José Augusto Valente: O ‘apagão aéreo’ que não existiu
Este artigo dá sequência à série “Falácias sobre a logística brasileira”, tendo já sido publicado um primeiro geral (clique aqui) e o segundo sobre a falácia do apagão rodoviário (clique…
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Este artigo dá sequência à série “Falácias sobre a logística brasileira”, tendo já sido publicado um primeiro geral (clique aqui) e o segundo sobre a falácia do apagão rodoviário (clique aqui).
Em 2007, os assuntos “apagão aéreo” e “caos aéreo” ocuparam um bom espaço na mídia. Em torno deles, alguns fatos verdadeiros, alguns juízos fundamentados. Também, muitas suposições e muitas ilações sem fundamento. De um lado, pessoas seriamente preocupadas em tratar do assunto, com a correção e o cuidado necessários. Do outro lado, a oposição junto com a imprensa, cujo único interesse era constituir a “CPI do apagão aéreo” ou usar o tema para fustigar o governo federal o quanto pudesse.
Vamos, então, aos fatos:
O Governo FHC, em oito anos, iniciou e não conclui várias obras de expansão e modernização de aeroportos brasileiros – quem viaja bastante de avião sabe disso. O Governo Lula, nos primeiros quatro anos, concluiu grande parte das obras que se arrastavam no governo anterior e iniciou outras – quem viaja bastante sabe disso.
A entrada da Gol no mercado, com preços bem abaixo do praticado, gerou um aumento significativo de novos usuários, concorrendo diretamente com empresas rodoviárias de passageiros, em alguns casos com preços menores dos que os dos ônibus. Com o crescimento da economia, em apenas quatro anos, a quantidade de viagens de turismo doméstico aumentou cerca de 50%.
Com a queda das operações da Varig, a Gol e a Tam tiveram que assumir trajetos e volumes de passageiros dela, para o que não estavam estruturadas. Para atender a esse desafio, essas duas empresas passaram a organizar os roteiros de cada aeronave, otimizando-as, e gerando uma situação em que pequenos atrasos nos pousos e/ou nas decolagens produziam o “efeito dominó”, levando a atrasos significativos ao final do dia.
O acidente com o avião da Gol, abalroado pelo Legacy que se dirigia aos EUA, gerou uma situação de instabilidade ainda maior no sistema. Num primeiro momento, os controladores de voo de Brasília forma considerados responsáveis pelo acidente, junto com os pilotos do Legacy.
Desde o momento em que os controladores perceberam que isso ocorreria, iniciaram um movimento visando jogar a culpa nos sistemas informatizados, na jornada de trabalho exaustiva, nos baixos salários e na infraestrutura para pouso e decolagem nos principais aeroportos.
Para criar esse ambiente de diluição de responsabilidade, eles passaram a fazer sequenciamentos (intervalos de tempo entre poucos e decolagens) mais espaçados, aumentando o “efeito dominó” mencionado acima, com atrasos finais muito mais significativos.
Visando a criar o ambiente de “caos aéreo”, ocorreram alguns colapsos nos sistemas de controle de voo – cujo mais famoso ocorreu em 5/12/2006 – com ampla e estridente cobertura de toda a mídia.
Algumas empresas aéreas resolveram navegar nesse ambiente, cancelando voos com baixa ocupação.
Ajudando na criação de clima de caos, alguns comandantes passaram a usar da sua prerrogativa de falar aos passageiros e insinuar ou afirmar que o motivo do atraso devia-se exclusivamente aos controladores de voo e aos órgãos do governo federal, que não tomavam medidas para uma solução definitiva.
As equipes de terra das empresas aéreas estavam despreparadas para lidar com as situações de crise causadas pelas ações ou omissões dos controladores de vôo ou mesmo por causas naturais como fechamento de aeroportos devido a chuvas ou nevoeiro. Os passageiros foram submetidos a situações constrangedoras, sendo jogados à própria sorte, graças à desinformação e má-vontade da maioria desses funcionários.
Em 17 de julho de 2007, o fatídico acidente com um avião da TAM, em Congonhas, com 199 mortos e intensa cobertura durante todo o período de incêndio da aeronave, deu a dramaticidade que faltava à tese da imprensa de “caos aéreo”!
A causa objetiva e racional desse acidente foi o fato, confirmado, de que um dos reversores estava “pinado”, o que significa que não tinha condição de auxiliar na frenagem do avião, mas, ao contrário, acelerar um lado, enquanto o outro reversor freava.
Isso explica porque o avião saiu para a esquerda e em velocidade crescente. A atribuição da causalidade às condições da pista são risíveis, na minha opinião. Alegou-se que o serviço de “grooving” (pequenas ondulações produzidas na pista para aumentar o atrito e ajudar ) não tinha sido concluído, dificultando a frenagem da aeronave. Afirmo que nem que tivessem sido construídos “quebra-molas” o avião pararia. Pelo simples fato de que ele estava acelerando, devido ao problema de um dos reversores.
Portanto, houve dois fatos gravíssimos, acidentais, que não configuraram um problema estrutural que justificasse o uso do termo “caos aéreo”. Houve, por outro lado, vários eventos de atrasos e cancelamentos, naturais na aviação aérea em todo o mundo, que passaram a ser amplificados, para tentar colar a marca do tão procurado “apagão” nos governos Lula e Dilma.
O fato é que a imprensa tem buscado encontrar indícios para a sua tese de “apagão aéreo”, sem sucesso. A última tentativa foi o da Copa de Futebol, em 2014. Para azar dela, tudo funcionou perfeitamente, como escrevi dois meses antes (clique aqui). Apesar do aumento significativo da demanda!
Importante ressaltar que a aviação civil brasileira apresenta altos índices de pontualidade e regularidade, colocando-a num patamar superior em relação ao resto do mundo. Comprovadamente, em relação às aéreas dos EUA. (confira aqui)
Será que tentarão criar um novo ambiente de “apagão” para as Olimpíadas de 2016? Com os principais aeroportos modernizados – padrão primeiro mundo – e as companhias aéreas funcionando com muita eficiência, se tentarem, terão outro fracasso.
José Augusto Valente é consultor em logística e transportes