Liana Cirne: O juiz está nu

“O clima não é de derrota, nem de tristeza, como foi após o golpe contra Dilma. O clima é de resistência. De resiliência”

Ricardo Stuckert

Lula agradece a solidariedade do povo em Porto Alegre

Li hoje uma frase que bem reflete a imagem da crise instalada na credibilidade do judiciário: enquanto juízes precisam ser escoltados pela polícia, o réu é carregado nos braços do povo.

Como lembrou a amiga Katie Arguello, Foucault nos ensinou que o que pôs fim à pena de suplício foi o fato da população ter começado a ficar ao lado dos supliciados e contra seus carrascos.

O resultado do julgamento de ontem, no TRF4, embora de todo previsível, foi a condenação do próprio judiciário pela sua falência como instituição que teria por missão julgar com imparcialidade os fatos a ele submetidos.

O juiz está nu. Não porque nutríssemos ingênuas crenças na figura de juízes neutros. Sempre soubemos que a esfera de autonomia entre direito, política e economia era relativa e muitas vezes frágil. E mesmo assim nunca nossos juízes estiveram tão nus. Porque a despeito das interpenetrações entre aquelas esferas, havia um espaço de relativa autonomia das suas lógicas, códigos e linguagens.

O julgamento de ontem, em razão de sua importância estratégica para o calendário eleitoral, é a culminância de um modelo judicial que abre mão, quase por completo, da esfera da juridicidade. Renata Mielli afirmou, com razão, que o fundamento do voto, em especial do desembargador Victor Laus, não dialogava com a acusação, nem com a defesa, mas dialogava com a opinião pública, com críticas das redes sociais, com matérias jornalísticas.

Era quase uma tentativa de maquiar a óbvia falta de imparcialidade da corte e o manejo desse simulacro de processo para fins notoriamente político-partidários.

Aliás, não espanta que o dia do julgamento de Lula que culminou com sua condenação unânime seja também o dia em que a Procuradora-Geral da República peça o arquivamento do processo de investigação contra Serra.

Lembrei que Weber escreveu que, quando veio à tona que o monarca não era a representação de um poder divino, o ceticismo que se seguiu levou a um estado massacrante de conformismo.

Há dias atrás, sabendo que o julgamento de hoje era uma crônica anunciada, me perguntava se se seguiria o mesmo ceticismo e conformismo. Afinal, é muito grave nutrirmos a descrença quanto às nossas instituições.

Hoje comecei a ver essa pergunta respondida. Chamou atenção que, em contraste com o dia em que Dilma foi ilegitimamente afastada do poder, não ouvimos fogos de artifício, salvo alguns, aqui ou acolá. Tímidos.

Muitos perceberam, inclusive entre aqueles que apoiaram o golpe, que o País só retrocedeu no último ano e meio, que a luta contra a corrupção era uma farsa de mau gosto. O cenário não permite celebrações. Nem de um lado, nem de outro.

No campo dos apoiadores e apoiadoras de Lula, no qual me encontro, outra mudança comportamental importante. O clima não é de derrota, nem de tristeza, como foi após o golpe contra Dilma. O clima é de resistência. De resiliência.

O judiciário, ao abrir mão da sua credibilidade como instância imparcial, ao condenar a si mesmo, perde sua autoridade para se fazer respeitado. Perde a legitimidade que separava o “cumpra-se” da força bruta.

O juiz está nu.

E essa nudez escancara que nossa escolha política se faz na esfera da política. Que nossa escolha se faz nas ruas, nos palanques. Nas urnas.

E a posição do PT de oficializar o nome de Lula como candidato corrobora a falta de legitimidade do judiciário para se imiscuir, usurpar e limitar nosso poder de escolhermos os rumos do nosso país. A esfera da política não pode ser usurpada por uma instituição judicial que se desvirtuou tão acentuadamente de seus propósitos.

No momento em que juízes querem se substituir à política, lembramos que não votamos em desembargadores para que eles façam política por nós.

Por caminhos tortuosos, reencontramos o material de que somos feitos e que havíamos, entre uma pancada e outra, perdido: a esperança, norte da nossa trajetória.

Ao final, como Dom Helder dizia, quando os problemas se tornam absurdos, os desafios se tornam apaixonantes.

 

Liana Cirne é Doutora em Direito Público, Mestra em Instituições Jurídico-Políticas e professora da Faculdade de Direito da UFPE.

Do Mídia Ninja 

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