Manifestações levam às ruas disputa pela ‘saída’ para o Brasil

Povo nas cidades do país provocou destemperada reação do governo que, sem resposta para a pandemia e o desemprego, tenta classificar os manifestantes de “delinquentes”, seguindo o mau exemplo do presidente norte-americano, Donald Trump

Euzivaldo Queiróz

Manifestação em Manaus (AM) vai às ruas para pedir "Fora, Bolsonaro".

A capital do Amazonas, o estado mais atingido pela Covid-19, foi palco de manifestação contra o racismo e o governo do presidente Jair Bolsonaro. Na tarde de terça-feira, 2, cerca de 1.500 pessoas marcharam pelas ruas da zona centro sul de Manaus. De forma pacífica, a mobilização foi organizada pelo movimento “Amazonas pela Democracia”. O governo ficou incomodado com organizações de atos pelas cidades brasileiras e, tal como o presidente Donald Trump, tenta criminalizar a insatisfação popular. Os atos são legítimos e, numa democracia, precisam ser respeitados.

A manifestação em Manaus reforçou a presença popular nas ruas do país e sinalizou a realização de novos eventos. Nesta quarta-feira, 3, militantes de coletivos do PT, dos movimentos #Lulalivre e outras organizações populares realizaram manifestação em Brasília, em frente à sede do Tribunal Superior Eleitoral. Portando cartazes e mantendo o distanciamento recomendado pelas autoridades sanitárias, os manifestantes pediram “Fora Bolsonaro”, para salvar vidas e o Brasil.

No próximo domingo, as forças populares retornam à Avenida Paulista, em São Paulo, somando-se às torcidas organizadas que realizaram manifestação no final de semana passado. O novo ato é convocado pela Frente Povo Sem Medo, integrada por movimentos sociais como o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e a UNE (União Nacional dos Estudantes).

A manifestação contará com uma brigada de saúde, com álcool em gel, distribuição de máscaras e orientações para que o distanciamento social seja mantido. De acordo com os organizadores, seguindo o exemplo de protestos em outros países, é possível realizar manifestação respeitando as regras sanitárias.

Reação destemperada

As manifestações provocaram a destemperada reação do governo. Em artigo publicado no jornal ‘O Estado de S.Paulo’, o vice-presidente, General Hamilton Mourão, disse que é intolerável manifestações nas ruas. Repete, quase como um mantra, a resposta que busca esconder a pandemia e o desemprego, tentando classificar os manifestantes de “delinquentes”, seguindo o mau exemplo de Donald Trump. Com mais de 100 mil mortes por Covid-19, e 40 milhões de desempregados, o presidente dos EUA ameaçou, no início da semana, convocar a Guarda Nacional para conter os protestos no país.

Ativistas e líderes populares reagiram ao esforço do governo de criminalizar quem participa de protestos contra o presidente. “Mourão chamou os manifestantes antifascistas de ‘delinquentes’ e ‘baderneiros'”, denunciou o líder do MTST, Guilherme Boulos. “Já os atos por ditadura e em favor do AI-5 tratou como ‘exagero retórico'”, alertou Boulos. Advertindo que caiu a máscara do “vice mediador”, Boulos afirmou o governo “não vai intimidar a luta por democracia”.

A ameaça do vice-presidente Hamilton Mourão tem a concordância do presidente Bolsonaro. Em mais um gesto de submissão aos Estados Unidos, Bolsonaro retuitou uma publicação de Donald Trump nas redes sociais, contendo ameaças aos manifestantes no seu país. Trump ameaçou declarar como “organização terrorista” a Antifa, um “conglomerado” de grupos de esquerda do seu país.

A provocação e a baderna por agentes infiltrados, prática comum desde 2013, e durante o golpe de Estado, voltaram a se repetir nos protestos atuais. Foto: Reprodução.

Provocadores profissionais

Além das orientações para garantir os protocolos sanitários, os organizadores também alertam para a ação de provocadores nas manifestações. A provocação e a baderna por agentes infiltrados, prática comum desde 2013, e que se intensificaram até o Golpe de Estado de 2016, quando atos violentos ganharam as ruas pela deposição de Dilma Rousseff, voltaram a se repetir nos protestos atuais.

No último domingo, os tumultos, seguidos pela repressão policial, foram provocados pela ação de ativistas da extrema-direita defensores do bolsonarismo. Em entrevista à CNN, o próprio secretário-executivo da Polícia Militar de São Paulo, Coronel Álvaro Batista Camilo, afirmou que pessoas que portavam bandeiras de cunho neonazista foram o estopim do tumulto. Uma das bandeiras estava na mão do instrutor de segurança Alex Silva, 46, que mora em Kiev, na Ucrânia.

Segundo a ‘Folha de São Paulo’, Silva está no Brasil, desde março, para abrir uma filial da academia de tiro e táticas militares na qual trabalha em Kiev. De acordo com o jornal, Silva tem participado de manifestações, sempre portando a bandeira nas cores vermelha e preta do Pravyi Sektor. Organização paramilitar, o Pravy Sektor foi criada em 2013, na Ucrânia, destacando-se por ações violentas nos movimentos de massa.

A informação foi confirmada pela fotojornalista Thaís Haliski que testemunhou a poucos metros o começo da briga e a intervenção da Polícia Militar. “Algumas pessoas do ato favorável ao presidente começaram a andar várias vezes até o MASP para provocar e xingar de vagabundos e de outras coisas aqueles que participavam do outro ato”, disse a repórter fotográfica ao UOL.

Em Curitiba, após marcha pacífica pelas ruas da cidade, a manifestação pacífica terminou em vandalismo. De acordo com o ‘Jornal Nacional’, da Rede Globo, vândalos colocaram fogo na bandeira do Brasil, depredaram agências bancárias, picharam um ponto de ônibus e quebraram a fachada do fórum.

Os advogados dos organizadores do protesto protocolaram um pedido de investigação no Ministério Público. Os representantes da organização da manifestação cobraram a identificação e a punição dos responsáveis pelo vandalismo. Segundo a Polícia Militar, seis pessoas foram presas em flagrante e tiveram os celulares apreendidos.

Antecedente exemplar

Em 4 de setembro de 2016, em São Paulo, durante manifestação contra o governo Temer, um grupo de jovens foi preso pouco antes de um protesto. O capitão do exército William Pina Botelho, o Balta, foi identificado como “infiltrado” que armou a prisão dos manifestantes. Os jovens foram libertados e o Botelho respondeu a processo instaurado pelo pelo Ministério Público.

O processo acabou arquivado e, em 22 de dezembro, Balta foi promovido a major do Exército brasileiro. Segundo o Diário Oficial, a promoção ocorreu por “merecimento”. De acordo com os jornais da época, sob esse codinome, William Pina Botelho participou de “operações de inteligência” em manifestações contra o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.

 

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