Médico contra ‘kit covid’ é impedido de assumir programa de imunizações
Perseguido por Bolsonaro e Queiroga, Ricardo Gurgel defende a ciência e foi exonerado antes de assumir o Programa Nacional de Imunizações (PNI) da Saúde. Infectologista Luana Araújo sofreu ataque semelhante
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O ataque sistemático de Jair Bolsonaro e do ministro da Saúde Marcelo Queiroga aos defensores da ciência segue incessante. Desta vez, o alvo foi o médico Ricardo Gurgel, indicado para ser o novo coordenador do Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde. Por seus posicionamentos corretos sobre medidas de combate à pandemia, como a não recomendação de medicamentos do ‘kit covid’ para tratar a doença, Gurgel foi, no entanto, impedido de assumir o cargo.
Segundo noticiou a imprensa, a nomeação do médico saiu há 23 dias, chegou a ser publicada no Diário Oficial, com portaria assinada por Queiroga. Mas Gurgel jamais foi chamado para tomar posse. Ele só descobriu que havia caído em desgraça no governo Bolsonaro quando decidiu viajar pessoalmente de Sergipe, onde vive, para Brasília, para tentar descobrir o que estava acontecendo.
Foi quando ouviu de um coordenador do ministério que não iria assumir o cargo. O médico pagou um preço por criticar o ‘kit covid’ e defender a vacinação de adolescentes, contrariando o mais novo negacionista da turma de Bolsonaro, Queiroga, apelidado de “Pazuello de jaleco”.
Luana Araújo
O caso não é novidade no governo Bolsonaro. Invariavelmente, quem defende a ciência passa a ser considerado inimigo do ocupante do Palácio do Planalto. Em maio, a médica infectologista Luana Araújo também foi impedida de assumir a Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à covid-19, depois de ser convidada e confirmada no cargo pelo próprio Queiroga.
À época, o ministro conseguiu engambelar boa parte da imprensa, passando a impressão de que era um ardente defensor de medidas de prevenção não farmacológicas contra a pandemia, como o uso de máscaras e o distanciamento social. Tudo balela, como se viu nos meses seguintes. Não à toa, Queiroga permanece no cargo, especialmente após o vexame protagonizado nos EUA mês passado, quando fez gestos obscenos para manifestantes contrários a Bolsonaro Em um governo sério, Queiroga teria sido exonerado no mesmo dia. Na gestão Bolsonaro, ganhou pontos com o patrão.
“Parece que temos um padrão e ele é inconcebível”, reagiu Luana Araújo, em comunicado pelas redes sociais. “Saúde pública é sobre a população, um grupo heterogêneo. Deve sobrepairar interesses localizados, mesquinharias político-partidárias e ideologias deturpadas ou fracassadas”, lamentou a infectologista. “[A saúde pública] precisa ficar na resolução de problemas urgentes e ser capaz de planejar e executar mudanças de médio e longo prazos”.
“Ao colega Ricardo Gurgel, minha solidariedade”, concluiu a médica.
Da Redação