Kjeld Jakobsen: Quem é autoritário aqui?
O recente Decreto 8.243 sobre a Política Nacional de Participação Social aprovado pelo governo federal não é uma medida impositiva quanto ao funcionamento dos diferentes Conselhos já existentes, alguns já…
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O recente Decreto 8.243 sobre a Política Nacional de Participação Social aprovado pelo governo federal não é uma medida impositiva quanto ao funcionamento dos diferentes Conselhos já existentes, alguns já há muito tempo, e nem imposição às autoridades do poder executivo para seguirem ipsis literis as posições reivindicadas pelas organizações da sociedade civil. Pelo contrário, o Decreto possui uma linguagem moderada e cautelosa, mas abre espaço para que as autoridades dos diferentes organismos governamentais estejam mais atentas aos anseios da sociedade para que esta não tenha que se fazer ouvir a cada momento nas ruas e, ao contrário, tenha espaços institucionais para se expressar de forma aberta e transparente. O Decreto inclusive poderá ser útil para reanimar a atuação de alguns conselhos que já foram mais mobilizados no passado.
Portanto, apesar de ser uma iniciativa singela que nos permite avançar alguns milímetros na frágil e imperfeita democracia brasileira, é uma medida relevante que merece todo nosso apoio, pois a nossa legislação é pobre no tocante à democracia participativa e a estrutura representativa que temos hoje é claramente insuficiente para dar conta dos anseios de uma população que se informa cada vez mais e que busca mais justiça social e participação nas decisões que afetam sua vida.
Espantosas, mas não surpreendentes, são as reações virulentas contra o decreto de parte de alguns parlamentares, órgãos de imprensa e assessores empresariais. Suspeito que estas reações decorrem da percepção de que perderão o monopólio das relações privilegiadas que têm com o poder executivo. Embora gritem em uníssono que o Decreto é autoritário e até ilegal, pois estaria usurpando o papel executivo das autoridades do governo federal e o papel legislativo dos parlamentares que seriam os legítimos “ouvidores” da população, na verdade os queixosos raramente apresentam suas reivindicações por meio de audiências públicas na Câmara ou no Senado. Pelo contrário, não gostam do governo atual, mas praticam intensamente seu lobby nas salas e corredores do Palácio do Planalto e dos Ministérios.
O Decreto não vai acabar com isso, mas os Conselhos poderiam exercer o papel de colocar os problemas e propostas da sociedade de forma transparente diante do governo para que este os avaliem e lhes dê o encaminhamento que achar conveniente. Da mesma forma, o Decreto não retira um milímetro das atribuições que cabe ao Poder Legislativo. Se uma proposta qualquer de legislação for apresentada pelo Poder Executivo após a discussão com determinado Conselho, isto não significa que o trâmite legislativo seja diferente do usual passando pelas Comissões e recebendo emendas antes de seguir para o plenário. Simplesmente os legisladores saberão qual é a opinião do Conselho e poderão considerá-la ou não.
Espantoso também é o baixo nível dos argumentos contrários de que esta medida seria “bolivariana” e que somente existe em países de regimes autoritários. Um colunista, ex-diplomata, afirmou desconhecer experiências semelhantes que não partissem de países onde o poder se concentra no Executivo. Ora um diplomata deveria conhecer um pouco mais do mundo e saber que no nosso vizinho Uruguai existem mecanismos que possibilitam à população convocar referendos sobre medidas de seu interesse a qualquer momento. Deveria saber que na virada do milênio, os países membros da OIT – inclusive o Brasil – aprovaram a Agenda do Trabalho Decente que entre seus quatro eixos inclui o Diálogo Social Tripartite não somente para solucionar conflitos, como também para discutir propostas para desenvolvimento e geração de emprego, renda e direitos.
Deveria saber que desde 1994 quando Nelson Mandela assumiu a presidência da África do Sul, foi instituído um organismo supra governamental chamado “National Economic Development and Labour Council” (NEDLAC) que reúne organizações empresariais, governo, centrais sindicais e outras organizações sociais para discutir propostas governamentais sobre economia, desenvolvimento, questões trabalhistas, e legislação social antes de seguirem para apreciação legislativa. Nenhum deputado sul-africano chia por causa disso. Pelo contrário, o debate prévio facilita sua vida, inclusive para identificar onde estão as tensões em relação às propostas.
A justificativa para criação de um Conselho com o formato do NEDLAC é muito lógica: “Nenhum parceiro social tem o monopólio das soluções”. A atuação do nosso Conselho para o Desenvolvimento Econômico e Social diante da crise econômica mundial em 2009 foi fundamental para indicar ao governo que a saída não poderia ser por meio de demissões e contenção dos gastos públicos. O resultado foi o “Pibão” superior a 7% em 2010.
Portanto, mais uma vez estamos diante de posicionamentos hipócritas e interesses mesquinhos, estes sim frutos de mentes autoritárias. Em nome da democracia, vamos enfrentá-los.
Kjeld Jakobsen é diretor da Fundação Perseu Abramo