Juca Ferreira: O Golpe, fase dois
“A condenação se deve ao fato de Lula ser quem ele é. Um critério, convenhamos, de contornos inquisitoriais” disse Juca Ferreira
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado não por pretensos crimes por ele cometidos, mas que ele representa. Pelos feitos à frente do governo de enfrentamento da histórica desigualdade social brasileira. Pelo que fez para ampliar a democracia brasileira ao incorporar direitos sociais de vários segmentos da sociedade e pela simbologia em torno de sua personalidade de grande estadista popular e mundialmente reconhecimento como afirmou o relator em seu voto cruel, injusto e parcial.
Lula foi condenado não porque havia provas irrefutáveis de que cometera algum crime. Não, não havia provas de crime algum. O próprio relator do processo admitiu descaradamente que considerou a maçaroca de gravações legais e de delações premiadas (o nome dispensa comentários), “tudo somado”, como suficiente para formar convicção da necessidade de condenação.
O relator deixou claro. A condenação se deve ao fato de Lula ser quem ele é. Um critério, convenhamos, de contornos inquisitoriais.
Lula foi condenado pelo que ele representa. Por toda a simbologia em torno de sua personalidade pública e pessoal. O operário que ousou chegar ao mais alto cargo da República; o retirante que soube governar o Brasil como ninguém; o iletrado que conquistou respeito e admiração de reis, rainhas e dos mais ilustres líderes mundiais; o xucro, o sem dedo, o rouco, o barbudo que iniciou a maior distribuição de riquezas do mundo contemporâneo; o língua-presa, o pobre, o periférico que ousou acreditar no Brasil e encantar o mundo. Sem dúvida, é ousadia demais aos olhos de uma elite acostumada a ter as mãos beijadas e os sapatos engraxados por trabalhadores servis.
A “reprimenda” exemplar a Lula, indicada pelo relator do processo, foi “proporcional à magnitude do cargo” que ele ocupou por dois mandatos. Leia-se: a justiça, fiel defensora dos interesses da elite escravocrata, decide punir o réu na proporção de sua ousadia e insolência.
Condenado hoje não foi apenas Lula. O que a justiça de segunda instância perpetrou foi a condenação de uma possibilidade de Brasil. Um sonho de Brasil orgulhoso de sua diversidade, da sua negritude, de sua morenice e seu jeito singular de ser e de lidar com os desafios de sua realidade. Orgulho de ser brasileiro era sentimento recente, que antes de se constituir em marca nacional, está se perdendo.
Uma das maiores desgraças do retrocesso civilizatório que o Brasil está sofrendo é a destruição da nossa identidade original. O golpe e toda a campanha midiática que o sustenta estão impregnando o imaginário nacional com a ideia de que somos um povo fraco, desonesto, apático e incapaz de tomar as rédeas de nossa história.
O golpe está condenando o Brasil e a alma brasileira a uma condição subalterna, menor. Só assim será possível levar adiante o projeto neoliberal reencarnado no governo Temer depois de permanecer enterrado durante mais de 30 anos de democracia – período no qual suas propostas foram sistematicamente derrotadas pelo voto consciente e decidido dos brasileiros.
Olhando por este prisma, não resta dúvida de que a condenação de hoje se constitue em um obstáculo para que cidadãs e cidadãos brasileiros tenham o direito de decidir, por meio do voto direto e soberano, que projeto é o mais adequado para o Brasil. Esta é mais uma grave consequência da decisão proferida hoje por três – apenas três – desembargadores que, ao fim e ao cabo, quebraram o mais importante pilar da democracia, que é o instituto do voto.
Hoje, 24 de janeiro de 2018, ao condenar Lula e o Brasil, o golpe entra em uma nova e mais complexa fase. Viveremos um momento ainda mais grave em que os golpistas se sentirão respaldados e mais à vontade para prosseguir na implantação do projeto neoliberal de entrega das nossas riquezas naturais à exploração desregrada e da venda da mão de obra nacional a custos cada vez mais baixos. Não é coincidência a presença de Temer justamente hoje no Fórum Econômico Mundial oferecendo o Brasil como se fosse um cacho de bananas.
Se Lula for definitivamente interditado, as eleições majoritárias de outubro serão uma farsa, um jogo de cartas marcadas. O “eleito” não terá legitimidade e força para enfrentar os desafios que o país tem pela frente. A coesão social e política do Brasil se enfraquecerá e esse clima de mormaço, de espera e de expectativa sobre o futuro será substituído por outros sentimentos e humores.
Os golpistas e os que apoiam esse processo de interrupção do processo democrático acreditam que vão poder manipular as energias do povo brasileiro e fazer desse país um grande parque temático neoliberal.
Querem abolir os direitos dos que trabalham, querem aprovar uma reforma da previdência que dificulta o acesso da maioria ao direito à aposentadoria. Conspiram contra os direitos das mulheres, contra a juventude e contra os direitos da população negra e querem se apropriar das terras indígenas, das reservas de água, de minérios e da Amazônia.
Apesar das nuvens carregadas que cobrem nosso horizonte político, eu sou otimista e acho que no final venceremos, tendo ou não eleições livres em outubro.
Se tivermos eleições democráticas, o povo brasileiro saberá dar o troco. Todo mundo já sabe o nome da resposta popular.
Se não tivermos eleições livres, sofreremos mais, o caminho será muito mais sofrido, teremos muita luta, mas ao final venceremos. Os sonhos e os anseios do povo brasileiro não cabem neste projeto medíocre, antipopular, antidemocrático e que quer destruir a soberania do país.
Não devemos esmorecer, mas continuar lutando. Até a vitória, sempre!
Por Juca Ferreira