lameiras, ao jornal ‘Correio Braziliense’.

Da Redação

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