Leopoldo Vieira: O que o Brasil perde com a queda de Dilma?
“É a economia, estúpido” foi a frase que tornou James Carville, estratega da campanha vencedora de Bill Clinton em 1992, conhecido nas rodas políticas do Brasil. Significava que o desempenho…
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“É a economia, estúpido” foi a frase que tornou James Carville, estratega da campanha vencedora de Bill Clinton em 1992, conhecido nas rodas políticas do Brasil. Significava que o desempenho econômico determinava o movimento do eleitorado e da cidadania.
Como se sabe, em 2008, a esposa de Bill, Hillary, foi derrotada nas primárias do Partido Democrata por Barack Obama. Mesmo quem é muito jovem, mas assistiu ao filme “O Mordomo da Casa Branca”, “Django Livre” ou aos documentários recentes da Netflix sobre a vida de B.B. King ou de Nina Simone, sabe a importância da eleição do primeiro afro-americano para dirigir aquele país. Pois que a estratégia da vitória foi delineada, sobretudo, por David Axelrod e, não à toa, ficou conhecido como o “guardião da mensagem”.
Desta feita, pode-se trocar a frase de Carville por “É a mensagem, estúpido”, isto é, a despeito da situação econômica, a narrativa política é crucial em momentos como o brasileiro atualmente. Neste caso, é fundamental dizer o que o Brasil e a sociedade perdem com a eventual derrubada da presidenta Dilma e demonstrar a racionalidade que permite afirmar, sem rodeios, que há um golpe em curso em Brasília.
Afinal, o que perde o Brasil com a queda de Dilma?
As oportunidades que o menino João de 2002, que ama seu país, conquistou.
As panelas da população pobre e trabalhadora, que batem, pela primeira vez na história, fazendo comida para o almoço e o jantar. A carne pode estar mais cara, mas não é o caso de voltar a comemorar o “direito” de comer frango, como nos primeiros anos do Real.
O trabalhador que vê como fantasma seu passado nas filas intermináveis de emprego para gari, ou a pequena empreendedora que não quer voltar a pedir dinheiro para alimentar sua família.
A negra prounista que não quer sua filha voltando – como a avó há 13 anos atrás – aos classificados para vaga de empregada doméstica.
A família que dá o sangue o dia todo para comprar uma passagem de avião, viajando à vontade, de bermudas, para passar o Natal no seu Pernambuco. Pode não ir este ano, mas, se economizar, vai em 2016.
A família que, mesmo com dívidas no crediário e o custo de vida mais alto, não quer que a comida “voe” de uma vez por todas para fora da mesa.
O jovem que perdeu o emprego conquistado por ter se formado no Pronatec, mas tem ainda o Bolsa-Família para se segurar com os seus.
O pai que não vai conseguir comprar uma TV LCD para a esposa, mas está lá com a casinha do Minha Casa Minha Vida para festejar o ano novo com alguma esperança.
O tempo não está bom, mas as saídas de todos que querem o Impeachment jogarão os indicadores nacionais não para 2003, 2005 ou 2007 como hoje, mas para a terrível era de 1995 a 2002. Quem resistiu nas ruas e nas urnas ao governo de FHC sabe do que está falando.
Contra o Impeachment está engajada a maioria absoluta dos governadores, dos reitores de universidades, artistas e intelectuais que deram forma à cultura e ao pensamento brasileiro ao longo do século XX, movimentos sociais que defendem os direitos das mulheres, dos negros, dos gays, dos trabalhadores; o primeiro operário presidente da República e padres próximos ao Papa Francisco.
Numa democracia seria natural que estes setores estivessem meio lá meio cá. Só que não. Estão contra o Impeachment.
Lá, com exceção de um ou outro, estão os fundamentalistas que depredam terreiros, os que amarram negros pobres no poste para “justiçar”, espancam gays, agridem mulheres, alunos e professores. Estão empresários que se recusam a investir para boicotar o governo – prejudicando os empregos da gente mais humilde – quem diz que sonegar não é roubar, quem pede a morte de nordestinos, quem se revolta com bermudas em aeroportos.
É isto que está em jogo com a queda de Dilma. São dois projetos e duas consequências.
Enquanto o neto do último ditador militar do Brasil é sócio do presidenciável republicano americano Donald Trump, um cruzamento de George Bush com o Tea Party, o neto do presidente Jango, derrubado pelos companheiros de Figueiredo, é médico no morro da Rocinha. Dilma criou o Mais Médicos, que sofreu oposição radical dos que falam em “intervenção militar constitucional” (sic) e os movimentos golpistas chamaram a primeira manifestação pelo Impeachment no mesmo dia em que foi editado o AI-5, que lançou o Brasil num mar de manchas torturadas.
Uma amigona, que é de oposição, como é legítimo ser, fez um post numa rede social dizendo-se contra o Impeachment, apesar da “privatização do Estado” feita, segundo ela, pelo grupo político que está há 13 anos governando. Para ela, a saída de Dilma desta forma não resolve o que considera essencial: que o custo da crise recaia sobre o povo.
Uma posição democrática, sem dúvida, embora discorde dela.
Todavia, a nuance do golpismo apareceu num comentário de uma amiga da amigona que cito:
“Minha preocupação com o impedimento da presidenta é o Lula voltar, em 2018, como o salvador da pátria. Prefiro que esse modelo perverso chegue ao fundo do poço”.
Lula voltar ou não será uma escolha das urnas e, antes, uma escolha do PT. Não se pode derrubar um governo para evitar uma hipotética escolha democrática do futuro. E, ainda que Dilma venha a cair, nada impede que Lula volte em 2018. A não ser que do Impeachment se encaminhe para uma ditadura civil de direita propriamente dita.
Discordar da linha política do governo eleito por maioria não pode levar ao seu impedimento pela minoria. Por isso, o Impeachment é golpista, ainda que possa ter o apoio da maioria do momento, que só o é por alegados erros de condução do governo, o que também não pode ser motivo de impedimento dele. Exatamente para deixar os resultados serem plantados, semeados e colhidos e, aí sim, fazer-se um balanço deles, é que o mandato é de quatro anos, com direito à reeleição caso o balanço seja positivo.
A fragilidade da democracia brasileira, em que pese já ser balzaquiana, reside neste raciocínio: a suposta legitimidade de trocar de direção os governos meramente por se discordar deles ou para impedir que o projeto que não é apreciado por um opinião particular siga adiante.
E aqui mora um subproduto da racionalidade golpista: desqualificar esta manifestação da vontade geral a partir de opiniões particulares, como a de que o povo não sabe votar ou vota por “favores”, em troca da política social, como se não fosse coerente apoiar que transforma sua vida. Assim é a democracia, uma permanente escolha de projetos e fidelidade a ele na medida em que não se resume à proselitismo e retórica.
Portanto, se houver Impeachment, sairá vitoriosa a racionalidade golpista. Racionalidade esta que, infelizmente, permeia todos os derrotados de 2014.Todos sonham com atalhos que fraudam a Constituição para se sentarem na cadeira conquistada no voto por Dilma: Aécio Neves quer Impeachment, já que não colou a proposta de renúncia feita por FHC, Marina Silva não quer Impeachment, quer cassação da chapa Dilma/Temer, Luciana Genro não quer Impeachment, quer renúncia com eleições gerais em 2016.
Todos propuseram, em 2014, alternativas que faziam a comida “voar” da mesa dos brasileiros, como “desmamar” a indústria, o aparelhamento da economia pelos banqueiros por meio da independência do Banco Central ou um superávit das contas públicas incompatíveis com a proteção dos empregos e dos salários. Ou, no caso de Luciana, soluções mirabolantes que fariam do Brasil um pária na geopolítica global, totalmente em descompasso com a importância mundialmente reconhecida do nosso país, que dirige a Organização Mundial do Comércio (OMC), é credor do Fundo Monetário Internacional (FMI), é o “B” dos BRICS, entre outros exemplos.
É realmente inacreditável que até a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tenha proposto como solução um tal de “semi presidencialismo”, com um primeiro-ministro a ser chancelado pelo Congresso, ignorando que houve plebiscito no Brasil sobre este tema em 1992, com vitória do presidencialismo. Uma das razões deste modismo de inventar a roda foi a criação da conversa de “presidencialismo de coalizão”.
Balela. Fazem-se alianças eleitorais e para governar como em todo o mundo. Não passa de uma distopia autoritária propugnar que o eleito tem que ter exclusivamente seu partido político com maioria absoluta num parlamento.
Este golpe está muito mais “paraguaio” do que o de costume. Está desproporcional falar de manietagens de Washington, por exemplo. Ao Partido Democrata, ao menos o entorno de Obama, não ha movimento pró-golpe. Aliás, parece que muito pelo contrário. Eles não querem os falcões-elefantes inspirando a América Latina, vide as manifestações do presidente americano quando da visita de Dilma aos EUA e, recentemente, a ligação para combinar o jogo na COP 21, assim como os agradecimentos ao governo brasileiro pelo apoio às incursões pelo restabelecimento das relações diplomáticas com Cuba. Querem é um canal de diálogo com a América do Sul, pois todos estamos precisando fazer negócios para superar a crise mundial.
É preciso separar o que são os movimentos da direita americana, por meio de diversas ONGs de “promoção da democracia”, que podem estar por trás do Brasil Livre, Revoltados On Line, Vem Pra Rua e suas manifestações, das gestões da embaixada e do Departamento de Estado.
Por fim, a melhor notícia para a presidenta e para os que não desejam o golpe apareceu nesta sexta-feira, 11/12. Nada a ver com iniciativas de Rodrigo Janot ou de algum ministro do Supremo Tribunal Federal, mas a declaração de Joaquim Levy aos jornais de que se o Congresso zerar a meta fiscal para 2016, que o chefe da economia deseja cravar em 0,7%, ele “está fora”.
Por causa deste superávit minguado, o relator do Orçamento, deputado Barros, propõe cortar benefícios do Bolsa-Família, o que seria um desastre para a população e para a economia a mais do que as projeções de emprego para 2016, pois política social e empregos geram PIB. Já há uma emenda de deputados petistas propondo justamente zerar a meta, mantendo o Orçamento deficitário já aprovado, o que é perfeitamente normal em períodos de retração econômica, sob pena de a única solução ser cortar políticas e incentivos sociais que protegem os mais pobres e os trabalhadores.
A saída voluntária de Levy abriria a oportunidade para a presidenta nomear um ministro capaz de aproveitar esta hipotética nova perspectiva orçamentária para lançar um plano emergencial de empregos, quiçá vinculado à recriação de um tributo como a CPMF, desdemonizando-a perante a opinião pública.A dívida, embora mais difícil de ter pagos os seus encargos, é administrável pelo formidável montante de reservas internacionais acumuladas no tempo da bonança. Os EUA, em 2009, imersos no ápice dos desajustes econômicos domésticos, aprovaram uma lei para aumentar o teto do endividamento e do déficit orçamentário.
Seria a melhor sinalização possível para os eleitores da presidenta, capaz de gerar um pouco de coesão social para enfrentar o golpe, uma vez que o dilema central da conjuntura é o povo perder a crença de que, com todos os problemas, o PT é o partido que luta pelo emprego e pelo social.
(*artigo originalmente publicado no “Brasil 247”)
Leopoldo Vieira foi coordenador do monitoramento participativo do PPA 2012-2015 e do programa de governo sobre desenvolvimento regional da campanha à reeleição da presidenta Dilma Rousseff