Leia na íntegra a fala de Lula durante o velório de dona Marisa
Emocionado, Lula relembrou as quatro décadas de convivência e destacou o apoio incondicional que a ex-primeira-dama dedicou a ele e aos filhos
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O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um discurso emocionado durante o velório de sua esposa, dona Marisa Letícia Lula da Silva, no último sábado (4), na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP).
Lula relembrou do esforço de Marisa em cuidar dos filhos enquanto o líder político precisava se ausentar. Além disso, destacou que sempre recebeu apoio e solidariedade da mulher em suas decisões. “Ela tinha muito mais importância que os ministros”, frisou.
A importância de Marisa, disse Lula, será eterna em sua vida. “Eu vou continuar agradecendo a Marisa até o dia que eu não puder mais agradecer. Até o dia que eu morrer”.
Leia e assista na íntegra:
Diziam que o Brasil tinha milhões de técnicos de futebol. Nas últimas horas surgiram milhões de críticos de velório….
Publicado por Lino Bocchini em Domingo, 5 de fevereiro de 2017
“Queridas companheiras, queridos companheiros que vieram prestar sua última solidariedade e homenagem à companheira Marisa. Eu tinha dito que não falaria porque a preocupação de não falar e chorar é muito grande. Mas eu acho que já chorei a quantidade de lágrimas que daria para recuperar a represa Cantareira por dois anos.
Eu queria dar uma palavra de agradecimento a cada mulher, cada homem, cada companheiro, cada companheira – cada parente da Marisa, cada parente meu – e dizer ao companheiro Rafael, presidente deste sindicato, que minha vida não seria um décimo do que é se não fosse este sindicato. Se não fosse este salão.
Vocês não têm dimensão da representatividade deste espaço que nós estamos tem na minha vida. Aqui eu aprendi a falar. Aqui eu perdi o medo do microfone. Aqui nós decidimos combater a ditadura militar. Aqui nós criamos um novo sindicalismo. Aqui nós pensamos em criar a CUT. Aqui nós pensamos em criar o PT. Aqui nós pensamos em fazer todas as greves feitas nesta categoria e no movimento sindical pelo Brasil inteiro. E a partir daqui saiu a inspiração para que muitos sindicatos se transformassem num sindicato combativo.
Eu não esqueço nunca dos acontecimentos deste salão. Aqui eu conheci a Marisa. Aqui eu casei com a Marisa. Na minha posse, em 24 de abril de 1969… Nós casamos em 1975. Conheci a Marisa em 1973. Em 1975, quando nós fomos à posse, a Marisa já tinha o Fábio, com meia dúzia de meses no colo, e o Marcos já tinha nascido. Aqui nós tivemos os nossos filhos. Aqui a Marisa sustentou a barra para que eu me transformasse no que eu me transformei.
Eu sou o resultado da consciência política dos trabalhadores brasileiros. Na hora que ele evolui, eu evoluo, na hora que ele não evolui, eu não evoluo. Eu sou resultado das greves, mas também sou resultado de uma menina que parecia frágil e que me deu a garantia que eu poderia viajar para ajudar candidatura, para ajudar a criar a CUT, para ajudar a criar sindicalismo combativo, para ajudar a criar o PT. Que ela segurava a barra. E nunca reclamou.
O meu primeiro filho, que é o Fábio, do meu casamento com ela, porque, quando eu casei ela já tinha o Marcos – que já tinha uns dois anos e pouco quando eu casei. Porque eu não sei se vocês sabem, a Marisa ficou viúva novinha, porque assassinaram o marido dela que estava dirigindo um táxi. Logo veio o Fábio, depois veio o Sandro, depois veio o Luís Cláudio. E eu nunca estive presente. Por causa do PT, por causa da CUT, por causa das greves.
Eu lembro que quando o Fábio nasceu a gente estava pescando aqui na represa Billings, lá no Montanhão. Daqui estava a Maria, o Antônio, a Inês. E era mais ou menos 18h, ela estava com água no pé do umbigo tentando pegar uma tilápia de uns 10 centímetros, para a gente comer. A gente assava e comia na beira da represa.
Era um domingo, e nós fomos embora para casa. Fomos tomar banho. Quando foi umas 6h30 da manhã estourou a bolsa. Ela me chamou para levá-la no médico. Eu levei no pronto-socorro de São Bernardo. Só que eu tinha uma reunião da diretoria do sindicato. Deixei a Marisa lá, e só fui lembrar às 11h. Quando cheguei, já tinha nascido o Fábio.
O Sandro eu fui para Bahia no congresso do sindicato dos químicos. Ele adiantou um mês, um mês e pouco. Houve uma antecipação no parto. Eu estava no congresso dos petroleiros, na Bahia, quando, em 1978 , dia 15 de julho, eu recebo a notícia que a Marisa tinha tido o Sandro. Ele foi antecipado alguns dias e eu não tinha como comemorar.
Eram 9 horas, eu fui no bar, no hotel da Bahia. Tomei um conhaque sozinho e comemorei o nascimento do Sandro. Aí nós combinamos que no próximo filho eu ia cuidar de ver o parto. Eu estava com ela em Cuba, o Sandro era pequeno. E a gente foi visitar um show lá em Cuba, no Tropicana. E não pudemos entrar por causa do Sandro.
Aí, então, nós voltamos e, por obra de Deus, nós fizemos o companheiro Luís Claudio, que está aqui. Aí foi muito engraçado, porque lá em Cuba eu descobri que o Sandro tinha um problema no coração. E, por conta dessa descoberta, nós viemos aqui em São Paulo, e o dr. Jatene operou a aorta dele. Ele tem até hoje um cano, que está funcionando bem.
Mas o que é importante é que eu tinha assumido o compromisso com ela que eu ia assistir o parto do Luís Cláudio. Apareceu uma companheira, que eu nem sei se está aqui no meio. Uma companheira, ex-militante do Partidão, Albertina de Souza. Uma médica excepcional, muita amiga do Frei Chico, que falou para Marisa: “Eu quero fazer o seu parto gratuitamente. É um presente meu para você e para o Lula”.
Aí eu fui na clínica São Luís. Era mais ou menos 17h30. Quando estou na clínica São Luís, Rui [Falcão], eu recebo um telefonema do Djalma Bom – não sei se ele está aqui também. Ele era presidente do PT estadual e falou: Lula, o PMDB quer uma reunião urgente, porque quer discutir a aliança aqui em São Paulo.
Eu, mais uma vez, pedi desculpa a Marisa. Falei: Meu amor, ainda não é dessa vez. E fui fazer a reunião. Quando cheguei à meia-noite no hospital, já tinha nascido o companheiro Luís Cláudio. Então, depois disso, dom Angélico, às vezes eu tenho culpa, às vezes eu acho que é assim mesmo. Ela, praticamente, criou os filhos sozinha. Porque era ela que ia na escola. Na verdade eu acho que ela não foi só mãe. Ela foi pai, ela foi tia, foi avó, foi tudo. Porque ela cuidou de todos e nunca reclamou da vida.
A Marisa começou a trabalho com 11 anos de idade como empregada doméstica. Era babá. Onze anos de idade. Depois foi trabalhar na Dulcora, depois casou. Perdeu o marido, ficou viúva e conheceu esse ser humano bonito, que sou eu, e casou.
Eu brinco com a Marisa. Faz 43 anos que eu brinco com ela, todo ano, que ela acaba de ser eleita, todo o ano, a mulher mais bem casada do mundo. Nós tivemos uma vida extraordinária. Uma vida de muita compreensão porque, eu tenho em mente, que o casamento é o maior exercício de democracia que um ser humano pode fazer. É no casamento que você aprende a ceder. E tem que ceder todo o dia. E tem que brigar todo o dia para conquistar alguma coisa.
Você cede pra mulher. Você cede para o filho. Eles cedem para você. E se você não tiver a paciência de exercer essa lógica de ceder toda hora um para o outro, o casamento não dura muito tempo. É por isso que gente casa e se separa muito rapidamente. É porque não tem a paciência do exercício da democracia.
Eu e a Marisa nunca brigamos. Eu já brigava muito no PT, muito no sindicato. Quando eu chegava em casa, às vezes ela queria brigar comigo, mas eu falava: Marisa, não adianta que eu não quero brigar. E não brigava, Rui. Eu aprendi, de uma mãe analfabeta, que dizia: meu filho, nunca levante a voz pra sua mulher. Ela é a sua parceira e, se levantar a voz, nunca levante a mão para sua mulher. É uma educação que tive de berço. Eu não aprendi na universidade. Eu aprendi com uma mãe analfabeta ensinando um filho como se trata a parceira da gente.
Pois bem, a Marisa se foi. Eu, certamente, dom Angélico, sofro menos do que as pessoas que não acreditam em Deus e do que as pessoas que não acreditam em outro mundo. Porque eu acredito em outra vida. E eu acho que ela vai encontrar. Ela deixou aqui muita gente que ela gosta. Muita gente. Sobretudo os filhos delas, os netos. Eu já sou bisavô. E ela, certamente, vai encontrar figuras extraordinárias lá em cima. Vai encontrar a mãe dela. Que é uma baixinha, chamada Regineta, que morava comigo um tempo. De uma doçura. Era muito parecida com a Marisa.
A dona Regineta levantava às 5h e ela começava a trabalhar. A Marisa, Rui, não há nada nesse mundo que faça a Marisa levantar depois das 5h. Ela pode dormir às 2h que às 5h a Marisa está de pé fazendo alguma coisa. É a Regineta fiel. E eu penso que nós vivemos esse período todo vendo uma companheira humilde.
Quando eu fui eleito presidente, a Marisa era vítima de chacota. A direita dizia: “Será que ela vai conseguir limpar aquele vidro do Palácio da Alvorada? Será que ela vai ser ministra? Ela vai dar conta do recado?” E eu dizia pra Marisa: “Você não vai ser ministra, Marisa”. Porque a obra mais importante que a mulher de um presidente pode fazer é dar segurança para o presidente da República não fazer as bobagens que os presidentes fazem neste País.
Porque, no fundo, no fundo, ela era mais do que uma ministra. Eu ficava pensando|: eu coloco a Marisa para ser ministra de alguma coisa, aí a imprensa começa a bater nela. Bate nela num canto e bate no Lula, no outro. Bate nela num canto…não! Ela em casa, a gente sentava, jantava, conversava, discutia. E ela tinha muito mais importância que os ministros. A Marisa sempre dizia para mim: “Oh, Lula, você não esqueça nunca de onde você veio e para onde você vai voltar”.
Uma vez, e eu vou contar isso, para terminar. Uma vez, a gente estava jantando no Palácio da Alvorada, e, de repente, a Marisa começou a rir, começou a rir e eu não sabia por que a Marisa estava rindo. Mas sabe quando uma pessoa ri e parece que vai morrer de rir? E ela disse, sabe por que eu estou rindo, Lula? É porque esses companheiros que trabalham na cozinha e esses garçons nunca imaginaram que esse palácio fosse ter uma presidenta, uma mulher de um presidente, que pedisse para eles cozinhar pé de frango para ela comer.
Isso mostrava a diferença de quem estava dentro do Palácio da Alvorada. E ela dizia para mim: “Oh, Lula, a gente não pode fazer nada, nada mais importante do que a gente fez quando a gente não era presidente. Porque a gente não pode, por ser presidente, tentar utilizar qualquer pretexto para ter um padrão de vida superior àquele que a gente tinha quando você era simplesmente presidente do sindicato de São Bernardo do Campo”.
Eu tenho orgulho, tenho orgulho, que a Marisa viajou comigo esse mundo inteiro. Acho que nunca uma primeira dama viajou 10% do que Marisa viajou, e a Marisa nunca me pediu R$ 10 para comprar nada lá fora. Nada. A Marisa, desde 1975, a minha conta bancária é no nome da Marisa. Porque eu nunca aceitei que a mulher ficasse mendigando R$ 10 para o marido para ir à feira. Ela ia e gastava o que ela quisesse.
Então, Marisa nunca me pediu um anel. Marisa nunca me pediu um vestido. Nunca pediu nada. A única coisa que ela queria era viver e cuidar dos filhos. Ela se foi… os filhos não precisam mais desse cuidado porque agora eles vêm aqui cuidar de mim. Eu estou veinho, eles têm que cuidar. Mas eu quero dizer que eu sou grato por vocês, pelo carinho que vocês tiveram comigo. Não é pouco tempo que eu estou aqui, gente. Eu estou aqui desde 24 de abril de 1969.
Fui presidente desde 24 de abril de 1975. A maioria não tinha nascido. Eu tenho consciência que eu sou resultado de vocês. E tenho consciência que, junto com vocês, dessa galeguinha que parecia frágil, mas quando ficava vermelha e falava grosso colocava medo em muita gente, dona Maria.
Então, de coração, muito obrigado a cada mulher e a cada homem que veio a esse ato aqui hoje. Eu vou continuar agradecendo a Marisa até o dia que eu não puder mais agradecer. Ate o dia que eu morrer. E espero encontrar com ela, com esse mesmo vestido, que eu escolhi para colocar nela, vermelho, para mostrar que a gente não tinha medo de vermelho quando era vivo, não tem medo de vermelho quando morre.
Ela está com uma estrelinha do PT no seu vestido e eu tenho orgulho dessa mulher junto comigo e outros milhares, muitas vezes essa molecada dormia no chão da praça da matriz, e a Marisa e outras companheiras vendendo bandeira, vendendo camiseta, para gente construir um partido que a direita quer destruir.
Na verdade, Marisa morreu triste, dom Angélico. Porque a canalhice que fizeram com ela e a imbecilidade e a maldade que fizeram com ela, eu vou dedicar. Eu tenho 71 anos. Não sei se Deus me levará em curto prazo. Eu acho que vou viver muito porque eu quero provar que os facínoras que levantaram leviandades contra a Marisa tenham um dia a humildade de pedir desculpas a ela.
Eu digo todo dia: se alguém tem medo nesse País, se alguém praticou corrupção nesse País, se alguém tem medo de ser preso… Eu quero dizer o seguinte: esse que está enterrando a sua mulher hoje não tem.
Porque eu tenho a consciência tranquila. Tenho certeza da consciência e do trabalho da minha mulher. E não sou eu que tenho que provar que eu sou inocente. Eles é que precisam provar que as mentiras que eles estão contando são verdadeiras.
Portanto, querida companheira Marisa, descanse em paz porque o seu Lulinha paz e amor vai continuar brigando muito para defender a sua honra e a sua imagem.”
Da Redação da Agência PT de Notícias