Ministro de Bolsonaro se beneficiou de viagem ao espaço para lucrar
Astronauta Marcos Pontes, que assumirá a Ciência e Tecnologia, foi investigado pelo Ministério Público por exercer atividade comercial enquanto militar
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“Nobre e Autêntico Suporte Anatômico”. A frase de Marcos Pontes, futuro ministro da Ciência e Tecnologia de Jair Bolsonaro (PSL), poderia ser sobre sua atuação como astronauta, quando viajou com a agência espacial dos Estados Unidos, mas não. Trata-se do slogan da publicidade de um travesseiro, uma das tantas atividades comerciais do único viajante espacial brasileiro.
Atuar como empresário não seria um problema para Pontes se ele não tivesse feito isso durante sua atuação militar, e violado o artigo 204 do Código Militar, segundo o Ministério Público Militar. A legislação proíbe militares da ativa de exercer qualquer atividade comercial, por isso o MPM abriu uma investigação em 2006, pouco antes do tenente-coronel ir para a reserva, de acordo com o Intercept Brasil.
Ainda segundo a reportagem, Pontes negou na época que tivesse alguma relação com a empresa Portally Eventos e Produções, registrada em nome de uma assessora de imprensa do militar. A então procuradora-geral da Justiça, Maria Ester Henrique Tavares pediu a abertura, em julho daquele ano, de um inquérito para apurar a ligação de Pontes com a loja virtual. A procuradora pediu a quebra do sigilo bancário e fiscal de Pontes, mas as Justiça Militar negou e ela recorreu ao Supremo Tribunal Federal.
O recurso se arrastou por mais de dez anos e, em agosto deste ano, foi engavetado de vez pela ministra Rosa Weber sob o argumento de que o eventual crime já teria prescrito. Questionado, Pontes negou ligações com o site Conexão Espacial e com a Portally Eventos e Produções, de acordo com Intercept. Ao Jornal da Cidade, de Bauru (SP), onde mora, o astronauta disse: “a minha única participação no site é a cessão de imagem”.
Sócio após a reserva e doação para campanha
Em 2017, no entanto, a participação ficou mais clara. A reportagem do Intercept obteve documentos na Junta Comercial de São Paulo que mostram que em setembro, após mais de uma década negando relação com a Portally e livre de qualquer punição possível, Pontes se tornou o sócio majoritário da empresa, com 80% da participação.
Cristiane Corrêa, assessora do militar da reserva, manteve 20% de participação e familiares dela que apareciam como sócios minoritários deixaram a sociedade. Pontes só apareceu como sócio da Portally no ano passado, mas há outra ligação com a empresa antes disso. Em 2014, quando o astronauta tentou se eleger, sem sucesso, deputado federal, ele recebeu R$ 20 mil em uma doação da empresa.
Os documentos registrados na Jucesp mostram também que o site é uma fonte fixa de renda para Pontes, uma vez que os sócios têm “direito a uma retirada mensal a título de pró-labore, em valor a ser fixado a cada mês”. A empresa está registrada no endereço da Fundação Astronauta Marcos Pontes, cuja diretora-presidente é Cristiane. No imóvel ao lado fica a empresa Integra Optics, que fabrica componentes de fibra óptica e é representada no Brasil por Pontes e a assessora.
A interligação entre as empresas se estende aos dados de IPTU. O imposto da casa de número 189, onde fica a Integra Optics, está em nome da Portally. O tributo da casa 195, ocupada pela Fundação Astronauta Marcos Pontes e na qual está registrada a Portally, é pago pela empresa Ngmog Empreendimentos e Participações, que pertence aos pais de Cristiane.
Do espaço para os palcos
Em 2006, Pontes, aos 43 anos de idade, deixou a Aeronáutica sem avisar o presidente da Agência Espacial Brasileira, órgão ligado ao ministério que comandará a partir de 2019. À Folha de S.Paulo, o presidente da AEB, Sérgio Gaudenzi, disse ter ficado surpreso e que ficou “sabendo da passagem para a reserva pelo Diário Oficial”.
Após a ida ao espaço, Pontes também se aventurou em outra área, além da atividade comercial. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, em 2011, o astronauta se especializou em técnicas de motivação e autoajuda e passou a dar palestras com temas como “sua empresa é sua espaçonave” e “sou membro da tripulação, a importância do trabalho em equipe”. O jornal apurou que Pontes cobra cerca de R$ 15 mil por participação.
A época, o futuro ministro disse à Folha que “não dá para dizer ao certo quantas palestra são. Tem meses que são várias”. Treinado pela agência espacial dos EUA, ao custo de US$ 10 milhões (R$ 37 milhões) do governo brasileiro, Pontes teria ido para reserva da Aeronáutica, logo após voltar da estação espacial, para ganhar dinheiro com palestras e produtos associados ao seu nome.
Ao fim das palestras ministradas, Pontes foi cercado pelo pelo público para tirar fotos. “Com esse macacão de astronauta, ele não consegue ir muito longe sem pedirem foto”, disse sua assessora à Folha em 2011.
Da Redação da Agência PT de Notícias, com informações do Intercept Brasil e Folha de S.Paulo