Leopoldo Vieira: De que espaço de participação e diálogo entre a sociedade e o governo precisamos?
Com defasagem de um mês, li a reportagem da Folha de São Paulo “Sem propostas, maratona de Dilma no NE deixa rastro de descontentamento“. No início da matéria pode-se ler que,…
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Com defasagem de um mês, li a reportagem da Folha de São Paulo “Sem propostas, maratona de Dilma no NE deixa rastro de descontentamento“. No início da matéria pode-se ler que, supostamente, a presidenta não estaria conseguindo agradar empresários da região que mais deu votos a ela para garantir sua reeleição, em conversas após inaugurações de obras do Minha Casa Minha Vida, por exemplo.
No início da crise política foi comum escutar, segundo a imprensa, que o ex-presidente Lula estaria a aconselhar a presidenta a viajar o País e falar com o povo. Talvez a iniciativa descrita pelo jornal tenha sido um ensaio disso. É interessante porque Marcos Coimbra, em diversos artigos ao longo deste ano, já alertara que o problema crucial da aprovação da gestão da presidenta Dilma dizia respeito ao não-esclarecimento do Ajuste Fiscal aos seus eleitores e, portanto, paira(va) neles um temor diante do futuro, mesmo sabendo estes o que dissera, em entrevista amplamente divulgada e recente, o filósofo Zigmunt Bauman: “só o Brasil tirou 22 milhões da pobreza. Mais ninguém”.
Talvez tenha faltado ao antigo núcleo duro do governo perceber um elemento crucial que o V Congresso do PT já havia identificado sob a forma de autocrítica: faltou dialogar – nestes 13 anos – com os beneficiários dos programas sociais, pilares da assertiva do filósofo polonês. E no período em que a presidenta teria construído tal agenda descrita pela Folha, já estava em pleno vapor o Dialoga Brasil, com suas plenárias voltadas à participação social na elaboração do Plano Plurianual (PPA) 2016-2019.
Por isso, tenho insistido que uma questão fundamental quanto ao diálogo social do governo nesta nova etapa da conjuntura é exatamente este público e o próprio Plano pode ser um eixo para isso, através de comitês populares (ou congênere) de monitoramento, sobretudo da sua Dimensão Estratégica, que narra o projeto e a estratégia de desenvolvimento em curso e para o período de vigência do PPA.
Como sabemos, o enigma a se resolver no Ajuste é a equação do que fazer com a falta de retaguarda entre industriais e banqueiros para financiar o crescimento e a crise fiscal do Estado neste momento, devido aos esforços anteriores em superar esta equação e do baixo crescimento hodierno, impacto do agravamento da crise econômica do capitalismo mundial. Quem sabe esta gente humilde tenha propostas inesperadas a fazer ou, ao menos, lhes baste compreender o sincero e real esforço do governo. Isso não foi suficiente neste período que coincide a reportagem e o processo do Dialoga Brasil, mas pode ser reinventado.
Os modernos conceitos de “liderança do futuro”, segundo a literatura disponível sobre isso, diz que é aquela que dá cabo de “conduzir um grupo de pessoas, influenciando seus comportamentos e suas ações, para atingir objetivos e metas de interesse comum desse grupo, de acordo com uma visão do futuro baseada em um conjunto coerente de ideias e princípios”. Muito se fala das dificuldades políticas da presidenta Dilma, no sentido de assumir a liderança inerente ao cargo que ocupa. A campanha de 2014 e o discurso que fez no 12o Congresso da Central Única dos Trabalhadores (CUT), demonstram que este atributo não lhe falta. Mas, pode faltar a uma vanguarda política uma consciência mais precisa do “savoir faire” (“saber como”) para como operacionalizar este diálogo com a base – hoje desconfiada – que elegeu a presidenta.
Com a recomposição do núcleo duro do governo, a rediscussão da mensagem em torno do Ajuste com novos formatos para a participação social, inclusive em consonância com a estratégia do PT de transitar das “caixinhas” ao sistema democrático de planejamento e construir uma frente social a se enraizar nos locais de estudo, trabalho e moradia (ou seja, na base!) pode ganhar novo fôlego. Assim, no contexto de retração fiscal, quem sabe não é útil conversar com os beneficiários das políticas sociais para ouvi-los, passar confiança, esclarecimento. Isso pode ser a saída para afastar de vez qualquer fantasma de Impeachment, o que demanda sair dos 8% de aprovação. Daí, certamente, a confiança empresarial em relação ao Brasil e ao seu ambiente de negócios tende a aumentar junto. Ainda mais se, após conversarem com a presidenta téte-a-téte, este povo fosse chamado a participar das conferências nacionais programadas.
A participação social não é apenas elemento indispensável para aproximar a democracia e a República, mas para tornar a democracia republicana por meio do uso da democracia participativa para a conformação de alianças e pactos sociais em torno de um projeto de governo, moldando as dimensões da governabilidade e da governança. É disso que precisamos para muito além de construir e incentivar a criação de novos espaços de participação por meio de encontros, fóruns, conferências e plataformas digitais. Mais do que a integração dos espaços presenciais e digitais de participação, o Brasil pode dar um passo em direção à conexão entre os espaços de escuta social e as expressões das escolhas estratégicas de governo, nos instrumentos concretos de gestão pública, como é o PPA. Isso é um “plus” qualificador à nossa democracia, uma vez que fóruns regionais, setoriais, meios da internet etc já foram experimentados – com êxito – no primeiro mandato da presidenta Dilma e até nos pioneiros, nesta matéria, governo Lula. A maior prova de que esta é uma agenda que, ao invés de ter vindo para ficar, veio, outrossim, para semear passos adiante, é que seus conteúdos foram premiados em 2014 pela ONU com o prêmio máximo na área de gestão pública, através da experiência do Fórum Interconselhos, utilizado justamente para a escuta social na elaboração do PPA 2012-2015, que envolveu dezenas de milhares de brasileiros. Porém, como se sabe, o Brasil é um país extremamente rico, grande e diverso e a nossa ambição tem que ser transformar a coração valente em milhões de corações valentes.
Leopoldo Vieira foi coordenador do monitoramento participativo do PPA 2012-2015 e do programa de governo sobre desenvolvimento regional da campanha à reeleição da presidenta Dilma Rousseff