Moro terá que se explicar sobre proposta de reduzir impostos sobre cigarro
Medida é questionada por entidades e especialistas, que apontam risco de aumento do consumo
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A criação, pelo Ministério da Justiça (MJ), de um grupo de trabalho (GT) para avaliar a possibilidade de reduzir tributos sobre os cigarros fabricados no Brasil já causa reações no âmbito do Congresso Nacional. Um requerimento protocolado pelo deputado federal Nilto Tatto (PT-SP) na última quinta-feira (4) solicita que o ministro Sérgio Moro, titular da pasta, preste esclarecimentos a respeito da medida.
Composto por representantes da Polícia Federal, da Secretaria Nacional do Consumidor e da Assessoria Especial de Assuntos Legislativos do MJ, o grupo foi instituído no último dia 23, por meio da Portaria nº 263, publicada no Diário Oficial da União (DOU) e assinada por Moro. Segundo o dispositivo, a ideia seria “avaliar a conveniência e a oportunidade” da redução da tributação de cigarros fabricados no país para “diminuir o consumo de cigarros estrangeiros de baixa qualidade, o contrabando e os riscos à saúde dele decorrentes”.
Nilto Tatto questiona a proposição afirmando que a associação entre a diminuição dos impostos e a baixa nos problemas de saúde, feita pelo Ministério, careceria de comprovação científica. No requerimento enviado ao MJ, o parlamentar questiona se a pasta teria utilizado algum estudo específico como base para a criação do grupo de trabalho.
“O que a gente tem conhecimento é que, ao contrário do que se está se propondo agora [pelo MJ], quanto mais você aumenta os impostos do cigarro, mais você diminui o consumo. São políticas que vêm sendo adotadas no mundo inteiro”, contrapõe o deputado.
O requerimento de Nilto Tatto pede ainda, entre as informações listadas, eventuais pareceres técnicos e jurídicos que tenham sido produzidos pela pasta a respeito da matéria. Também questiona se o MJ teria realizado alguma pesquisa sobre o conjunto de projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional com a proposta de reduzir os impactos do tabaco sobre a saúde pública.
Outro ponto questionado pelo parlamentar ao ministro diz respeito à ausência de convite para que os Ministérios do Meio Ambiente e da Saúde participem do grupo de trabalho. O petista argumenta que as duas pastas seriam fundamentais ao debate por terem uma relação funcional com o tema.
“Todos os especialistas nas áreas de saúde e meio ambiente já têm clareza dos malefícios do tabaco pra saúde humana e pro orçamento público. E como é que você faz um GT pra pensar numa política de tributação para o tabaco e não chama as outras áreas do governo que têm interesse direto [no tema] para o bem do conjunto da sociedade? Isso mostra claramente que esse GT está para atender interesses não da sociedade brasileira, mas muito mais dos grandes fabricantes de tabaco”, criticou Tatto, em entrevista ao Brasil de Fato.
A declaração do parlamentar é uma referência à influência da indústria do cigarro, que investe permanentemente no corpo a corpo com atores do meio político para tentar travar políticas públicas que desestimulam o fumo. Por esse motivo, no requerimento enviado a Moro, o deputado questiona se foram realizadas, pelo MJ, reuniões com “pessoas externas” a respeito do tema. Em caso de resposta positiva, Nilto Tatto pede que sejam apontados os nomes dos presentes nos encontros.
Pelo regimento da Câmara dos Deputados, o ministro tem prazo de 30 dias para enviar respostas à Casa, a contar do recebimento da notificação.
No ofício, Moro também é questionado, entre outras coisas, sobre dados que apontem a entrada ilegal de tabaco no país e sobre os países de origem do produto. Isso porque, durante audiência pública no Senado no ultimo dia 27, o ministro afirmou que a intenção do GT seria reduzir o contrabando e o consumo de cigarro paraguaio no Brasil. Segundo ele, quase metade do mercado nacional estaria controlado pelo produto do país vizinho, que seria de baixa qualidade.
“O controle de qualidade é inferior ao de um cigarro brasileiro. Existe um problema de saúde pública, então, é preferível, sem elevação de consumo, que esse mercado fosse preenchido pelo cigarro brasileiro submetido a maiores controles”, disse, na ocasião. Ele afirmou ainda que a redução do contrabando passaria pela redução de impostos sobre o produto nacional.
Sociedade civil
A proposta encontra resistência entre diferentes atores da sociedade civil organizada. É o caso, por exemplo, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e da ONG ACT Promoção da Saúde, que publicaram, respectivamente nos últimos dias 26 e 28, nota rechaçando a medida.
“A questão tributária e a questão do contrabando de cigarros devem ser devidamente enfrentadas pelo poder público, e em momento algum a ameaça do contrabando deve inibir a adoção de políticas de saúde pública para a redução do tabagismo. É preciso destacar que não se aplica o critério de qualidade a produtos de tabaco. O cigarro, legalizado ou contrabandeado, provoca um grave dano sanitário e social”, afirma a Abrasco.
A entidade destaca que, em 2017, por exemplo, foram 7 milhões de mortes no mundo e que o tabaco leva à morte de 50% dos consumidores regulares. Os dados são da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Já a ACT sublinha que, segundo dados do Atlas do Tabaco, o preço mínimo do cigarro no Brasil é considerado baixo e equivale a metade dos demais países. “O custo do tabagismo atinge R$ 56,9 bilhões por ano no país, chegando perto de 1% do PIB anual. Esse custo é cerca de quatro vezes superior ao que se arrecada com os tributos sobre produtos de tabaco”, completa a entidade.
A ONG ressalta ainda que o aumento dos impostos sobre o produto é recomendado pela “Convenção – quadro para o controle do tabaco”, tratado internacional da Organização Mundial da Saúde que tem 181 países como signatários, entre eles o Brasil.
Outros especialistas também apontam problemas na proposta do GT, como o analista em Políticas Sociais do Ministério da Saúde (MS) Rubens Bias, membro do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes).
Ele frisa que, segundo dados oficiais do MS, o país conseguiu reduzir de quase 15% pra cerca de 10% o percentual de fumantes entre 2011 e 2016 e que a medida proposta pelo GT do Ministério da Justiça tende a fazer o país caminhar em sentido contrário.
Bias questiona ainda o argumento do governo de que a queda do preço poderia auxiliar na redução do consumo de tabaco no país. O analista cita como parâmetro dados publicados pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca) em janeiro deste ano segundos os quais o aumento de preço do cigarro na ordem de 10% tem potencial para diminuir o consumo de produtos derivados do tabaco em cerca de 8%. A estatística se refere a países de baixa e média rendas, como é o caso do Brasil.
“O que a gente deveria estar preocupado, neste momento, era em diminuir ainda mais o número de fumantes, e isso passa necessariamente pelo aumento do preço do cigarro. O que a gente precisa é de uma população mais saudável e de menos custos pro Sistema Único de Saúde (SUS). A gente não pode retroceder nessa pauta”, defende Bias.
Em outro viés de análise, o analista critica ainda a ideia do governo de que a redução dos preços poderia diminuir o contrabando do tabaco no país.
“A gente acha que a solução passa por outro caminho. Primeiro, aumentar a vigilância nas fronteiras e, então, impedir que o produto contrabandeado passe, e, considerando que o Paraguai é o principal produtor, a gente pode fazer acordos bilaterais entre o Brasil e o país pra pensar políticas conjuntas de desestímulo ao consumo de cigarro”, enumera o especialista.
Por Brasil de Fato